sexta-feira, 1 de junho de 2012

As condições políticas para o belicismo do capital


por Milton Pinheiro [*]

A revolução é o freio de emergência para conter a barbárie
Walter Benjamim

Este artigo tem por objetivo analisar a cena política onde o belicismo se consolidou como ação de longo impacto, tentando responder à prolongada crise econômica, caracterizada no texto como manifestação da crise sistêmica do capital. Colocamos em discussão as condições políticas criadas pelo capital para, através da guerra e da violência, efetivar um novo ciclo. Esse cenário político não está desarticulado da conjuntura social e da luta de classes. O projeto conservador, e sua forma política, se debate no mundo, e no Brasil, contra a estratégia anti-sistêmica, que procura movimentar as lutas sociais, o operador político e os trabalhadores na perspectiva de impedir o projeto político do capital.

A crise do capital e a aventura neocolonial

Analisar o belicismo enquanto instrumento político no pós-guerra fria passa, necessariamente, pelo entendimento da crise do capital e da forma gerencial de se fazer política, dentro e fora do ambiente do Estado Nação.

O grave e profundo processo de crise econômica exige uma análise que nos permita visualizar, que essa onda atual manifesta uma rotação que é caracterizada pela dimensão da crise sistêmica do capitalismo. Neste momento, em que o excedente de capital não encontra possibilidades de investimento para se valorizar, cria uma inércia, pela incapacidade de recomposição do capital. A crise veio para ficar, gerando um movimento que é de especulação e ajuste. Hoje, um dos pontos da crise é a questão do erário público (tesouro nacional) que está com dificuldade para remunerar o capital, ou seja, os diversos Estados nacionais não se encontram em condições de pagar os juros e as diversas obrigações alocadas e "contratadas", em situações já denunciadas, para os bancos, não cumprindo assim o papel de remunerador sem limites do capital no seu processo de agiotagem exacerbada e na tentativa de se revalorizar. Portanto, como foi percebido até mesmo por Weber, "De qualquer forma, porém, o capitalismo na organização capitalista permanente e racional, equivale à procura do lucro, de um lucro sempre renovado, da 'rentabilidade'. Só pode ser assim" (2000, p. 04).

A crise não se manifesta apenas no cenário estadunidense. É uma crise sistêmica e suas complicações estão sendo disseminadas por todo o mundo, mesmo que num primeiro momento, tenha aparecido na Grécia (elo fraco da corrente) e em outros países mais fracos da cadeia capitalista, a exemplo da Irlanda, Portugal, Itália, Espanha e outros. Ela espalhará seus tentáculos pelo globo. O Estado nacional como operador dos intereses das suas burguesias, realiza ações no sentido da transferência da crise. Os EUA tentam transferir os sintomas da crise para a Europa. E, no velho continente, a Alemanha empurra a crise para a periferia do próprio continente (Grécia, etc).

Os títulos gregos estão nas mãos de bancos privados, em especial dos bancos de França e da Alemanha. Esses países tem pressionado o Banco Central Europeu para realizar uma política fiscal de grande impacto, na tentativa de implementar na Grécia, e depois nos outros países que se tornarem o furacão da vez, o laboratório de onde retirarão experimentos para enquadrar os demais. A tentativa do Banco Central Europeu, pressionado pela política conservadora da Alemanha, é no sentido que esses países aviltados pela crise, massacrem as suas populações com políticas monetaristas recessivas, para que possam efetuar os pagamentos aos bancos privados, cujo interesse principal é o de não comprometer os balanços dos bancos da zona do Euro.
O euro, como novo padrão-ouro [1] , reedita os problemas de gestão capitalista desse intrincado sistema econômico em outras bases. Mesmo assim, sob a perspectiva da teoria econômica dominante, e, fundamentalmente, do capital com acumulação em escala global, a manutenção da moeda forte e da taxa de câmbio fixa está acima da gestão das economias domésticas. O reflexo, na esfera da política, já se manifesta por toda a União Européia, mas principalmente nos elos fracos do sistema, na Grécia, na Espanha, em Portugal e na Itália, ali onde o novo padrão-ouro traz apenas as desvantagens (MANZANO, 2011, 113).
Essa situação de crise, caracterizada pela economia política burguesa, como uma particularidade da dívida pública, tem algumas especificidades que foram estudadas por Alexander Sack [2] , que encontrou em suas pesquisas duas formas de manipulação da dívida: a primeira é de natureza odiosa [3] . O que seria essa caracterização? Para Sack, seria uma conduta de governos que executariam políticas centradas em ações autoritárias, que comprometem o fundo público, e esse dispêndio do tesouro não está pautado no interesse público, mas numa relação subalterna com os bancos privados. A outra característica, é construída numa situação de dívida ilegítima, quando os Estados favorecem diretamente o capital, através de contratos com benefícios especiais, cujo eixo central está envolvido numa baixa tributação, e que ainda são reforçadas por medidas de evasão fiscal, que comprometem o fundo público. Demonstrando, assim, que o Estado é o conflito de classe institucionalizado, pois o "Estado burguês, títere do capital estrangeiro, da dominação imperialista é permanentemente ditatorial, qualquer que seja a coloração de sua legitimidade" (FERNANDES, 2009, p. 18).

Para alguns estudiosos dessa questão, em especial François Chesnais [4] , a resposta seria um grande movimento pela auditoria da dívida. E ele cita como exemplo, a auditoria que foi feita na dívida do Equador:
Até o momento , o único exemplo da auditoria é a que foi realizada no Equador, em 2007. Resultou de uma decisão governamental. O presidente Rafael Correa queria conhecer as condições em que teve origem a dívida do país. A auditoria permitiu ao governo decidir suspender o reembolso da dívida, constituída de títulos da dívida a vencer, alguns em 2012, outros em 2030. Com isso, forçou os banqueiros detentores de títulos, sobretudo norte-americanos, a negociar (CHESNAIS, 2011, 14).
Essa ação fez com que diminuisse o estoque da dívida e possibilitou uma nova relação do Estado, agora soberano, com os seus credores. Permitindo assim, após a auditoria, uma maior capacidade de investimento social através do fundo público.

François Chesnais (2011) tem defendido, no limite, uma ação que demandaria a tomada dos bancos, tendo como elemento central para essa medida, a percepção dos movimentos sociais e organizações políticas sobre a conduta irresponsável desses agentes (Bancos) no mercado de crédito, e que esses deveriam passar, interpretando Chesnais, a ser administrado pelo Estado, quando afirma que,
A vulnerabilidade do sistema financeiro europeu, mas também mundial, torna possível uma nova crise. A falência de setores inteiros do sistema bancários não está excluída. Em países em que o pagamento da dívida tiver sido questionado pelo movimento social, pelos trabalhadores e os jovens interessados de diversas maneiras nas questões "políticas" estarão preparados para isso, pelo menos um pouco (CHESNAIS, 2011, 17).
Diante desse cenário em aberto, correndo o risco do acirramento das contradições de classe, a burguesia belicista, operando de acordo com os interesses das suas frações hegemônicas no bloco do poder (POULANTZAS, 1971), utiliza o momento de crise como instrumento ideológico, para impor um conjunto de medidas que expropria dos trabalhadores a capacidade de manter a reprodução da sua existência. No entanto,
De outro lado, os ritmos do desenvolvimento e a vitalidade do capital se refletem nos ritmos do desenvolvimento e na vitalidade da classe trabalhadora. Seria paradoxal que uma 'burguesia fraca' tivesse como oponente, na cena histórica, um 'proletariado forte', pois a coalescência e o vigor da classe trabalhadora repousa, literalmente, no grau de desenvolvimento da produção capitalista como um todo (FERNANDES, 2009, 13).
Os interesses da burguesia, avançando no seu projeto de barbárie, via o belicismo, como síntese para um novo ciclo, demanda à sociedade, e em particular aos Parlamentos dos Estados nacionais, uma saída que requer aprovação de leis que consolidem a contrarrevolução, pois, são leis de exceção, autoritárias e predatórias que avançam sobre os direitos da população e dos trabalhadores. E o aporte político da burguesia é a efetivação de um esmagador ajuste fiscal, que retiraria pela força do bloco hegemônico no poder, os recursos públicos do orçamento que são de interesse da população, para remunerar a necessidade de acumulação do capital.
Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então se tinham movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas essas relações se transformam em seus grilhões. Sobrevém então uma época de revolução social (MARX, 1982, 25).
Essa ação vem acompanhada de uma intensa propaganda política, que diuturnamente responsabiliza o Estado pela crise, por não conseguir fazer o "dever de casa" no controle dos seus gastos.

Consideramos que existe uma contrarrevolução em curso, que é sempre articulada como resposta da burguesia à esses momentos de crise. A burguesia, como afirmou o sociólogo Florestan Fernandes (2006), tem na contrarrevolução um instrumento de uso permanente para manter os interesses e os privilégios de classe. Levando ao limite das privações os trabalhadores, esgarçando o tecido social, se utilizando do seu instrumento ideológico, que é a globalização, para perpetuar a miséria. Essa é a prática, pois a globalização neocolonial tem a fome tatuada no seu DNA, como princípio de gestação da miséria e da subalternidade dos povos.

O subalterno estrutural, hoje, é o trabalhador moderno que ainda sofre a influência ideológica de quem está em cima. Como sabemos, a ideologia é o processo de constituição dos indivíduos como sujeitos. E esse sujeito surgirá no espaço das lutas sociais, pois ele é historicizado. Cabe aos trabalhadores, portanto, movimentarem-se para destruir a ordem do capital, agindo para "instabizá-la", dando "o primeiro passo para levá-la à derrocada, o ponto de partida da revolução dos oprimidos nas áreas às quais o capitalismo nasceu, cresceu e atingiu sua maturidade vinculando o capital a várias formas mascaradas de colonialismo" (FERNANDES, 2009, p.19).

O capitalismo é uma "jaula de ferro" (WEBER, 2000), onde a burguesia naturalizou o mercado e aprisionou os trabalhadores. Criando um mundo sem perspectiva, gerando a perda da liberdade humana através da alienação, do fetiche e da coisificação do homem. É o culto ao dinheiro, é o tempo do mammonismo [5] que está engendrando uma outra possibilidade de "civilização".

Além disso, a saída arquitetada pela burguesia, levará ao desemprego, à informalidade no mercado de trabalho, ao rebaixamento das pautas dos trabalhadores em luta, ao recuo do Estado, à precarização e intensificação do trabalho. No conjunto da população, mediado pelo contexto da cidadania, essa contrarrevolução burguesa poderá causar uma disputa intercamadas sociais, pautada na construção de uma sociófobia que contribuirá para o surgimento da xenofobia (vide a relação dos brasileiros com os bolivianos na periferia de São Paulo). Essa sociófobia se caracteriza pelo constante medo da luta coletiva, pela reivindicação de uma segurança com caráter patrimonial, pelo receio do pobre (que é sempre visto como uma ameaça) e por ações reacionárias que fazem surgir, com esse caldo de cultura, o racismo, a reliogiosidade pragmática e o individualismo exarcebado.

O quadro societal que está sendo construído pela hegemonia conservadora, tem na crise sistêmica e na ideologia da globalização, uma manifestação concreta que está em formação um novo colonialismo, como um instrumento infra e superestrutural da ação da burguesia para construir um novo ciclo do capital, que em caso de sucesso, levará a espécie humana para as trevas da barbárie.
Deve-se enfatizar bem: a crise em nossos dias não é compreensível sem que seja referida à ampla estrutura social global. Isso significa que, a fim de esclarecer a sua natureza persistente e cada vez mais profunda em todo o mundo hoje, devemos focar a atenção na crise do sistema do capital em sua totalidade. Pois o que ora experimentamos é uma crise estrutural que tudo abrange (MÉSZÁROS, 2011, 55).
Ordem política do belicismo estrutural

Na dimensão política da crise se constituiu um "novo" comando, pautado pela ordem armada do capital, que é cada dia mais violento. Essa articulação passou por uma reformulação no sentido de unificar o bloco de forças que tem na defesa do neoliberalismo, a sua agenda constante. Essa síntese política e ideológica sacralizou, numa inflexão à direita, um conjunto de forças que antes tinha pequenas divergências de método, mas que agora unificaram-se na perspectiva de um padrão de disputa que encontra fundamentos na americanização da política. Portanto, temos um projeto do bloco conservador que é operado na esfera política e na sociedade civil, por uma política e dois partidos, com todo o seu arcabouço montado a partir de uma estrutura de coalização política e nos aparerelhos de hegemonia.

Uma política e dois partidos, mas também, uma direita e dois partidos. Esse projeto originário do sistema eleitoral estadunidense, com o acirramento da luta de classes, a burguesia agiu para torná-lo perene em amplos espaços da cena política mundial, como forma de dominação sem risco através de eleições "seguras". Passamos a ter esse modelo na política alemã, isso tem ocorrido na França, na Espanha, em Portugal, Canadá, India, Chile, México, Itália, Paquistão, Austrália, e está consolidado na Inglaterra. A partir da primeira década do século XXI, o Brasil iniciou a sua adesão a esse modelo, com a indiferenciação, a grosso modo, das políticas entre o PT [6] e o PSDB [7] na gestão do Estado, e no comando dos interesses de classe, de frações hegemônicas da burguesia que foram defendidos em um primeiro momento pelo PSDB com o seu neoliberalismo ortodoxo, mas, que agora são defendidos e estimulados pelo PT, com a política de "neodesenvolvimentismo do capitalismo neoliberal" (Boito, 2011).

Essa americanização da política tem, no modelo estadunidense, uma "forma enfim encontrada" para permitir à "disputa" eleitoral manter intacto o aparato ideológico conservador, realizando o ciclo jurídico da "democracia" burguesa, do qual sairá vencedor o partido republicano ou o partido democrata, mas principalmente a burguesia, que apenas realiza a disputa entre as suas frações, para saber quem será hegemônico no bloco que controlará o poder (POULANTZAS, 1971).

Essa ação política é, em primeira instância, produto da capitulação da social-democracia européia, que capitulou ao projeto conservador, como expressão do rebaixamento da pauta política levando essa concepção ideológica à vários governos dos Estados Europeus. A social democracia chegou ao limite da sua perspectiva, bateu no teto, e agora está na sargeta, tamanha foi a sua conversão à lógica do capital. Por falta de um projeto alternativo, de cunho desenvolvimentista e centrado no papel do Estado, se conformou em ser o resignado operador das políticas da burguesia monopolista e do imperialista. Pois o Estado é "todo o complexo de atividades práticas e teóricas com as quais a classe dirigente não só justifica e mantém não só seu domínio, mas consegue obter o consentimento ativo dos governados" (GRAMSCI, 2000, p. 331).

Temos nesse projeto a geração concreta de um modelo para realizar a política institucional, com sua prática em várias partes do mundo. Centrada em dois partidos que são fortes, que têm uma formulação política pouco diferenciada, uma mesma relação ideológica com o mercado, poucas diferenciações na forma de agir, com repercussões particulares no Parlamento e na metodologia de implementar as políticas de governo. Mas, no concreto e real da vida em sociedade, na sua natureza ideológica e do ponto de vista da política, sempre, uma política e dois partidos. Mas, também, uma direita e dois partidos como instrumento estrutural da política belicista.

Na dimensão da geopolítica internacional, a leitura da crise nos permite entender, com ampla visibilidade, a queda do predomínio dos Estados Unidos, apesar do seu aparato bélico. Não só pela percepção de um projeto que está em processo de esgotamento, mas também por uma tumultuada forma de fazer política no cenário internacional. Somada à saturação do seu modelo de desenvolvimento, os EUA precisam construir cotidianamente conflitos bélicos para reafirmar a ideologia nacional e manter seu complexo militar em funcionamento.

Essa ação dos falcões estadunidenses, nome autointitulado pela direita fascista no aparato do governo Bush (2001-2009), tem criado guerras pelo mundo afora. Guerra contra os povos em luta; guerras por interesses econômicos; guerra para criar mercados para a grande burguesia monopolista; guerras como alavancagem eleitoral para aqueles que estão no poder pleiteando a sua continuidade; guerras para lucrar com a reconstrução; guerras para exterminar a possibilidade de encontro da classe operária com a sua humanidade.

Na política internacional, os abutres que adotam uma política especializada no morticínio têm forçado a federalização da ONU, ou seja, a ONU tem servido de forma particular aos interesses elementares de frações regionais (governos nacionais) da burguesia mundial. Essa perspectiva de comando partilhado, tem demonstrado o loteamento das ações desse organismo internacional de "mediação de conflitos políticos", a partir de novos interesses do imperialismo para manter o predomínio de classe da burguesia, e avançar com suas garras sobre outras nações, a exemplo da França no norte da África.

A particularização dessa política de federalização tem permitido uma conduta imperialista com a total leniência da ONU [8] . A nova partilha, realizada entre os membros do Conselho de Segurança, permitem que eles avancem como aves de rapina sobre os diversos povos em luta, e sobre os seus ricos territórios.

A presença do Brasil nesse cenário de federalização de organismos internacionais, tem como meta a criação de uma tensão que consolide a abertura de mercados para a sua burguesia associada, com interesse na perspectiva de se colocar como alternativa de mediação para os conflitos interregionais. No entanto, não como aliado dos povos em luta, mas sim como um dos braços que age no campo do imperialismo [9] . Todavia, a vertente diferenciada do Brasil nos conflitos em curso, deve ser interpretada a partir da lógica de negócios que norteia a diplomacia brasileira, desde o período da ditadura militar. O Brasil gerenciado pelo atual consórcio, notório braço da social democracia tardia [10] , e sua coalizão, desejam a inserção da "burguesia interna" na nova perspectiva de dominação mundial.

O Brasil potência é um aviltado projeto de consórcio com o imperialismo federalizado, a serviço da burguesia, que no plano interno permitiu a uma camada (parcela de classe) identificada como aristocracia operária e, ao sindicalismo dos fundos de pensão, a gerência do Estado. Portanto (...) "os estratos radicais da burguesia e da pequena burguesia se compõem com a ordem" (FERNANDES, 2009, p. 19), com os últimos dois governos (Lula e Dilma) executando a contrarrevolução permanente, tão necessária para a dominação da hegemonia conservadora. Por outro lado, esse projeto abriu brechas significativas para integrar de forma passiva e cooptada, sob o comando da "burguesia interna", segmentos populares: "baixa classe média"; populações que transitam entre os baixos salários e o desemprego; e uma parcela do campesinato.

A revolução passiva, que é para Gramsci (1992) um critério de interpretação histórica, serve, nesse caso, para que possamos analisar a realidade brasileira.
Ainda a respeito do conceito de "revolução passiva" ou "revolução-restauração (...) devemos notar que é preciso colocar com exatidão o problema que, em algumas tendências historiográficas, é chamado de relações entre condições objetivas e condições subjetivas do acontecimento histórico. Parece evidente que as chamadas condições subjetivas não podem faltar nunca quando existem as condições objetivas, pois se trata de simples distinção de caráter didático: portanto, é sobre a medida das forças subjetivas e de sua intensidade que pode haver discussão, daí a relação dialética entre as forças subjetivas constratantes (GRAMSCI, 1992, 89-90).
Desde a última década estamos vivendo, no Brasil, uma "revolução passiva" permanente, que se transformou em contrarrevolução preventiva (restauração conservadora), esse procedimento operou algumas concessões aos de baixo e executou o transformismo (GRAMSCI, 2002) na esquerda brasileira para aperfeiçoar a impotência dos impotentes. Podemos entender como transformismo a "absorção gradual mas continua, e obtida com métodos de variada eficácia, dos elementos ativos surgidos dos grupos aliados e mesmo dos adversários e que pareciam irreconciliavelmente inimigos" (GRAMSCI, 2002, p. 63).

Ainda podemos caracterizar esse conceito teórico, no sentido de analisar a política desenvolvida por determinados blocos no poder, que com a sua ação nos permite perceber o processo no qual se constrói, também, a dominação de classe.
Por "revolução passiva" deve entender-se que o processo de desenvolvimento histórico está protagonizado pelas classes dominantes que conseguem neutralizar as classes subordinadas mediante uma política de oportunas concessões reformistas. Trata-se de uma situação na qual forças conservadoras hegemônicas conseguem desagregar seus antagonistas, incorporando a seu projeto político parte da antítese, ainda que bem controlada (PRAT, 1984, 54).
À guisa de concluir

A cena política protagonizada pela burguesia monopolista mundial construiu um consórcio ramificado no Estado Nação e nos organismos multilaterais para possibilitar, via a institucionalidade, ou através da guerra, o caminho para um novo ciclo do capital. No entanto, essa perspectiva da burguesia tem encontrado a resistência das lutas anti-sistêmicas e dos movimentos sociais, em variadas manifestações; bem como o resurgir de uma nova necessidade histórica, que é a luta pautada pela presença do operador político, enquanto organizador coletivo, para agir como vanguarda dos trabalhadores no processo em curso da luta de classes. Pois, "É por isso que a humanidade só se propõe as tarefas que pode resolver" (MARX, 1982, p. 26).
Bibliografia
 

BOITO JR., Armando. "A nova fase do capitalismo neoliberal no Brasil e a sua inserção no quadro político da América Latina". In: ALIAGA, Luciana; AMORIN, Henrique; MARCELINO, Paula (Orgs.), Marxismo: Teoria, História e Política.
CHESNAIS, François. "A vulnerabilidade do sistema financeiro, a ilegitimidade das dívidas públicas e o combate político internacionalista por sua anulação". Lutas Sociais, São Paulo, nº 25/26, 2011.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. São Paulo: Globo, 2006.
__________. Nós e o marxismo. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárceres (V.3). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
__________. Cadernos do Cárcere (V.5). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
__________. Poder, Política e Partido. São Paulo: Brasiliense, 1992.
MANZANO, Sofia. "Crise estrutural e os direitos dos trabalhadores na Europa do euro". Uberlândia, Crítica e Sociedade, nº 3, 2011.
MARX, Karl. Para a crítica da economia política; Salário, preço e lucro; O rendimento e suas fontes: a economia vulgar (Coleção os economistas). São Paulo: Abril Cultural, 1982.
MÉSZÁROS, István. "Uma crise estrutural necessita de mudança estrutural". São Paulo, Margem Esquerda, nº 17, 2011.
POULANTZAS, Nicos. Poder político e classes sociais. Porto: Portucalense, 1971.
PRAT, C. R. Aguilera de. Gramsci y la via nacional al Socialismo. Madri: Akal/Universitaria, 1984.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Pioneira, 2000.

Notas
1. A hipótese levantada pela autora, neste artigo, é de que a política de união monetária e o estabelecimento do Euro como moeda única levou à edição de um 'novo padrão-ouro' que, como no período clássico do padrão-ouro, transferem aos trabalhadores os custos dos ajustes macroeconômicos.
2. Jurista russo, foi professor de direito internacional em Paris.
3. Ver esse debate em http//cadtm.org/Dette-odieuse/
4. Ver, CHESNAIS, François. "A vulnerabilidade do sistema financeiro, a ilegitimidade das dívidas públicas e o combate político internacionalista por sua anulação". Lutas Sociais , São Paulo, s/ed., 25/26, 2011.
5. Culto ao dinheiro na constante procura do lucro, que tem ganhado protagonismo ideológico no contexto das relações sociais.
6. Partido dos Trabalhadores ao qual pertencem o ex-presidente Lula e a atual presidente, Dilma Roussef.
7. Partido da Social Democracia Brasileira ao qual pertence, o ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso.
8. Ver a postura desse organismo internacional nas questões do Iraque, Afeganistão e do norte da África.
9. Vide a postura intervencionista, do Brasil, no Haiti.
10. Não temos no Brasil uma tradição, histórica, da social-democracia. Ela surge com o PT em um processo tardio, quando a pauta social dessa tendência reformista não tinha mais aderência à cena política contemporânea.


[*] Professor de Ciência Política da Universidade do Estado da Bahia (UNEB); editor da revista Novos Temas; autor/organizador, entre outros, dos livros Outubro e as experiências socialistas do século XX, e 140 anos da Comuna Paris; Membro do CC do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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