Antonio Martins No Diplo-Br
No mês de mobilização do MST, revelamos uma face pouco conhecida da luta contra o latifúndio: o esforço internacional de conscientização que está denunciando a monocultura do eucalipto – e os desastres sociais e ambientais hoje associados a ela
Nascida nos Estados Unidos, filha de pai holandês e mãe indiana,
Ruby van der Wekken passaria por uma morena brasileira. Aliás, viveu,
entre 2002 e 2005, em Alter do Chão (PA), participando, com o marido, de
um projeto de cooperação internacional. Fisicamente, está agora em
Helsinque, Finlândia. Mas seus sonhos e sentimentos não deixaram o Sul.
Em 31 de março, Ruby ajudou a organizar uma ruidosa manifestação na sede
da Stora Enso (ela envia a mensagem final, no vídeo abaixo). A maior
produtora mundial de papel, de capital finlando-sueco, realizava na
capital finlandesa sua assembleia anual de acionsitas. Do lado de fora,
Ruby e seus companheiros denunciavam o envolvimento da empresa em
formação de latifúndios, aquisição ilegal de propriedades, violência
contra trabalhadores rurais e boicote à reforma agrária, no Brasil.
Os textos que a Biblioteca Diplô e Outras Palavras
publicam agora, sobre o tema, são uma continuação, no plano do debate de
ideias, da luta pedagógica de Ruby. Foram produzidos por jornalistas
finlandeses do Le Monde Diplomatique e da revista Voima, com os quais nossos sites mantêm acordo de reprodução de conteúdos livre de copyright.
Revalam a existência, nos países do Norte, de setores da opinião
pública interesados em romper as cadeias internacionais de produção e
consumo alienados que oprimem as maiorias no Sul.
Redigido por Hanna Nikkanen, de Voima, o primeiro texto
é uma denúncia da ação da Stora Enso no Brasil (algo desconhecido pela
esmagadora maioria dos brasileiros). Em poucas páginas, ácidas e
riquíssimas em fatos, Hanna desfaz o mito de “responsabilidade social” a
que a Stora Enso está procurando se associar, na Finlândia e em todo o
mundo. Por trás desta imagem, relata o texto, a empresa reproduz um
velho modelo de concentração de riquezas. Desloca para os países em
desenvolvimento (América do Sul e China) as atividades mais sujas
ambiental e socialmente. Concentra, contudo, todas as decisões
estratégicas no andar de cima do planeta.
O rol das atividades executadas, para tanto, inclui posse disfarçada
de terras em zonas de fronteira (o que a lei brasileira veda a
estrangeiros). Atravessa as próprias eleições brasileiras (A governadora
do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, é muito grata às contribuições
eleitorais da Stora Enso; e a polícia militar sob seu comando,
particularmente violenta, quando os sem-terra enfrentam a companhia...).
Chega à política empresarial de manter as plantações de árvores no
Brasil (onde terra e trabalho são muito mais baratos) e exportar, para a
Finlândia, pasta de celulose não-industrializada. A etapa mais
lucrativa da produção de papéis finos mantém-se na matriz.
Hanna relata, ao final, o desmascaramento de uma mentira. A política
de “limpeza de imagem” da Stora Enso incluía uma difamação. O Movimento
dos Sem-Terra (MST), que resiste às relações de exploração praticadas
pela transnacional precisava ser demonizado. Para tanto, João Paulo
Rodrigues, um dos líderes nacionais do movimento, foi acusado, no
principal diário finlandês, de “exigir” que a empresa se retirasse do
Brasil. Em caso de negativa, teria prometido desencadear violência e até
mortes. Hanna participou ativamente, como se lê em seu texto, da
desmontagem da farsa.
O segundo texto, de Mika Ronkko (editor do Le Monde Diplomatique
finlandês e marido da ativista Ruby van der Wekken) é uma entrevista
com o próprio João Paulo Rodrigues e João Pedro Stédile, também
referência nacional do MST. Nas conversas com Mika, Stédile e Rodrigues
deixam claro que a luta dos sem-terra não é contra o eucalipto, seu plantio ou a fabricação de papel no Brasil. O que eles querem é rever é a forma de cultivo e, em especial, as relações sociais que ela gera.
Papel, um dos usos do eucalipto1 e o produto final da Stora Enso é um
bem necessário. Poderia ser consumido de forma mais racional e austera,
evitando a necessidade de ampliar a exploração dos solos águas. Mas,
acima de tudo, não precisa ser cultivado em latifúndios, nem como
monocultura – um atentado à diversidade natural do campo.
“Um pequeno produtor poderia cultivar, digamos, dois hectares de
eucalipto, numa propriedade de dez hectares”, sugere Stédile. Plantaria,
além disso, alimentos. Ao invés de comprar imensas áreas, a empresa
estabeleceria relações com milhares de pequenos produtores.
Perfeitamente viável, do ponto de vista técnico, a idéia não é executada por esbarrar num obstáculo político.
O capital não existe para fazer caridade. Enquanto as sociedades não se
conscientizarem e mobilizarem, sua tendência será sempre extrair o
máximo lucro – sejam quais forem as consequências sociais e ambientais.
O mês de mobilizações do MST revela, mais uma vez, que uma parcela
crescente dos agricultores brasileiros já não aceita estas
circunstâncias. É estimulante saber que o mesmo se dá nos países onde
estão sediadas as empresas que promovem desigualdade e devastação.
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