Maurício Thuswohl no Correio do Brasil
A movimentação em torno da votação das mudanças do Código Florestal
na Câmara dos Deputados é até agora o mais interessante episódio
político do governo Dilma Rousseff. Mais do que uma simples e já
tradicional disputa entre dois setores antagônicos da sociedade –
ruralistas e ambientalistas – que ocupam espaços e ministérios na gestão
petista desde o primeiro momento do governo Lula, a batalha política
das últimas semanas vem servindo como um corte diagonal que separa
claramente alguns grupos de interesse dentro da ampla base parlamentar
governista. Seja qual for o desfecho em relação ao novo Código, o
comportamento da base (nem tão) aliada serve de alerta ao governo para
futuros embates em torno de temas de grande relevância para a sociedade.
Afinal, até onde a presidente Dilma pode contar com os
partidos médios e com o PMDB, seu maior aliado em termos numéricos?
Contará com os parlamentares desses partidos quando o terceiro governo
petista, por intermédio do Ministério das Comunicações, caminhar para
aprofundar conquistas relativas à democratização dos meios de
comunicação? Contará com eles quando o Ministério da Justiça decidir se
debruçar sobre os arquivos da ditadura? Os ministros Paulo Bernardo e
Maria do Rosário já podem começar a se preocupar seriamente com isso.
Que o diga a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que cortou
um dobrado nesta reta final de negociações sobre o Código Florestal.
Apesar do jogo de cintura que a fez ser mais bem sucedida em conseguir
um acordo com o colega peemedebista Wagner Rossi, do Ministério da
Agricultura, do que seus antecessores nos já históricos embates Marina
Silva x Roberto Rodrigues ou Carlos Minc x Reinhold Stephanes, Izabella
acabou perdendo firmeza ao se movimentar na areia movediça da base
aliada. Refém do relator da matéria na Câmara, o deputado federal Aldo
Rebelo (PCdoB-SP), o MMA acabou sendo levado a sucessivos recuos sem que
isso se refletisse em concessões concretas no relatório.
Quem conhece o PCdoB sabe que uma parte considerável das figuras de
proa do partido tem em relação às questões ambientais e produtivas uma
visão que remonta ao final do século XIX. Ainda assim, a postura de Aldo
Rebelo causou surpresa e constrangimento no governo. O deputado
comunista nunca escondeu suas idéias favoráveis ao fortalecimento do
agronegócio como instrumento primordial para o desenvolvimento do país,
mas foi sua postura no varejo da negociação política que incomodou ao
Palácio do Planalto.
Por mais de uma vez, Aldo fechou acordos com o governo e voltou atrás
após consultar líderes da bancada ruralista. A gota d’água para o
governo veio quando o deputado apareceu para uma reunião pretensamente
definitiva com o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, sem sequer
levar um esboço de seu relatório. Foi neste momento que o Planalto
começou a trabalhar com a hipótese do adiamento da votação.
Palocci ganhou musculatura nas últimas semanas de negociação e a Casa
Civil acabou tomando o lugar do MMA no papel de principal interlocutor
do movimento socioambientalista dentro do governo. O desagrado do
ministro com o relatório de Aldo e sua desconfiança em relação ao
comportamento da base aliada foram fundamentais para que o governo
recuasse em relação à votação. No primeiro dia de embate concreto no
plenário, quem se alinhou às propostas do governo e de um PT firmemente
liderado pelo deputado Paulo Teixeira (SP) foram o PV e o PSOL.
O governo Dilma passou muito perto de obter uma vitória
política que não havia sido conquistada sequer por Lula. Seria
ingenuidade acreditar em uma reforma do Código Florestal sem nenhuma
concessão aos ruralistas e, baseado nessa serena convicção da presidente
e dos ministros envolvidos, um acordo estava de fato sendo buscado. No
entanto, a muita sede com que os parlamentares ruralistas querem ir ao
pote somada ao comportamento tortuoso do relator acabaram por emperrar o
processo.
Agora, caberá ao governo, sob a batuta de Palocci, evitar a aprovação
de uma reforma do Código Florestal que faça o Brasil retroceder em sua
política ambiental, com eventuais conseqüências internacionais.
Finalmente, para as forças progressistas que compõem o governo e para a
presidente Dilma Rousseff fica o alerta sobre futuros desmanches
pontuais da base aliada durante a apreciação de temas contrários aos
interesses dos setores conservadores da sociedade brasileira.
Maurício Thuswohl é jornalista.
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