quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Justiça arquiva processo e bar para público gay é liberado em Porto Alegre

 


Ramiro Furquim/Sul21
 
Rachel Duarte no SUL21
 
Uma luta de dois anos contra a discriminação a um estabelecimento para o lazer de homossexuais em Porto Alegre parece ter chegado ao fim nesta terça-feira (16). O bar Passefica, no bairro Cidade Baixa, foi absolvido de processo judicial movido pelo ex-síndico do prédio e acolhido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. Na ação, os argumentos eram de que o local ultrapassava os limites estabelecidos por lei municipal para funcionamento, além de suposto desrespeito a normas de civilidade e convivência. Devidamente adequada à Lei do Silêncio, a proprietária do bar provou que não estava irregular e acusou o autor da ação de motivação homofóbica.
O ingresso da ação ocorreu ainda em 2011, quando a empresária Jucele Azzolin passava por desentendimentos com o síndico Ricardo Han Brum sobre a utilização das mesas na calçada do bar. Segundo ele, os frequentadores cometiam excesso no barulho. “A Rua da República é um local tradicional da noite de Porto Alegre, onde já é uma cultura o uso de mesas na rua. Eu sou homossexual, meus clientes também. É um bar para o público LGBT e o que está por trás disso é preconceito e discriminação com o meu estabelecimento”, disse.
Depois de muitas audiências e ameaças do ex-síndico, além de notificações da Prefeitura de Porto Alegre, o Passefica hoje funciona com mesas na calçada da rua. Porém, além do ganho de causa para o uso do recuo da calçada, o bar sofria outras acusações, como exceder o horário de funcionamento dos bares da Cidade Baixa e causar mau cheiro no local. “Nós estamos sempre orientando os clientes quanto a estas normas e nunca tivemos problemas de desordem. Tenho testemunhas de moradores inclusive”, alegou Jucele.
Algumas testemunhas acompanharam a audiência pública desta terça (16) na 18º Vara Criminal do MP-RS, entre elas a cliente Graciela Carpio. “Eu presenciei uma batida da Brigada Militar, atendendo a pedido de algum denunciante, completamente abusiva e descabida. Ainda não era meia noite (horário de funcionamento dos bares da Cidade Baixa) e eles entraram dizendo que estava uma baderna. Só existiam oito pessoas no bar, que inclusive foram embora depois daquilo”, conta. Graciela optou em ficar no bar naquele dia e conversou com os policiais. “Eles disseram que realmente não havia nada errado e pediram desculpas. Ao saírem, no bar ao lado tinha uma festa muito agitada na calçada e eles não fizeram nada. Esta intervenção foi apenas no Passefica, que já é um local estigmatizado para as autoridades”, afirma.
Vereador Pedro Ruas acredita que caso Passefica inspira luta contra homofobia./Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
A tese da perseguição por motivação preconceituosa com o local LGBT também é acolhida pelos advogados de defesa da empresária. “Todas as adequações à lei foram feitas. Nenhum descumprimento foi verificado no período em que o processo vigorou. O fiscal do MP vistoriou e comprovou a normalidade do bar. Porque a insistência na ação? Preconceito”, fala o vereador Pedro Ruas (PSOL), um dos advogados da defesa do Passefica.
No histórico de ações que envolvem a motivação homofóbica justificada pela dona do bar estão também autuações da Secretaria Municipal de Indústria, Comércio e Serviço. Parte da ação, o ex-secretário Valter Nagelstein não compareceu à audiência. Dois funcionários da pasta o representaram.
“Estas medidas excessivas no regramento dos bares fazem parte de um antigo processo de ‘higienização da cidade’. Os locais que são considerados pontos de encontro de pessoas marginalizadas tem exigências muito mais rigorosas do que os demais. É um estímulo ao fechamento destes locais. As instituições, para não admitir que fecham bares, vão exigindo uma série de obstáculos para o seu funcionamento. Foi o que aconteceu com os bares do bairro Bom Fim que foram fechados para reforma de três meses e tem seis anos que não abriram mais”, recorda a companheira de Jucele, Karen D´Ávila.
O promotor da ação, Luciano Brasil, reconheceu a adequação do bar Passefica às exigências da lei e o esforço de Jucele em manter o bar em funcionamento. Ele fez questão de destacar que o órgão “é estranho ao histórico de perseguição ao bar”. “Não sabíamos do extrato que vinha por trás desta ação, por isso a acolhemos. Vimos que não há irregularidades, portanto, não teria razões para dar continuidade ao processo”, disse.
Audiência pública encerra processo contra bar Passefica./ Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Por sua vez, o síndico e autor da ação, Ricardo Brum, aceitou o acordo e pediu desculpas a qualquer inconveniente ou prejuízo causado ao bar. “Não queria que isto tivesse ido tão adiante. Mas a multa e os questionamentos judiciais atendem à necessidade de tranquilidade no local, que também é residencial. Eu não sou homofóbico. Convivia com as antigas inquilinas, que também eram homossexuais. Minha religião não permite discriminação”, falou, explicando que é espírita.
O juiz João Ricardo dos Santos Costa declarou arquivado o processo devido a constatação do MP-RS de o bar estar dentro das exigências legais e em concordância com a Lei do Silêncio que vigora em Porto Alegre. “Mas é importante nós reconhecermos a existência de preconceito na nossa sociedade. É algo velado que se evidencia nas relações comerciais e institucionais, mas existe. Não podemos negar. Enquanto existir preconceito, não existirá a plena democracia”, argumentou. Para o juiz, a atuação dos movimentos LGBT na visibilidade dos direitos homossexuais é fundamental para enfrentar problemas sociais. “É só assim que poderemos transformar a nossa sociedade”, disse.

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