segunda-feira, 28 de maio de 2012

Luciana Genro: “Syriza é um exemplo para a esquerda mundial”


Luciana Genro esteve na Grécia em maio e reuniu-se com o líder do Syriza, Alexis Tsipras | Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

Samir Oliveira no SUL21

A ex-deputada federal Luciana Genro (PSOL) esteve na Grécia para acompanhar a atual conjuntura política do país, que assiste ao crescimento da coligação de esquerda radical (Syriza) em meio ao caos político e social em função das medidas de austeridade adotadas por exigência da chamada Troika: Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional.
Nas eleições realizadas no início de maio, o Syriza conseguiu expressivo apoio popular e conquistou 16% dos votos, tornando-se a segunda força no Parlamento, com 50 deputados. Com o fracasso na formação de um governo de coalizão, novas eleições ocorrerão no dia 16 de junho.
Até o momento, o partido lidera as pesquisas de intenção de voto na Grécia e, se vencer, representará uma mudança no padrão da política europeia recente, que se caracteriza pela alternância no poder entre os conservadores de direita e os sociais-democratas de centro-esquerda.
Durante sua visita à Grécia, Luciana Genro se reuniu com o líder do Syriza, Alexis Tsipras – possível primeiro-ministro do país, caso seu partido vença as eleições. Nesta entrevista ao Sul21, ela comenta as impressões que teve da situação grega e conta como foi o contato com as lideranças do Syriza.
“A eleição do dia 6 de maio foi um recado muito claro de que o povo grego não vai aceitar continuar fazendo sacrifícios em nome dos interesses do capital financeiro”
Luciana Genro: crise na Grécia é "resultado da política econômica implementada nos últimos dois anos, sob orientação da Troika" | Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

Sul21 – Quais as impressões que a senhora teve da situação atual da Grécia?
 
Luciana Genro – A Grécia hoje é um país com uma importância muito grande para o futuro da Europa e para o futuro da esquerda socialista no mundo inteiro. Os olhos do mundo estão voltados para lá, para entender o que vai acontecer a partir da eleição do dia 17 de junho. A primeira impressão que tive foi de uma crise econômica muito brutal, algo que não estamos acostumados a ver na Europa. Pessoas nas esquinas pedindo esmola, crianças no metrô pedindo esmola, velhos atirados pelas calçadas… É o resultado da política econômica implementada nos últimos dois anos, sob orientação da Troika, que está exigindo da Grécia ataques cada vez mais brutais ao nível de vida do seu povo. A eleição do dia 6 de maio foi um recado muito claro de que o povo grego não vai aceitar continuar fazendo sacrifícios em nome dos interesses do capital financeiro.

Sul21 – Qual a importância do crescimento da Syriza em uma Europa dominada por conservadores de direita e por uma centro-esquerda moderada?
 
Luciana – Podemos traçar um paralelo com os partidos no Brasil. O Nova Democracia, que é o partido conservador, é o equivalente ao que temos com o PSDB e o DEM. E o Pasok, o partido dito socialista, é o equivalente ao PT, que, inclusive, tem relações com o Pasok há muitos anos. Quem estava na condução do país durante o primeiro momento da crise, quando foram adotadas as primeiras medidas draconianas, era o Pasok. A Grécia mostra que os velhos partidos que aplicam as receitas tradicionais do modelo econômico a favor do capital e dos interesses dos bancos estão totalmente desgastados e já não têm mais nenhuma representação real dos interesses do povo. E nessa esteira da queda desse bipartidarismo que sempre viveu a Grécia surge essa alternativa  de esquerda que se chama, inclusive, de esquerda radical. É um termo, em geral, utilizado de forma pejorativa. Eles escolheram esse termo porque querem voltar àquela etimologia original da palavra radical, que é ir à raiz dos problemas. Não se pode resolver o problema da Grécia sem romper com o sistema da forma como ele está posto hoje.

Sul21 – O Syriza é uma coalizão com 12 partidos. Como funcionam os processos internos de decisão do grupo? A esquerda costuma ser muito dividida, deve ser complicado manter a unidade.
 
Luciana – É interessante o funcionamento deles. Embora o Synaspismos seja o maior partido e seja muito maior que os demais, a coalizão é composta de forma a que todas as organizações tenham o mesmo peso na direção. Não é um peso proporcional ao tamanho. É uma coligação que funciona de forma bastante democrática. É evidente que eles têm divergências e embates internos. Conversei com o líder de um outro grupo e ele me contou que, em determinadas eleições municipais, o grupo dele saiu do Syriza e participou de outra coligação. Mas isso não impediu que agora eles se unam de forma muito forte, porque a situação da Grécia, que passou por 17 greves gerais nos últimos dois anos, é de muita convulsão social. Quando há mobilização e um processo de luta muito grande, as divergências políticas ficam secundarizadas e a esquerda se une em torno de bandeiras maiores. E a bandeira maior nesse momento na Grécia é dizer não a esse memorando da União Europeia e buscar, a partir da vitória da Syriza, um efeito dominó, no sentido de mostrar à Europa que um outro caminho é possível. É claro que a questão de a Grécia permanecer ou não na Zona do Euro é um debate forte acontecendo.
De acordo com Luciana Genro, Alexis Tsipras é "liderança muito carismática, que transmite uma segurança muito grande" | Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como foi a sua reunião com o líder da Syriza, Alexis Tsipras, que é cotado para ser primeiro-ministro da Grécia caso o partido ganhe as eleições?
 
Luciana – Ele é uma liderança muito carismática, com uma forma de se comunicar extremamente tranquila e que transmite uma segurança muito grande sobre o que está falando. É um líder que atua de uma forma muito coletiva, não é uma estrela que faz o que bem entende. Ele dá todos os passos buscando consultar o conjunto dos partidos que compõem o Syriza. Ele tem uma convicção muito grande de que essa oportunidade que o Syriza tem de disputar a possibilidade de governar a Grécia é única. Ele sabe que a dificuldade para vencer as eleições é muito grande e, mesmo assim, tem uma postura de muita ousadia, de não ter medo. Senti nele uma vontade muito grande de vencer e de mostrar que a esquerda radical pode governar e construir uma alternativa parta a Europa.
“Se a esquerda não conseguir capitalizar essa insatisfação antissistema, o perigo de a direita conseguir é real”

Sul21 – A posição do Syriza é de que a Grécia permaneça na Zona do Euro.
 
Luciana – Já é de conhecimento da esquerda do mundo inteiro que não se constrói um modelo alternativo, tenha o nome que tiver, num só país. A Grécia não quer se isolar do conjunto da Europa. Sair da Zona do Euro voluntariamente seria promover o próprio isolamento. É evidente que não farão isso. Mas o Syriza sabe que não vai ser fácil permanecer na Zona do Euro e construir um outro caminho. A oposição das classes dominantes europeias será muito forte. A possibilidade real de a Grécia permanecer no Euro e construir um caminho diferenciado é contaminar o resto da Europa com esse exemplo de luta, de que existe um modelo alternativo que não seja a submissão aos interesses do Banco Central Europeu e do FMI.
" Acredito que o perigo do crescimento de uma alternativa antissistema se expressar também pela direita é muito grande. A gente vê isso na França e na Grécia de uma forma ainda mais grave" | Foto: Bernardo Ribeiro/Sul21

Sul21 – A intensificação da crise na Europa fez com que os partidos e propostas antissistema crescessem bastante, tanto à esquerda quanto à direita. Na França, a Frente Nacional, com um discurso xenófobo, foi a terceira força mais votada. Na Grécia, os neonazistas conseguirem chegar ao Parlamento. A esquerda não tem conseguido capitalizar a insatisfação antissistema?
 
Luciana – A profundidade da crise e o fato de os partidos que representam os interesses das elites europeias estarem se revezando no poder há tanto tempo faz o povo perceber que não adianta ficar trocando um pelo outro. Acredito que o perigo do crescimento de uma alternativa antissistema se expressar também pela direita é muito grande. A gente vê isso na França e na Grécia de uma forma ainda mais grave. O partido Aurora Dourada é assumidamente nazista, muito embora muitas das pessoas que votaram neles não tenham essa consciência. Enxergaram neles um discurso antissistema. A Syriza tem a expectativa de conseguir capitalizar uma parte desses votos na nova eleição. Até a mídia, que é totalmente contra a Syriza, tem feito uma denúncia forte da Aurora Dourada como um perigo muito grande para a Grécia e para a Europa. Eles chegam ao ponto de agredir imigrantes nas ruas. Se a esquerda não conseguir capitalizar essa insatisfação antissistema, o perigo de a direita conseguir é real.

Sul21 – O Syriza não corre risco de ficar isolado, mesmo se vencer as eleições de junho? Eles teriam que buscar aliados para formar maioria no Parlamento e não parece haver muitos partidos dispostos a apoiá-los. Os comunistas já se recusaram a compor uma aliança antes.
 
Luciana – A situação não é simples. Mas na própria eleição de maio mais de 60% dos votos foram para partidos ou coalizões que propunham a ruptura com o memorando da União Europeia. O Syriza não conseguiu formar um governo quando teve a sua vez, pelo sistema parlamentarista grego, porque não teve apoio de alguns paridos que são a favor da ruptura do memorando, como o Partido Comunista, por mesquinharia. Porque o Syriza é, em grande medida, uma dissidência dos comunistas. Na medida em que o Syriza possa se converter no desaguadouro dessa insatisfação nas próximas eleições, acredito que as demais forças políticas da esquerda serão compelidas a apoiar o governo. Eles têm consciência de que, mesmo se eles ganharem as eleições, não será um governo da Syriza. Será um governo de coalizão, portanto terão que negociar. Mas tomando por pressuposto a necessidade de romper com o memorando e não continuar dando segmento aos ataques ao povo.
“A campanha que a grande mídia está fazendo contra o Syriza é muito forte. É uma campanha de terrorismo”
Líder do Syriza pode ser futuro primeiro-ministro da Grécia | Foto: Divulgação: Alexis Tsipras

Sul21 – Será que, ao chegar no poder, a Syriza não mudará o discurso em nome na manutenção de um sistema que possa privilegiá-los?
 
Luciana – A maior chance que tiveram para capitular ocorreu quando foram chamados a compor o dito governo de salvação nacional, para que não fosse necessário novas eleições. Eles poderiam ter sido governo se aceitassem partir da ideia de que o memorando precisa ser cumprido, embora com alterações. Eles poderiam ter sido governo fazendo essa concessão e jogando na lata do lixo o patrimônio político acumulado. Resistiram a essa tentação, correndo o risco de não conseguir obter resultados tão significativos nas próximas eleições, porque a campanha que a grande mídia está fazendo contra eles é muito forte. É uma campanha de terrorismo, dizendo que se o povo votar na Syriza a Grécia vai quebrar porque vai ser expulsa do Euro. Acredito que a própria situação política da Grécia ajuda a garantir que eles se mantenham firmes nesse caminho, porque é a vontade do povo, isso está cada vez mais claro.

Sul21 – Há muita expectativa em torno de uma possível vitória da esquerda radical. Mas e se o Syriza perder? Será o fim de qualquer possibilidade de mudança para a Europa?
 
Luciana – Esse foi outro ponto da minha conversa com o Alexis. Questionei ele sobre isso. Ele me disse que tem convicção de que, independentemente do resultado, a Syriza seguirá com muita força, porque será um segundo violino no Parlamento grego. O governo terá que negociar com a Syriza e ela terá força política para barrar determinadas medidas, principalmente se a luta seguir do lado de fora do Parlamento. Então, mesmo que o Syriza não governe a Grécia, vai seguir desempenhando um papel importante dentro do país, no sentido de ser um contraponto às medidas que o governo possa vir à tomar. E ao mesmo tempo vai continuar sendo uma referência política para a esquerda do mundo inteiro porque, mesmo sem vencer, chegou perto de vencer, porque teve uma forma de atuação correta.

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