Do blog Opera Mundi
A associação israelense Breaking The Silence (Quebrando o silêncio) acaba de publicar um livro
com centenas de depoimentos de membros das forças armadas do país, de
soldados rasos a comandantes de alta patente, em que são relatados
abusos cometidos contra palestinos nos territórios ocupados da Faixa de
Gaza e da Cisjordânia. Nas conversas, os oficiais contam o que viram , o
que ouviram e o que foram obrigados a fazer.
“... No treinamento você aprende que o fósforo branco não deve ser
usado, você aprende que não é humano usá-lo. Você assiste filmes e vê o
que ele faz com as pessoas que são atingidas, e você diz: 'Meu Deus,
nós estamos fazendo isso também'. Bairros inteiros foram extintos porque
mísseis eram lançados de algumas casas. Isso não é o que eu esperava
ver”, diz o depoimento de um oficial que atuou na operação Chumbo
Fundido em Gaza, em 2009.
Efe (25/03/2011)
Um palestino observa edifício destruído por recente ataque aéreo de Israel à Faixa de Gaza
Em outro, mais questionamentos. “...Eu lembro de algo que
pessoalmente me incomodou. Eu não entendia o toque de recolher. Em
Hebron, havia uma tonelada de toques de recolher, eu não lembro o número
de dias, mas lembro sim que eu ficava em choque porque fazíamos toques
de recolher tão frequentemente e achávamos que as pessoas podiam viver.
Eu realmente não conseguia entender como eles esperavam que as pessoas
existissem.”
Yehuda Shaul, fundador da ONG e um dos coordenadores, explicou ao Opera Mundi que anteriormente o trabalho se restringia a coletar os depoimentos, mas com o livro foi feita uma análise das dificuldades que esses soldados vivenciam. “Se trata definitivamente de um grande trabalho. É uma visão geral e analítica de tudo que fizemos até hoje com os testemunhos. Na verdade, é a primeira vez que fazemos análise, pois até hoje nos restringimos à coleta de testemunhos”.
Yehuda Shaul, fundador da ONG e um dos coordenadores, explicou ao Opera Mundi que anteriormente o trabalho se restringia a coletar os depoimentos, mas com o livro foi feita uma análise das dificuldades que esses soldados vivenciam. “Se trata definitivamente de um grande trabalho. É uma visão geral e analítica de tudo que fizemos até hoje com os testemunhos. Na verdade, é a primeira vez que fazemos análise, pois até hoje nos restringimos à coleta de testemunhos”.
Em outro depoimento, uma ex-soldada israelense conta como colocou
um palestino no canto de um posto de controle por quatro horas, vendado e
com as mãos amarradas, por ter “irritado” os soldados. “Ninguém pode
entender a não ser que tenha estado lá. Se contar a um amigo... é uma
pequena história entre tantas outras histórias chocantes, é algo
pequeno, que me deixa desconfortável. Eu tenho imagens na cabeça, mas
não lembro detalhes. Eu realmente reprimi esse período. Estou
envergonhada. Eu não sei”.
Dar sentido a esta parte reprimida é a missão do BTS, como explica
Shaul. “O BTS surge de um ponto de vista muito otimista da sociedade
israelense. Acreditamos que os israelenses apenas não sabem do que
acontece, pois não são confrontados com a realidade. Se fossem, agiriam
diferente. A nossa cruzada é pelo conhecimento”, afirma o ativista.
Lucas Justiniano/Opera Mundi
Shaul: "A ocupação é um ato odioso feito por Israel e que precisa ser encerrado por Israel"
Em sua opinião, o silêncio não é uma “doença israelense”, mas
humana. “Como o serviço militar é obrigatório, existe uma percepção em
Israel de que todos são soldados desde crianças, então as ‘paredes da
negação’ são mais altas e grossas. As pessoas apenas querem viver suas
vidas, e nosso trabalho é estragar a festa. Vamos lá e estragamos o
clima, relembrando os crimes que estamos cometendo como sociedade, que
está sendo feito em nosso nome”.
Desde 2004, quando surgiu, o BTS já coletou, segundo Shaul,
depoimento de 730 ex-soldados combatentes que serviram na Faixa de Gaza
ou na Cisjordânia. E depois de lançar edições focadas em Hebron, na
operação Chumbo Fundido e no serviço de mulheres combatentes, o mais
recente livro traz o registro e analisa a coleta de depoimentos que
cobre o período de ações que vai de 2000, quando começa a Segunda
Intifada, a 2010.
A ONG é financiada por doadores israelenses e estrangeiros,
principalmente vindos da Europa. O governo de Israel critica a
publicação dos relatórios e publicações, pois eles revelariam detalhes
que podem colocar a população israelense em risco. Para Tel Aviv, a
função da ONG não é social, e sim política. Todos os depoimentos são
anônimos justamente para que os oficiais não sejam processados pelo
Estado.
Em outro depoimento, uma mulher se lembra de um incidente alguns
anos atrás, quando um homem palestino riu dela, porque(ou assim ela
pensava), ela estava usando um uniforme. Segundo a oficial, ela tinha
que "preservar o respeito". Então, aproximou-se do homem, "como se eu
estivesse prestes a beijá-lo.Eu disse a ele: 'Venha, venha, do que você
tem medo? Venha para mim!' E eu então o chutei nas bolas.'Porque você
não está rindo?Ele estava em choque, e então percebeu...que não podia
mais rir de mim."
Cerco aos territórios
Em outro depoimento, outros questionamentos. “Tenho certeza que
seria insuportável se me colocassem sob toque de recolher por 360 dias.
Não é possível e eu lembro que falava sobre isso e ninguém entendia.
Eles diziam: ‘risco à segurança’. Ótimo, risco à segurança, mas eles são
pessoas e precisam viver. De onde tiram comida? Como podem ganhar
dinheiro para comer quando estão sob toque de recolher?”.
A visão geral que o BTS alcançou é a de que o discurso sobre
segurança e proteção dos colonos é uma parte muito pequena do que os
militares procuram alcançar nas ações. No centro está a preservação do
controle militar sobre os palestinos. “Nossa sociedade deve ser
confrontada com esses fatos. Nos últimos 15 ou 20 anos, a discussão
oficial sempre foi: até que o conflito entre israelenses e palestinos
seja resolvido, a ocupação vai continuar. Nós combatemos essa ideia,
pois acreditamos que é errado controlar uma população de 3,5 milhões de
pessoas, mantidas como refém, apenas para ter fichas de barganha nas
mesas de negociações. A ocupação é um ato odioso feito por Israel e que
precisa ser encerrado por Israel”, argumentou Shaul.
Para o ativista, não existe uma permissividade ligada ao
militarismo israelense, que poderia explicar a alta ocorrência de
abusos. Segundo Shaul, o culpado é o próprio sistema da ocupação.
“Quando se é enviado para manter uma realidade corrupta, é comum se
tornar corrupto. Não importa se são ordens, todos fazem. Isso, para nós,
é parte da ocupação. Muitas pessoas falam em lavagem cerebral, mas não
se trata disso. É um trabalho, o que pode ser feito? Se deve controlar
pessoas contra a sua vontade, a única maneira de fazê-lo é causando medo
neles, e se eles se acostumam, aumente a dose, e se eles se acostumam
de novo, aumente de novo. Por isso, tomamos a posição de que isso deve
acabar imediatamente”.
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