Umas das principais polêmicas
recentes foi a entrevista da revista "Rolling Stone Brasil" com o cqc
Rafael Bastos. A matéria revela um trecho do show do comediante, em que
ele diz, referindo-se ao estupro de uma "mulher feia": "Tá reclamando do
quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim
uma oportunidade."
Ora, na mesma semana em que jovens de três estados foram detidos por
atuarem num movimento que defende a legalização da maconha, acusados de
"apologia às drogas", as declarações de Bastos suscitam alguns
questionamentos. Por um lado, os jovens mencionados estavam exercendo
seu direito à livre manifestação de ideias, defendendo seu ponto de
vista, disputando sua opinião na sociedade legitimamente.
De outro lado, Rafael Bastos, cujo discurso não tem nenhuma dessas
características, não poderia ser acusado de apologia a um crime
hediondo? Por que? Porque aquilo pretende ser uma piada? Porque ele só
quer "desconstruir o politicamente correto"? Porque é famoso e ganhou
carta branca pra dizer as barbaridades que quiser impunemente?
Há meios inteligentes, ou pelo menos, não tão vulgares, de pôr o
"politicamente correto" em questão. Sugerir o estupro de mulheres e
promover sua banalização não choca o moralismo, choca quem, há décadas,
concentra esforços para denunciar e combater essa violência
injustificável - que não é ficção, é de verdade, mais comum e mais
impune do que se imagina.
Tratar estupro como piada passa por cima de tantas mulheres que o
machismo já vitimizou por meio dessa arma cruel, legitima essa
violência, conferindo-lhe o status de coisa qualquer, coisa da vida,
coisa que acontece e pode ser tolerada. Esse é o texto implícito. Não
precisa se dedicar muito pra entender.
Acontece que estupro não é piada, não é engraçado, não é tolerável e
não há atenuantes. Banalizar esse assunto é tornar-se cúmplice dele. Não
há meio termo. Aceitar rir de si mesmo é uma coisa. Rir de uma mulher
estuprada é outra completamente diferente.
A quem quer caçoar do "politicamente correto", que o faça sem brincar
com o que não tem graça nenhuma. Indicar o estupro como "oportunidade"
num texto humorístico não é bonitinho, nem engraçadinho, nem original,
muito menos inteligente. É cruel, leviano, beira o fascismo. Atitudes
como essa, travestida de moderninha e descolada, é o que de mais
reacionário pode haver numa sociedade desigual como a nossa. Afinal, por
que Bolsonaro é criticado quando fala sério, mas Rafael Bastos tem
autorização pra falar "brincando"?
Violência contra a mulher é crime. Não tem graça. Não tem desculpa.
* Alessandra Terribili, jornalista, é integrante da Secretaria Nacional de Mulheres do PT.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 19 de maio de 2011
Qual a graça?
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