quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Militante do multiculturalismo, Caroline Fourest teme por tempos 'dolorosos e violentos' na Europa

O racismo passou da retórica aos fatos, pôs o dedo no gatilho de uma metralhadora e estraçalhou os corpos de 76 jovens em julho deste ano, na Noruega. Comeste ato, provocou urros de aprovação numa direita branca, católica, homofóbica e raivosa, desejosa de ver no massacre cometido por Anders Behring Breivik os pilares da recuperação da Europa "monocultural, forte, íntegra e iluminada da Era Medieval".

Wikimedia Commons


Em uma entrevista exclusiva ao Opera Mundi, concedida por e-mail, de Paris, a escritora francesa e professora de multiculturalismo da Sorbonne, Caroline Fourest, falou da nova onda que prega o apartheid mundial como forma de frear os "efeitos nocivos" da mundialização. Colunista do jornal francês Le Monde e fundadora da revista ProChoix, Caroline emergiu nos últimos dez anos como uma das maiores defensoras do multiculturalismo. Razão suficiente para, segundo as teorias de Breivik, ser vítima de um ataque, assim como sua publicação.

Temas ligados à intolerância são cada vez mais presentes na imprensa – às vezes como debate de uma visão de mundo; outras como motivação para atos violentos. Acredita na existência de uma onda favorável a um 'apartheid mundial', onde norte e sul, negro e branco,  cristão e muçulmano serão cada vez mais temerosos de viverem juntos?

Nós estamos presenciando hoje o crescimento de um medo que é mais complexo que um "simples" racismo de tipo neocolonial. Já não se trata mais de preconceitos ligados a sentimentos de superioridade para dominar o outro, seja com finalidade econômica, seja com finalidade comercial. Hoje, vemos um medo mais ligado à crise da mundialização e do multiculturalismo. Do ponto de vista de certos europeus, principalmente dos mais desfavorecidos, a mundialização não faz mais que causar problemas como reduzir a proteção social, aumentar a concorrência por salários e levar a perda da identidade nacional.

Trata-se, portanto, muitas vezes, de uma ansiedade que é ao mesmo tempo social e cultural. Ainda que os preconceitos racistas de tipo clássico se retirem, pelo menos no caso da Europa, o medo do estrangeiro apenas muda de forma.

Já não se trata tanto de rejeitar a imigração porque nós acreditamos que os outros são inferiores, mas porque eles podem nos fazer concorrência com os mesmos salários ou mesmo enquanto trabalhadores do sul (em pleno crescimento).

Isso os leva a crer que poderemos desaparecer enquanto cultura, caso todas as minorias que migram para o Norte nos impuserem sua particularidade cultural ou religiosa. É assim, o extremismo religioso irrompe.
 
O atentado na Noruega permite dizer que a Europa entrou em uma nova etapa no combate à discriminação e da defesa dos direitos humanos? O que mudou depois deste episódio para os que defendem um mundo livre e tolerante?

O massacre na Noruega é um ato isolado de uma pessoa perversa, sádica e narcisista. Mas é claro que ele levanta questões. Seu manifesto de ódio concentra os novos bordões da direita europeia, como a nostalgia de um mundo monocultural, no qual a identidade europeia deve ser reafirmada para que não desapareça.

Os principais perigos que pairam sobre esta identidade são, aos olhos destas pessoas, destes assassinos, a "feminilização da Europa", como um conceito que sabota o patriarcado.

Depois, há o medo do marxismo cultural, que é visto como algo que depões contra o brio masculino do homem branco, cristão e heterossexual. Estes assassinos criticam o multiculturalismo, mas eles nunca o fazem de maneira laica, universalista ou igualitária. É, em vez disso, uma visão machista, homofóbica e patriarcal da identidade europeia, frente ao que eles veem como uma ameaça à virilidade e à vitalidade, provocada também pelo que eles chamam de "islamização" em curso, ou seja, uma invasão muçulmana por meio da imigração.

Muitos chamaram o manifesto de Breivik um novo Mein Kampf. O pensa dessa associação e quais são efetivamente os riscos que um livro como este pode representar, na disseminação de ideias fascistas na Europa de hoje?
 
É um manifesto de ódio, o qual o autor espera claramente que tenha o mesmo destino do Mein Kampf. Ele já teve uma difusão inquietante pela internet, ainda que grande parte das pessoas o tenha lido para melhor combatê-lo. Mas, diferente de Hitler, seu autor passou aos atos antes de transformar-se num modelo. E que modelo ele propunha? De matar a sangue frio pessoas que tinham entre 12 e 17 anos? Quem pode se identificar com isso?

Le Blog de Caroline Fourest


Mesmo os piores extremistas políticos estão obrigados a condenar este ato absolutamente sem sentido, ao contrário do que o assassino queria fazer crer, e que se parece a terrorismo puro. Sim, devemos estar muito vigilantes para que todos os que ousem se solidarizar com um "modelo" como esse sejam sistematicamente condenados.

A imprensa viveu um dilema confrontada com a decisão de publicar ou não o manifesto de Breivik. Há quem pensa ser preciso discutir o conteúdo como uma forma de confrontar intelectualmente a ameaça. Por outro lado, há quem defenda que não se pode dar mais visibilidade a essas teorias, pois é justamente a publicidade que interessa. Qual sua opinião?
 
É muito complicado, realmente. De um lado, é preciso ler para melhor compreender. De outro, ele contém efetivamente passagens de incitação ao ódio, à morte; um verdadeiro manual de terrorismo, que faz com que sua proibição me pareça justificada e até mesmo necessária.

Mas como proibir isso na Internet? É impossível. Se você prevê uma sanção aos que possuem o documento, não estará fazendo mais que dar a ele um caráter sulfuroso, ainda mais sedutor. Apesar disso, é preciso penalizar os sites que publicam e difundem este documento.

Em seu documento, Breivik diz a seus seguidores que eles devem realizar ações violentas contra todos os que defendem o multiculturalismo na Europa. Sentiu-se pessoalmente confrontada com uma ameaça tão direta?
 
Eu trabalho numa fundação para o diálogo entre as diferentes culturas, que foi citada como um dos alvos para estes ataques. Ao mesmo tempo, faço parte dos intelectuais que escreveram livros contra a integralidade (no sentido de pureza) e criticam certo tipo de multiculturalismo, que não passa de uma visão anglo-saxã de multiculturalismo.

Ela leva a tolerar a integralidade sob o pretexto de respeitar "as culturas". Mas a minha crítica é articulada, guiada pelo feminismo e pelo antirracismo. É uma crítica que pede que nós reforcemos a igualdade entre homens e mulheres, que lutemos contra a discriminação e que apliquemos os princípios laicos.

Os assassinos não compartem, absolutamente, desta visão, que eles combatem com todas as suas forças, uma vez que detestam o feminismo e o antirracismo. Este ato atroz (na Noruega) reforça tudo o que eu tenho tentado dizer nos últimos dez anos.

Se não encontrarmos soluções que sejam ao mesmo tempo antirracistas e laicas para a crise da mundialização, estaremos abandonando o terreno em favor dos racistas extremistas e monoculturalistas. Se nós estivermos de acordo sobre estes valores e ao mesmo tempo encontrarmos soluções para mitigar a crise econômica e reduzir as injustiças provocadas pela desregulamentação econômica, a barragem aguentará.

Do contrário, teremos pela frente tempos dolorosos e muito violentos.

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