Escrito por Valéria Nader e Gabriel Brito, da Redação do Correio da Cidadania | |
O planeta voltou a se deparar com o fantasma nuclear após o terremoto
seguido de tsunami que varreu principalmente o nordeste japonês,
causando posteriormente a explosão e vazamento dos reatores da usina de
Fukushima. O governo japonês tenta tranqüilizar o público, sempre
reiterando que os níveis de radiação no ar se encontram aceitáveis, mas
não há quem se satisfaça com tais explicações e durma em paz.
Para falar desse tema cada vez mais polêmico em todas as discussões energéticas, o Correio da Cidadania entrevistou o mestre em Engenharia Nuclear e doutor em Energia Joaquim Francisco de Carvalho.
Para o também ex-diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear),
Fukushima apenas revela que a indústria nuclear continua "uma caixa
preta no mundo inteiro", o que se evidencia flagrantemente neste caso,
pois, mesmo com o devido acompanhamento da AIEA (Agência Internacional
de Energia Atômica), não se evitaram as falhas e negligências da empresa
responsável.
No que se refere ao Brasil, Joaquim Francisco considera um
despautério o investimento em novas usinas nucleares, uma vez que nossa
matriz hidro-eólica folga em servir às necessidades de consumo interno.
No entanto, o lobby nuclear, com espaço limitado nos países centrais,
encontra guarida exatamente em países onde as instituições e políticos
são mais vulneráveis. E num ministério aparelhado por Sarney não podemos
esperar investimentos sensatos e voltados ao interesse público.
A íntegra da entrevista pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Como o senhor analisa o desastre nuclear de
Fukushima, à luz dos fatos até agora revelados e admitidos pelo governo
japonês?
Joaquim Francisco de Carvalho:
O desastre de Fukushima confirma o que muita gente já sabe: a indústria nuclear é uma "caixa preta" no mundo inteiro.
Correio da Cidadania: O senhor comunga da convicção de boa parte da
opinião pública de que o governo japonês sonega ou segura informações
sobre a real situação da radiação e seus efeitos? É possível crer que a
radiação do ar e do mar esteja em níveis aceitáveis e não nocivos à
saúde humana, como alega o governo nipônico?
Joaquim Francisco de Carvalho:
A Tokio Electric and Power Company (TEPCO), empresa proprietária da
usina, é a responsável pela operação e pela segurança daquela
instalação. O governo japonês é o responsável pela supervisão e controle
da aplicação das normas de segurança das instalações nucleares. Assim,
direta ou indiretamente, empresa e governo são responsáveis e todos
omitem informações, de um lado para salvar o que resta da reputação da
empresa, de outro lado para evitar que o pânico tome conta da população.
Correio da Cidadania: É possível projetar se a radiação emitida após o
acidente pode ter alcance em outros continentes, de forma a afetar os
respectivos ambientes e habitantes?
Joaquim Francisco de Carvalho:
O vazamento de produtos de fissão pelas fendas abertas nas contenções de
pelo menos um dos reatores de Fukushima vai diluindo na atmosfera, de
modo que as retombadas em outros continentes não devem ultrapassar os
limites toleráveis. O problema é mais sério no tocante aos mares
próximos, nos quais os peixes, que constituem a principal fonte protéica
do povo japonês, poderão ficar impróprios para o consumo. Mas eu ainda
não tive acesso a dados quantitativos sobre isso.
Correio da Cidadania: Diante de incidente tão trágico, pode-se também
questionar o papel da AIEA, a Agência Internacional de Energia Atômica,
na regulação e acompanhamento das atividades nucleares?
Joaquim Francisco de Carvalho:
A AIEA cumpre bem a sua função de regulamentar e acompanhar as
ativadades nucleares no mundo. No caso de Fukushima, os jornais informam
que a TEPCO falsificou documentos de vistorias técnicas, realizadas na
usina. Ignoro se era da alçada do órgão fiscalizador do governo japonês
ou da AIEA verificar se os documentos eram falsos.
Correio da Cidadania: Voltando o foco ao Brasil, como localiza a
energia nuclear em nossa matriz energética? Pode ser, de algum modo,
relevante, especialmente pelo fato de ser considerada uma energia limpa?
Joaquim Francisco de Carvalho:
O Brasil pode cobrir seu consumo de energia elétrica apenas com fontes
renováveis de energia primária, sem apelar para usinas nucleares. Isto
não significa que se devam negligenciar as aplicações de radioisótopos
na medicina, na agricultura, na indústria e na pesquisa científica.
Estas aplicações têm importância crescente e deveriam ser tratadas
prioritariamente nos orçamentos federais e estaduais, para ciência e
tecnologia.
Correio da Cidadania: Quanto à estruturação e funcionamento do setor
ligado à energia nuclear no Brasil, o que pensa da Eletronuclear, criada
em 1997 com a finalidade de operar e construir as usinas
termonucleares? Qual é o percentual de energia consumida no país pelo
qual ela se responsabiliza atualmente?
Joaquim Francisco de Carvalho:
A Eletronuclear, que na origem se chamava Nuclen (Nuclebrás Engenharia
S.A.), era uma binacional, com 49% de capital alemão e 51% de capital
brasileiro. Havia um diretor superintendente (que era um político), um
diretor técnico (um engenheiro da KWU-Siemens), um diretor industrial
(um engenheiro brasileiro) e um diretor comercial (um
economista-contador alemão). No começo, era uma empresa razoavelmente
enxuta e eficiente. Agora é 100% estatal e, com a moda da politização e
aparelhamento do governo, eu não sei como vai aquela empresa.
Correio da Cidadania: E quanto à CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear, uma
autarquia federal vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia),
trata-se hoje do órgão mais relevante na regulação do setor? Tem uma
composição e estruturação adequadas ao cumprimento deste papel?
Joaquim Francisco de Carvalho:
O próprio ministro Mercadante respondeu a esta pergunta. Segundo o
noticiário, há duas semanas ele demitiu toda a diretoria da CNEN. Foi o
único que procedeu corretamente nessa história. Agora vamos ver se os
diretores saem mesmo, ou se vão conseguir "apoio político" para
continuarem "pendurados" nos empregos.
Correio da Cidadania: Neste sentido, o que dizer do fato de a usina
de Angra 2 estar há mais de uma década em atividade sem a devida licença
ambiental, além de envolvida até hoje em contestações do Ministério
Público sobre a legalidade de sua atuação?
Joaquim Francisco de Carvalho:
Tem-se por aí uma boa idéia da irresponsabilidade dos supostos
responsáveis pelo setor, pela conivência e omissão da CNEN, que deveria
fiscalizar e controlar as instalações nucleares. E pela atitude ilegal
da Eletronuclear, que opera uma usina sem a devida licença do órgão
competente.
Correio da Cidadania: Como imagina que nosso governo vá proceder de
agora em diante com relação às políticas de energia nuclear? Acredita
que haverá apoio para a expansão do setor, como declaram alguns
integrantes do próprio governo?
Joaquim Francisco de Carvalho:
A julgar pelas declarações das autoridades que deveriam ser responsáveis pelo setor, não vai mudar nada.
Correio da Cidadania: Por que tamanho ‘interesse’ do Brasil em
investir em energia nuclear, a despeito de todos os riscos e
dificuldades de manutenção, da existência de um enorme potencial
hidro-eólico, além da incógnita sobre os rejeitos nucleares no futuro?
Joaquim Francisco de Carvalho:
Na falta de alternativas para gerar energia elétrica, alguns países
europeus, além do Japão e dos Estados Unidos, optaram pelas usinas
eletro-nucleares, que custam muito caro, portanto geram eletricidade a
custos que não podem ser suportados pelas indústrias desses países, que
dependem desse insumo.
Uma das formas encontradas para amenizar esse problema foi a de ratear
os custos dos investimentos nucleares em mercados expandidos sobre
países que, embora dotados de fontes naturais abundantes, como a energia
hidrelétrica, eólica e solar, são governados por políticos
despreparados, que se deixam convencer pelo poderoso (e corruptor) lobby da indústria nuclear, que vende facilmente a ilusão de que "esse é o cara e esta é a solução".
Veja só a leviandade com que o ministro de Minas e Energia dizia em sua
primeira gestão que o Brasil iria implantar 58 mil megawatts nucleares
até 2030 e agora afirma que o Brasil vai construir quatro usinas
nucleares no Nordeste...
Correio da Cidadania: Como o senhor enxerga a atual composição do
Ministério das Minas e Energia? Imagina que o governo Dilma vá se
distinguir, de alguma forma, do de Lula?
Joaquim Francisco de Carvalho:
No tocante e este ministério, o atual governo é um prolongamento do
anterior. Muitos cargos – a começar do ministro, um modestíssimo
"jornalista-sarneysista" do Maranhão – foram preenchidos mediante
indicações políticas, sem nenhum compromisso com a qualificação do
nomeado. Basta dizer que o grande "padrinho" desse ministério é o
lamentável senhor Sarney, personagem dos mais deletérios da cena
política brasileira.
Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 11 de abril de 2011
Investimento nuclear no Brasil é determinado por ‘poderoso (e corruptor) lobby’
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