Clóvis Rossi
O sociólogo Felippe Ramos (Universidade Federal da Bahia) fez para o
site da revista América Economia o que os jornalistas deveríamos ter
feito antes: visitou a peça de acusação que serviu para o fuzilamento
sumário do presidente Fernando Lugo.
Fica evidente que Lugo estava condenado de antemão. No item “provas
que sustentam a acusação”, se diz que “todas as causas [para o
impeachment] são de notoriedade pública, motivo pelo qual não precisam
ser provadas, conforme nosso ordenamento jurídico vigente”.
Como é que Lugo –ou qualquer outra pessoa– poderia provar o contrário do que não precisa ser provado? Impossível, certo?
O processo pode até ter seguido as regras constitucionais e o
“ordenamento jurídico vigente”, mas, nos termos em que foi colocada a
acusação, só pode ser chamado de farsa.
Veja-se, por exemplo, a primeira das acusações: Lugo teria autorizado uma reunião política de jovens no Comando de Engenharia das Forças Armadas, financiado por instituições do Estado e pela binacional Yacyreta.
Veja-se, por exemplo, a primeira das acusações: Lugo teria autorizado uma reunião política de jovens no Comando de Engenharia das Forças Armadas, financiado por instituições do Estado e pela binacional Yacyreta.
Se esse é argumento para cassar algum mandatário, não haveria
presidente, governador ou prefeito das Américas que poderia escapar, de
direita, de centro, de esquerda, de cima ou de baixo. Ademais, não
consta que a Constituição paraguaia proíba o presidente ou qualquer
outra autoridade de autorizar concentrações de jovens. Aliás, é até
saudável que se estimule a participação política dos jovens.
Mais: o evento foi em 2009. Se houvesse irregularidade, caberia ao
Congresso ter tomado à época as providências, em vez de esperar três
anos para pendurá-lo em um processo “trucho”, como se diz na gíria
latino-americana.
A acusação mais fresca, digamos assim, diz respeito, como todo o
mundo sabe, à morte de 17 pessoas, entre policiais e camponeses, em um
incidente mal esclarecido no dia 15 passado. Diz a acusação: “Não cabe
dúvida de que a responsabilidade política e penal dos trágicos eventos
(…) recai no presidente da República, Fernando Lugo, que, por sua
inação e incompetência, deu lugar aos fatos ocorridos, de conhecimento
público, os quais não precisam ser provados, por serem fatos públicos e
notórios”.
De novo, a acusação dispensa a apresentação de provas e condena por
antecipação o réu, como faria qualquer república bananeira ou qualquer
ditadura.
Nem o mais aloprado petista pediu o impeachment do presidente
Fernando Henrique Cardoso por conta da morte de 19 sem-terra em
Eldorado dos Carajás (Pará), em abril de 1996, no incidente que mais
parentesco tem com o que ocorreu há duas semanas em Curuguaty, no
Paraguai.
É importante ressaltar que líderes dos “carperos”, os sem-terra
paraguaios, disseram que os primeiros disparos no conflito do dia 15 não
saíram nem deles nem dos policiais, mas de franco-atiradores. Enquanto
não se esclarecer o episódio, qualquer “ordenamento jurídico” sério
vetaria o uso do incidente em qualquer peça de acusação.
Deu-se, pois, o crime perfeito: cobriu-se um processo sujo com o imaculado manto da Constituição.
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