Igor Natusch no Sul21
O documento “Políticas e propostas de ação para o desenvolvimento da educação chilena” é a nova tentativa do governo do Chile em colocar fim a um impasse que se arrasta há mais de dois meses. Apresentado no final da noite desta segunda-feira (1º), o texto governamental surge como resposta às propostas feitas por estudantes secundaristas e universitários do país, que promovem intensos protestos exigindo o fim do atual modelo de ensino e a adoção de um sistema educacional gratuito e controlado pelo Estado.
Entre as propostas do governo de Sebastián Piñera, está “incorporar como garantia constitucional o direito a uma educação de qualidade”, além de propor a desmunicipalização da educação estatal, gerando um novo modelo baseado em órgãos públicos. O atual modelo não sofre mudanças radicais, mas há referências ao aumento dos financiamentos escolares e à reestruturação das taxas aplicadas ao crédito estudantil. No Chile, mesmo as escolas públicas cobram mensalidades, uma vez que são geridas, na prática, por instituições privadas.
Horas antes da entrega da resposta do governo, ministros e assessores presidenciais buscavam passar uma imagem de otimismo. O ministro da Educação, Felipe Bulnes, garantia ter discutido diretamente com Sebastián Piñera os últimos detalhes do documento. “Nossa esperança é de conseguir regularizar a situação imediatamente”, disse ele, acentuando sua expectativa de que não houvesse “intransigência” por parte dos grupos estudantis. Além disso, pediu pela retomada imediata das aulas, interrompidas pelos protestos de alunos e professores no que pode resultar na perda completa do ano letivo.
Estudantes responderão na sexta-feira
A reação dos órgãos estudantis foi cautelosa. Camila Vallejo, porta-voz da Confederação dos Estudantes do Chile (CONFECH), assegurou que “uma resposta conjunta de alcance nacional” será anunciada na próxima sexta. “É um documento que precisa ser revisado e discutido com todos os estudantes”, disse ela, evitando entrar em detalhes. Uma assembleia nacional extraordinária deve ser convocada, podendo ocorrer na quinta-feira.
Do lado dos professores, também há incerteza. Jaime Gajardo, presidente do Colégio de Professores do Chile, admitiu que “algumas pedras saem do caminho”, mas lamentou a forma como é abordada a questão do lucro nas instituições de ensino. “Não está bem abordado, não é enfrentado de forma direta”, assinalou.
Piñera: “protestos já cumpriram seu papel”
No domingo, o presidente chileno já havia acenado com “mudanças no nível constitucional” como forma de melhorar a educação do país. “As passeatas e protestos já cumpriram seu papel, a mensagem já está no coração da sociedade chilena. Temos que passar dos protestos para a ação”, declarou Piñera.
Os estudantes, no entanto, não atenderam o pedido de Sebastián Piñera e continuaram nas ruas durante todo o dia. Barricadas foram erguidas nos principais pontos da capital Santiago. A polícia interviu, com o uso de jatos d’água e bombas de gás lacrimogêneo. Pelo menos 15 pessoas foram detidas.
Anteriormente, o presidente do Chile já havia acenado com um plano chamado Grande Acordo Nacional para a Educação (GANE), que propunha um fundo de 4 bilhões de dólares para financiar bolsas de estudo. A proposta, porém, não agradou os estudantes e os protestos continuaram. Para a Confederação dos Estudantes, a proposta legalizava o lucro sobre a educação e consolidava o atual modelo, ao invés de modificá-lo.
Popularidade do presidente está em queda
Os protestos estudantis não apenas mobilizam multidões – cerca de 150 mil pessoas no maior deles, ao final de julho – como demonstram um engajamento político insuspeitado em uma geração tratada como alienada e desinteressada. As manifestações estão sendo coordenadas pela recém-criada CONFECH, que encontra sua principal porta-voz em Camila Vallejo, estudante de Geografia e presidente da Federação Estudantil da Universidade do Chile (Fech).
Os protestos, que já duram dois meses, exigem maior repasse de recursos para o ensino público e a adoção de um modelo estatal e gratuito de educação. Além disso, os universitários querem a diminuição dos juros sob os créditos educativos. As aulas encontram-se paralisadas, já que os professores também tomam parte dos protestos contra o governo. Muitos manifestantes, adotando maquiagens e fantasias, afirmam que a educação chilena “está morta”, vitimada pela ganância das empresas que exploram o ensino no país.
A paralisação das aulas e a adesão de outros setores à greve, como a mineração, reforçaram a queda de popularidade do presidente Sebastián Piñera. O sindicato dos mineradores é o mais forte do país e não paralisava há 18 anos. Visto como um nome capaz de impulsionar a direita chilena, Piñera tornou-se o presidente mais impopular desde a redemocratização do país, alcançando apenas 30% de aprovação em pesquisas de julho deste ano. “Chegamos a um nível brutal: Pinochet era mais popular que Piñera”, disse o presidente do partido socialista, Osvaldo Andrade, referindo-se ao ditador que comandou o Chile por quase 18 anos.
Sob pressão, o antigo ministro chileno da Educação, Joaquín José Lavín, acabou sendo envolvido em uma troca ministerial. Na mudança, que aconteceu na metade de junho, Lavín acabou indo para a pasta de Planejamento social, sendo substituído pelo até então ministro da Justiça, Felipe Bulnes.
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