Samir Oliveira no SUL21
A ex-deputada federal Luciana Genro (PSOL) esteve na Grécia para
acompanhar a atual conjuntura política do país, que assiste ao
crescimento da coligação de esquerda radical (Syriza) em meio ao caos
político e social em função das medidas de austeridade adotadas por
exigência da chamada Troika: Banco Central Europeu, Comissão Europeia e
Fundo Monetário Internacional.
Nas eleições realizadas no início de maio, o Syriza conseguiu
expressivo apoio popular e conquistou 16% dos votos, tornando-se a
segunda força no Parlamento, com 50 deputados. Com o fracasso na
formação de um governo de coalizão, novas eleições ocorrerão no dia 16
de junho.
Até o momento, o partido lidera as pesquisas de intenção de voto na
Grécia e, se vencer, representará uma mudança no padrão da política
europeia recente, que se caracteriza pela alternância no poder entre os
conservadores de direita e os sociais-democratas de centro-esquerda.
Durante sua visita à Grécia, Luciana Genro se reuniu com o líder do
Syriza, Alexis Tsipras – possível primeiro-ministro do país, caso seu
partido vença as eleições. Nesta entrevista ao Sul21, ela comenta as impressões que teve da situação grega e conta como foi o contato com as lideranças do Syriza.
“A eleição do dia 6 de maio foi um recado muito claro de que o povo grego não vai aceitar continuar fazendo sacrifícios em nome dos interesses do capital financeiro”
Sul21 – Quais as impressões que a senhora teve da situação atual da Grécia?
Luciana Genro – A Grécia hoje é um país com uma importância
muito grande para o futuro da Europa e para o futuro da esquerda
socialista no mundo inteiro. Os olhos do mundo estão voltados para lá,
para entender o que vai acontecer a partir da eleição do dia 17 de
junho. A primeira impressão que tive foi de uma crise econômica muito
brutal, algo que não estamos acostumados a ver na Europa. Pessoas nas
esquinas pedindo esmola, crianças no metrô pedindo esmola, velhos
atirados pelas calçadas… É o resultado da política econômica
implementada nos últimos dois anos, sob orientação da Troika, que está
exigindo da Grécia ataques cada vez mais brutais ao nível de vida do seu
povo. A eleição do dia 6 de maio foi um recado muito claro de que o
povo grego não vai aceitar continuar fazendo sacrifícios em nome dos
interesses do capital financeiro.
Sul21 – Qual a importância do crescimento da Syriza em uma
Europa dominada por conservadores de direita e por uma centro-esquerda
moderada?
Luciana – Podemos traçar um paralelo com os partidos no Brasil.
O Nova Democracia, que é o partido conservador, é o equivalente ao que
temos com o PSDB e o DEM. E o Pasok, o partido dito socialista, é o
equivalente ao PT, que, inclusive, tem relações com o Pasok há muitos
anos. Quem estava na condução do país durante o primeiro momento da
crise, quando foram adotadas as primeiras medidas draconianas, era o
Pasok. A Grécia mostra que os velhos partidos que aplicam as receitas
tradicionais do modelo econômico a favor do capital e dos interesses dos
bancos estão totalmente desgastados e já não têm mais nenhuma
representação real dos interesses do povo. E nessa esteira da queda
desse bipartidarismo que sempre viveu a Grécia surge essa alternativa
de esquerda que se chama, inclusive, de esquerda radical. É um termo, em
geral, utilizado de forma pejorativa. Eles escolheram esse termo porque
querem voltar àquela etimologia original da palavra radical, que é ir à
raiz dos problemas. Não se pode resolver o problema da Grécia sem
romper com o sistema da forma como ele está posto hoje.
Sul21 – O Syriza é uma coalizão com 12 partidos. Como
funcionam os processos internos de decisão do grupo? A esquerda costuma
ser muito dividida, deve ser complicado manter a unidade.
Luciana – É interessante o funcionamento deles. Embora o
Synaspismos seja o maior partido e seja muito maior que os demais, a
coalizão é composta de forma a que todas as organizações tenham o mesmo
peso na direção. Não é um peso proporcional ao tamanho. É uma coligação
que funciona de forma bastante democrática. É evidente que eles têm
divergências e embates internos. Conversei com o líder de um outro grupo
e ele me contou que, em determinadas eleições municipais, o grupo dele
saiu do Syriza e participou de outra coligação. Mas isso não impediu que
agora eles se unam de forma muito forte, porque a situação da Grécia,
que passou por 17 greves gerais nos últimos dois anos, é de muita
convulsão social. Quando há mobilização e um processo de luta muito
grande, as divergências políticas ficam secundarizadas e a esquerda se
une em torno de bandeiras maiores. E a bandeira maior nesse momento na
Grécia é dizer não a esse memorando da União Europeia e buscar, a partir
da vitória da Syriza, um efeito dominó, no sentido de mostrar à Europa
que um outro caminho é possível. É claro que a questão de a Grécia
permanecer ou não na Zona do Euro é um debate forte acontecendo.
Sul21 – Como foi a sua reunião com o líder da Syriza, Alexis
Tsipras, que é cotado para ser primeiro-ministro da Grécia caso o
partido ganhe as eleições?
Luciana – Ele é uma liderança muito carismática, com uma forma
de se comunicar extremamente tranquila e que transmite uma segurança
muito grande sobre o que está falando. É um líder que atua de uma forma
muito coletiva, não é uma estrela que faz o que bem entende. Ele dá
todos os passos buscando consultar o conjunto dos partidos que compõem o
Syriza. Ele tem uma convicção muito grande de que essa oportunidade que
o Syriza tem de disputar a possibilidade de governar a Grécia é única.
Ele sabe que a dificuldade para vencer as eleições é muito grande e,
mesmo assim, tem uma postura de muita ousadia, de não ter medo. Senti
nele uma vontade muito grande de vencer e de mostrar que a esquerda
radical pode governar e construir uma alternativa parta a Europa.
“Se a esquerda não conseguir capitalizar essa insatisfação antissistema, o perigo de a direita conseguir é real”
Sul21 – A posição do Syriza é de que a Grécia permaneça na Zona do Euro.
Luciana – Já é de conhecimento da esquerda do mundo inteiro que
não se constrói um modelo alternativo, tenha o nome que tiver, num só
país. A Grécia não quer se isolar do conjunto da Europa. Sair da Zona do
Euro voluntariamente seria promover o próprio isolamento. É evidente
que não farão isso. Mas o Syriza sabe que não vai ser fácil permanecer
na Zona do Euro e construir um outro caminho. A oposição das classes
dominantes europeias será muito forte. A possibilidade real de a Grécia
permanecer no Euro e construir um caminho diferenciado é contaminar o
resto da Europa com esse exemplo de luta, de que existe um modelo
alternativo que não seja a submissão aos interesses do Banco Central
Europeu e do FMI.
Sul21 – A intensificação da crise na Europa fez com que os
partidos e propostas antissistema crescessem bastante, tanto à esquerda
quanto à direita. Na França, a Frente Nacional, com um discurso
xenófobo, foi a terceira força mais votada. Na Grécia, os neonazistas
conseguirem chegar ao Parlamento. A esquerda não tem conseguido
capitalizar a insatisfação antissistema?
Luciana – A profundidade da crise e o fato de os partidos que
representam os interesses das elites europeias estarem se revezando no
poder há tanto tempo faz o povo perceber que não adianta ficar trocando
um pelo outro. Acredito que o perigo do crescimento de uma alternativa
antissistema se expressar também pela direita é muito grande. A gente vê
isso na França e na Grécia de uma forma ainda mais grave. O partido
Aurora Dourada é assumidamente nazista, muito embora muitas das pessoas
que votaram neles não tenham essa consciência. Enxergaram neles um
discurso antissistema. A Syriza tem a expectativa de conseguir
capitalizar uma parte desses votos na nova eleição. Até a mídia, que é
totalmente contra a Syriza, tem feito uma denúncia forte da Aurora
Dourada como um perigo muito grande para a Grécia e para a Europa. Eles
chegam ao ponto de agredir imigrantes nas ruas. Se a esquerda não
conseguir capitalizar essa insatisfação antissistema, o perigo de a
direita conseguir é real.
Sul21 – O Syriza não corre risco de ficar isolado, mesmo se
vencer as eleições de junho? Eles teriam que buscar aliados para formar
maioria no Parlamento e não parece haver muitos partidos dispostos a
apoiá-los. Os comunistas já se recusaram a compor uma aliança antes.
Luciana – A situação não é simples. Mas na própria eleição de
maio mais de 60% dos votos foram para partidos ou coalizões que
propunham a ruptura com o memorando da União Europeia. O Syriza não
conseguiu formar um governo quando teve a sua vez, pelo sistema
parlamentarista grego, porque não teve apoio de alguns paridos que são a
favor da ruptura do memorando, como o Partido Comunista, por
mesquinharia. Porque o Syriza é, em grande medida, uma dissidência dos
comunistas. Na medida em que o Syriza possa se converter no desaguadouro
dessa insatisfação nas próximas eleições, acredito que as demais forças
políticas da esquerda serão compelidas a apoiar o governo. Eles têm
consciência de que, mesmo se eles ganharem as eleições, não será um
governo da Syriza. Será um governo de coalizão, portanto terão que
negociar. Mas tomando por pressuposto a necessidade de romper com o
memorando e não continuar dando segmento aos ataques ao povo.
“A campanha que a grande mídia está fazendo contra o Syriza é muito forte. É uma campanha de terrorismo”
Sul21 – Será que, ao chegar no poder, a Syriza não mudará o
discurso em nome na manutenção de um sistema que possa privilegiá-los?
Luciana – A maior chance que tiveram para capitular ocorreu
quando foram chamados a compor o dito governo de salvação nacional, para
que não fosse necessário novas eleições. Eles poderiam ter sido governo
se aceitassem partir da ideia de que o memorando precisa ser cumprido,
embora com alterações. Eles poderiam ter sido governo fazendo essa
concessão e jogando na lata do lixo o patrimônio político acumulado.
Resistiram a essa tentação, correndo o risco de não conseguir obter
resultados tão significativos nas próximas eleições, porque a campanha
que a grande mídia está fazendo contra eles é muito forte. É uma
campanha de terrorismo, dizendo que se o povo votar na Syriza a Grécia
vai quebrar porque vai ser expulsa do Euro. Acredito que a própria
situação política da Grécia ajuda a garantir que eles se mantenham
firmes nesse caminho, porque é a vontade do povo, isso está cada vez
mais claro.
Sul21 – Há muita expectativa em torno de uma possível vitória
da esquerda radical. Mas e se o Syriza perder? Será o fim de qualquer
possibilidade de mudança para a Europa?
Luciana – Esse foi outro ponto da minha conversa com o
Alexis. Questionei ele sobre isso. Ele me disse que tem convicção de
que, independentemente do resultado, a Syriza seguirá com muita força,
porque será um segundo violino no Parlamento grego. O governo terá que
negociar com a Syriza e ela terá força política para barrar determinadas
medidas, principalmente se a luta seguir do lado de fora do Parlamento.
Então, mesmo que o Syriza não governe a Grécia, vai seguir
desempenhando um papel importante dentro do país, no sentido de ser um
contraponto às medidas que o governo possa vir à tomar. E ao mesmo tempo
vai continuar sendo uma referência política para a esquerda do mundo
inteiro porque, mesmo sem vencer, chegou perto de vencer, porque teve
uma forma de atuação correta.
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