Por Altamiro Borges
O ministro Gilmar Mendes, que já foi presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), não tem mesmo papas na língua – no sentido figurado do
termo! Ele adora fazer declarações bombásticas, sem apresentar qualquer prova
concreta. Bravateiro e leviano, ele já foi responsável por várias crises
institucionais nos últimos dez anos. Mas na semana passada ele surtou de vez e pode ser obrigado a engolir a própria língua!
Em entrevista à revista Veja – sempre ela, a expressão maior do
golpismo da mídia nativa –, ele afirmou que Lula tentou chantageá-lo durante
recente encontro. O ex-presidente desmentiu, “indignado”, a versão. Nelson
Jobim, velho amigo de Gilmar que esteve na estranha reunião, também “traiu” o
colega. E o próprio ministro recuou numa entrevista à TV Globo. Gilmar
desmentiu Gilmar!
O profético Dalmo de Abreu Dallari
Diante deste episódio canhestro, cada força política ocupou o
seu lado da trincheira. A mídia partidarizada, com seus “calunistas”
amestrados, voltou a satanizar o ex-presidente, retomando o seu ódio de classe.
Os demotucanos também se excitaram e pediram a “condenação” de Lula. Já nas
redes sociais, cresceu o clamor pelo impeachment de Gilmar Mendes (ou Mentes ou
Dantas)!
Há fortes motivos para exigir o “Fora Gilmar”. Afinal, esta
não é a primeira vez que ele apronta das suas, apesar do seu alto cargo no STF.
Desde que foi indicado por seu amigo FHC, muitos já alertavam para o perigo que
ele representava. Num artigo profético de maio de 2002, o renomado jurista Dalmo
de Abreu Dallari já previa o pior. Vale reler:
*****
Folha de S.Paulo, 08 de maio de 2002:
Degradação do Judiciário
Dalmo de Abreu Dallari
Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e
civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome
por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir
arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados
nos dispositivos constitucionais.
Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições
encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais
atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado
da ética.
Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o
que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático
de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o presidente
da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado
uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada
verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário,
ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade
jurídica.
Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há
exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no
Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. Por isso
é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim de que o povo e a
imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e
honesto de suas atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência
indispensáveis num sistema democrático.
Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa,
estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal
Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo
depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação,
agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto
funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na
Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente -pois a indicação foi
noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga-, o nome indicado está
longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da
mais alta corte do país.
É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a
constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá papel
fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da República pela
prática de ilegalidades e corrupção.
É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo
especializou-se em “inventar” soluções jurídicas no interesse do governo. Ele
foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou
pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar
Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o
ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas
indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF,
“inventaram” uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do
presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as
demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no
Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não
cumprissem decisões judiciais.
Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do
advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram
fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais,
contra atos de autoridades federais.
Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes
fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e
tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário
brasileiro é um “manicômio judiciário”.
Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes
brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo
publicado no “Informe”, veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da
1ª Região (edição 107, dezembro de 2001). Num texto sereno e objetivo,
significativamente intitulado “Manicômio Judiciário” e assinado pelo presidente
daquele tribunal, observa-se que “não são decisões injustas que causam a
irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as
decisões contrárias às medidas do Poder Executivo”.
E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do
dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é
produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na “indústria de
liminares”.
A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe
mais um problema ético. Revelou a revista “Época” (22/4/ 02, pág. 40) que a
chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$
32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público - do qual o mesmo dr. Gilmar
Mendes é um dos proprietários - para que seus subordinados lá fizessem cursos.
Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de
se enquadrar na “reputação ilibada”, exigida pelo artigo 101 da Constituição,
para que alguém integre o Supremo.
A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode
assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada,
contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato pelo
Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou
“ação entre amigos”. É assim que se degradam as instituições e se corrompem os
fundamentos da ordem constitucional democrática.
*****
A justa pressão da sociedade
Todas os temores apontados por Dalmo de Abreu Dallari
se confirmaram nestes dez anos. Gilmar Dantas tornou-se, de fato, um sério risco
à “própria normalidade constitucional” do país. Entre inúmeros episódios deploráveis, ele
protagonizou bate-bocas no STF, sempre em busca dos holofotes da mídia amiga;
inventou um “áudio sem voz” que abortou a Operação Satiagraha e livrou a cara
do amigo banqueiro Daniel Dantas; protegeu o tucano José Serra em votações no
Supremo.
Caso fique provado que Gilmar Mendes mentiu novamente,
atacando a honra do ex-presidente Lula, talvez ele não tenha mais como sair incólume.
A bandeira do “Fora Gilmar” ganhará força, obrigando o STF a se debruçar sobre
a tese do seu impeachment. Isto faria um enorme bem à democracia brasileira e
ao próprio Judiciário – mais uma vez enlameado por esta sinistra figura!
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