Escrito por Leo Lince no Correio da Cidadania | |
Em priscas eras, quando o PT ainda postulava a mudança na ordem
econômica e defendia uma "nova gramática do poder", a palavra "projeto"
sempre aparecia em seus documentos associada ao esforço coletivo:
projeto estratégico dos trabalhadores, projeto político para o Brasil.
Como goiabada cascão em caixa, coisa fina que não mais se acha.
Depois de quase uma década na posse da principal alavanca do poder
político, a palavra mudou de conteúdo no vocabulário petista. O que era
plural se individualizou. Projeto, agora, é uma empresa particular de
consultoria financeira.
A classe operária, claro, não foi ao paraíso. Os trabalhadores seguem
moendo no áspero, mas os que chegaram ao poder político em seu nome
navegam no mar das facilidades. Alguns descobriram cedo que, ao invés de
dar "cavalo-de-pau" em transatlântico, mais confortável era tomar
assento na boleia.
A súbita riqueza do atual ministro chefe da Casa Civil não passa de mera
decorrência de outras escolhas, não só dele, e muito anteriores. Em
2002, a esperança só venceu o medo na campanha eleitoral. Ato contínuo,
como alertou na época o saudoso Celso Furtado, a música do continuísmo
já tocava no grupo de transição para o primeiro governo petista.
O que era grande, a promessa de mudança, foi trocado em miúdos: milhares
de pequenas "metamorfoses ambulantes". Quem se vendeu como artífice da
mudança, agora se oferece como palestrante e consultor da restauração.
O alvoroço montado nos jornais desta semana não passa de um episódio a
mais em tal trajetória. Episódio, aliás, que pode se tornar território
de múltiplas revelações. Algumas delas, além de curiosas, sintomáticas.
Por exemplo: José Serra e Aécio Neves, que brigam de foice pela
liderança do tucanato, estiveram unidos na defesa do acusado. Comem da
mesma fruta e, na certa, não querem saber de marolas no condomínio do
poder.
Por outro lado, a nota expedida pela assessoria da Casa Civil em defesa
do ministro é um espanto. Foi feito até um levantamento do número de
parlamentares que, como o acusado, "costuram para fora" durante o
exercício do mandato. Levantamento que cumpre um duplo objetivo:
defender a absoluta normalidade do duvidoso procedimento e, ao mesmo
tempo, ameaçar quem recalcitra na crítica. Ou seja, "locupletemo-nos
todos...".
Mais grave ainda é a defesa do princípio dos vasos comunicantes entre os
pontos fortes da economia e as alavancas que definem, na estrutura do
Estado, o destino das finanças públicas. Quem ocupou postos chaves na
administração e depois virou banqueiro ou, no percurso inverso,
banqueiro que virou ministro, são fornecidos exemplos concretos com nome
e sobrenome, são procedimentos defendidos na nota como naturais e
desejáveis. Um absurdo sem tamanho.
Ao tratar como natural a malha de cumplicidades de mão dupla, que coloca
o aparelho estatal como extensão das corporações dominantes, o objetivo
da nota é justificar o "enorme valor de mercado" dos "profissionais"
que transitam por tais escaninhos. Os consultores de luxo, pagos a peso
de ouro pelos barões do setor privado, não precisam revelar a fonte nem a
quantia de seus ganhos. Estão protegidos pelo manto sagrado da
confidencialidade dos contratos. Um privilégio dos poderosos que,
infelizmente, não esteve ao alcance do caseiro Francenildo.
Nas origens, quando Carlito Maia não cobrava tostão por seus slogans
geniais, o PT se orgulhava da sua condição de partido diferente. Nas
cantorias de militância, interpelava os partidos da ordem por serem "tão
iguais". Agora ficou igual aos demais. Para desfrutar os privilégios do
poder, vangloria-se de fazer o que todos fazem. Pratica o que antes
execrava e, sem desconforto aparente, defende de cara limpa a súbita
riqueza do ministro chefe.
Léo Lince é sociólogo.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 20 de maio de 2011
A súbita riqueza do ministro chefe
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