Fundador da banda Pink Floyd junta-se à campanha
de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) contra Israel e apela aos
colegas da indústria da música e a artistas de outras áreas para que
adiram também.
"Onde os
governos se recusam a actuar, as pessoas devem fazê-lo, com os meios
pacíficos que tiverem à sua disposição", diz Waters
O fundador, vocalista e baixista da banda Pink Floyd, cuja música
"Another Brick in the Wall Part 2" serviu de hino da juventude negra
sul-africana contra o apartheid e, mais tarde, foi também cantada por
jovens palestinianos contra o muro que Israel construiu nos territórios
ocupados, anunciou este domingo a sua adesão ao boicote cultural contra
Israel.
Waters apelou aos colegas da indústria da música e a artistas de outras
áreas para aderirem à campanha de Boicote, Desinvestimento e Sanções
(BDS) contra Israel, até que termine a ocupação e a colonização de todas
as terras árabes e o muro seja desmantelado; sejam reconhecidos os
direitos fundamentais dos cidadãos árabo-palestinos de Israel em
plena igualdade; e sejam respeitados, protegidos e promovidos os
direitos dos refugiados palestinos de regressar às suas casas e
propriedades, como estipulado na resolução 194 das NU.
Leia na íntegra a carta aberta divulgada pelo músico britânico.A matéria encontra-se no esquerda.net
Carta aberta de Roger Waters
Em 1980, uma canção que escrevi, "Another Brick in the Wall Part 2",
foi proibida pelo governo da África do Sul porque estava a ser usada por
crianças negras sul-africanas para reivindicar o seu direito a uma
educação igual. Esse governo de apartheid impôs um bloqueio cultural,
por assim dizer, sobre algumas canções, incluindo a minha.
Vinte e cinco anos mais tarde, em 2005, crianças palestinianas que
participavam num festival na Cisjordânia usaram a canção para protestar
contra o muro do apartheid israelita. Elas cantavam: “Não precisamos da
ocupação! Não precisamos do muro racista!” Nessa altura, eu não tinha
ainda visto com os meus olhos aquilo sobre o que elas estavam a cantar.
Um ano mais tarde, em 2006, fui contratado para actuar em Telavive.
Palestinianos do movimento de boicote académico e cultural a Israel
exortaram-me a reconsiderar. Eu já me tinha manifestado contra o muro,
mas não tinha a certeza de que um boicote cultural fosse a via certa. Os
defensores palestinianos de um boicote pediram-me que visitasse o
território palestiniano ocupado para ver o muro com os meus olhos antes
de tomar uma decisão. Eu concordei.
Sob a protecção das Nações Unidas, visitei Jerusalém e Belém. Nada
podia ter-me preparado para aquilo que vi nesse dia. O muro é um
edifício revoltante. Ele é policiado por jovens soldados israelitas que
me trataram, observador casual de um outro mundo, com uma agressão cheia
de desprezo. Se foi assim comigo, um estrangeiro, imaginem o que deve
ser com os palestinianos, com os subproletários, com os portadores de
autorizações. Soube então que a minha consciência não me permitiria
afastar-me desse muro, do destino dos palestinianos que conheci, pessoas
cujas vidas são esmagadas diariamente de mil e uma maneiras pela
ocupação de Israel. Em solidariedade, e de alguma forma por impotência,
escrevi no muro, naquele dia: “Não precisamos do controlo das ideias”.
Tomando nesse momento consciência que a minha presença num palco de
Telavive iria legitimar involuntariamente a opressão que estava a
testemunhar, cancelei o concerto no estádio de futebol de Telavive e
mudei-o para Neve Shalom, uma comunidade agrícola dedicada a criar
pintainhos e também, admiravelmente, à cooperação entre pessoas de
crenças diferentes, onde muçulmanos, cristãos e judeus vivem e trabalham
lado a lado em harmonia.
Contra todas as expectativas, ele tornou-se no maior evento musical da
curta história de Israel. 60.000 fãs lutaram contra engarrafamentos de
trânsito para assistir. Foi extraordinariamente comovente para mim e
para a minha banda e, no fim do concerto, fui levado a exortar os jovens
que ali estavam agrupados a exigirem ao seu governo que tentasse chegar
à paz com os seus vizinhos e que respeitasse os direitos civis dos
palestinianos que vivem em Israel.
Infelizmente, nos anos que se seguiram, o governo israelita não fez
nenhuma tentativa para implementar legislação que garanta aos árabes
israelitas direitos civis iguais aos que têm os judeus israelitas, e o
muro cresceu, inexoravelmente, anexando cada vez mais da faixa
ocidental.
Aprendi nesse dia de 2006 em Belém alguma coisa do que significa viver
sob ocupação, encarcerado por trás de um muro. Significa que um
agricultor palestiniano tem de ver oliveiras centenárias ser arrancadas.
Significa que um estudante palestiniano não pode ir para a escola
porque o checkpoint está fechado. Significa que uma mulher pode dar à
luz num carro, porque o soldado não a deixará passar até ao hospital que
está a dez minutos de estrada. Significa que um artista palestiniano
não pode viajar ao estrangeiro para exibir o seu trabalho ou para
mostrar um filme num festival internacional.
Para a população de Gaza, fechada numa prisão virtual por trás do muro
do bloqueio ilegal de Israel, significa outra série de injustiças.
Significa que as crianças vão para a cama com fome, muitas delas
malnutridas cronicamente. Significa que pais e mães, impedidos de
trabalhar numa economia dizimada, não têm meios de sustentar as suas
famílias. Significa que estudantes universitários com bolsas para
estudar no estrangeiro têm de ver uma oportunidade escapar porque não
são autorizados a viajar.
Na minha opinião, o controlo repugnante e draconiano que Israel exerce
sobre os palestinianos de Gaza cercados e os palestinianos da
Cisjordânia ocupada (incluindo Jerusalém oriental), assim como a sua
negação dos direitos dos refugiados de regressar às suas casas em
Israel, exige que as pessoas com sentido de justiça em todo o mundo
apoiem os palestinianos na sua resistência civil, não violenta.
Onde os governos se recusam a actuar, as pessoas devem fazê-lo, com os
meios pacíficos que tiverem à sua disposição. Para alguns, isto
significou juntar-se à Marcha da Liberdade de Gaza; para outros,
juntar-se à flotilha humanitária que tentou levar até Gaza a muito
necessitada ajuda humanitária.
Para mim, isso significa declarar a minha intenção de me manter
solidário, não só com o povo da Palestina, mas também com os muitos
milhares de israelitas que discordam das políticas racistas e coloniais
dos seus governos, juntando-me à campanha de Boicote, Desinvestimento e
Sanções (BDS) contra Israel, até que este satisfaça três direitos
humanos básicos exigidos na lei internacional.
1. Pondo fim à ocupação e à colonização de todas as terras árabes [ocupadas desde 1967] e desmantelando o muro;
2. Reconhecendo os direitos fundamentais dos cidadãos árabo-palestinianos de Israel em plena igualdade; e
3. Respeitando, protegendo e promovendo os direitos dos refugiados
palestinianos de regressar às suas casas e propriedades como estipulado
na resolução 194 das NU.
A minha convicção nasceu da ideia de que todas as pessoas merecem
direitos humanos básicos. A minha posição não é anti-semita. Isto não é
um ataque ao povo de Israel. Isto é, no entanto, um apelo aos meus
colegas da indústria da música e também a artistas de outras áreas para
que se juntem ao boicote cultural.
Os artistas tiveram razão de recusar-se a actuar na estação de Sun City
na África do Sul até que o apartheid caísse e que brancos e negros
gozassem dos mesmos direitos. E nós temos razão de recusar actuar em
Israel até que venha o dia – e esse dia virá seguramente – em que o muro
da ocupação caia e os palestinianos vivam ao lado dos israelitas em
paz, liberdade, justiça e dignidade, que todos eles merecem.
Tradução do Comité Palestina
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