Por Mário Marcos de Souza no SUL21
Todos os dias ele embarca no seu Fusquinha azul de estimação, de 1.300 cilindradas(foto), e toma o rumo de seu pequeno sítio Rincón del Cerro, nos arredores de Montevidéu, onde vive com a mulher, senadora da República – que é a proprietária da área. A casa é discretamente vigiada por dois seguranças. No fim do mês, quando recebe o salário de US$ 12,5 mil de presidente do Uruguai, José Pepe Mujica separa US$ 1,25 mil e doa o restante, cerca de 90%, a pequenas empresas e Organizações Não-Governamentais que trabalham com habitações populares.
- Este dinheiro me basta, e tem que bastar porque há outros uruguaios
que vivem com menos – costuma repetir este uruguaio de maneiras
simples, 77 anos, que, em reportagem do jornal espanhol El Mundo, foi
chamado de “o presidente mais pobre do mundo”.
Além de sua casa no pequeno sítio, seu único
patrimômio é o Fusca avaliado em pouco mais de mil dólares. Como
transporte oficial, em vez dos carrões com ar-condicionado dos demais
presidentes, ele usa um Corsa. Sua mulher, a senadora Lúcia Topolansky,
parceira de muitos anos, também doa boa parte de seu salário. Mujica
vive de forma espantosamente simples, apesar de presidir um dos países
mais importantes da América do Sul, nunca usa gravata (é quase sempre
uma camisa branca com casaco) e convive com os mesmos amigos de antes da
eleição que o conduziu ao poder. É capaz de pegar o Fusca, ir até uma
loja de ferragem comprar um acessório de banheiro e, no caminho, parar
em um pequeno estádio para animar os jogadores do Huracán, time da
segunda divisão, e prometer um churrasco caso subam para a Série A. Sem
contas bancárias ou dívidas, de acordo com El Mundo, ele apenas repete
que espera concluir seu mandato para um descanso sossegado no Rincón del
Cerro.
A vida simples não é mera figuração ou tentativa de
construir uma imagem, seguindo orientações de um marqueteiro. Não, ela
faz parte da própria formação de Mujica, um homem que lutou contra a
ditadura, foi preso e, ao lado de dezenas de Tupamaros, participou de
uma fuga cinematográfica da antiga prisão onde hoje está o Centro
Comercial Punta Carretas, em Pocitos, lutou pela volta da democracia e
hoje é presidente eleito do país. Tudo isso sem abrir mão de suas
convicções, em nenhum momento – a ponto de rejeitar a ideia de mudança
de sua vida por ser o chefe de uma nação.
No último dia 24 de maio, por ordem de Mujica, uma moradora de rua e seu filho foram instalados na residência presidencial (foto),
que ele não ocupa por seguir morando no sítio. Ela só saiu de lá quando
surgiu vaga em uma instituição. Neste início de inverno, a casa e o
palácio Suarez y Reyes, onde só acontecem reuniões de governo, foram
disponibilizadas por Mujica para servir de abrigo a quem não tem um
teto. Em julho do ano passado, decidiu vender a residência de veraneio
do governo, em Punta del Este, por US$ 2,7 milhões. O banco estatal
República comprou e transformará a casa em local de escritórios e espaço
cultural. Quando ao dinheiro, será inteiramente investido – por ordem
de Mujica, claro – na construção de moradias populares, além de
financiar uma escola agrária na própria região do balneário.
Ele nem se preocupa em reforçar seus esquemas de
segurança e, ao circular no Fusca ou em um Corsa, claramente não está a
bordo de veículos blindados. Nem sei se é certo ou não alguém, no papel
de um país, com toda a importância que o cargo tem e nestes tempos
loucos ditados muitas vezes por fanatismo, levar a vida de uma pessoa
comum. Até acho que não. Afinal, um presidente não pode conduzir sua
própria vida. Há milhões de pessoas que deram a ele o direito de dirigir
um país e esperam não ver nada abalando esta tarefa – e é por isso que
de Barack Obama, num extremo, a Dilma Rousseff, no outro, todos os
presidentes são devidamente protegidos por fortes esquemas de segurança.
Ao ser eleito, o escolhido faz uma espécie de renúncia pública de sua
autonomia – e sabe que não terá mais tanta liberdade assim.
O que me causa profunda admiração no caso de Mujica,
independentemente das razões destacadas acima, é ver alguém que se
recusa a renunciar a suas próprias convicções, mesmo desafiando todas as
regras do protocolo. Ele pensa nestes princípios, lutou a vida inteira
por eles, arriscou sua segurança e de sua própria família, por que mudar
logo agora? Foi eleito por isso, certamente, por suas ideias e estilo
de vida. Dane-se a liturgia do cargo, deve pensar este uruguaio. Para
Mujica, ela não tem importância. O que importa, acima de tudo, é dormir
com a consciência tranquila de quem sabe que seguiu sempre um padrão de
conduta – que não mudou nem na ditadura, nem nos bons tempos da
democracia que ele e seus velhos companheiros ajudaram a construir.
O mundo seria um lugar bem melhor e, com toda a certeza, muito mais pacífico se tivéssemos outros Mujicas conduzindo países por aí.
Do blog mariomarcos.wordpress.com
Do blog mariomarcos.wordpress.com
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