no OPERAMUNDI
O dirigente do Grupo Estado, Júlio César Mesquita, não escondeu sua
frustração. Diante da cadeira vazia na cerimônia de abertura da 68ª
Assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa, comparou a atitude
da atual presidente a de seus antecessores, Ernesto Geisel e Fernando
Collor, nos dois convescotes da agremiação anteriormente por aqui
realizados.
A comparação pode ser estapafúrdia, mas o rancor tem sua razão de ser.
As famílias que controlam os meios de comunicação na região, sem aliados
importantes além dos Estados Unidos, ambicionavam aval implícito de
Dilma Rousseff para sua ofensiva contra políticas de democratização e
regulação levadas a cabo por diversos governos progressistas.
Apesar de sua administração manter intactos os privilégios dos
monopólios de imprensa, a presidente pode ter sido eloquente ao dar
silencioso bolo no evento dos marajás da informação. Como não foram
tornados públicos os motivos dessa decisão, é natural que provoquem
especulações. Uma abordagem possível remete à trajetória da associação. A
SIP, afinal, congrega a fatia mais ativa e influente das elites
continentais, com expressiva folha de serviços prestados às ditaduras.
Fundada nos EUA em 1946, a entidade teve papel fundamental durante a
Guerra Fria. Empenhou-se com afinco a etiquetar como “antidemocráticos”
os governos latino-americanos que não se alinhavam com a Casa Branca.
Constituiu-se em peça decisiva do clima psicológico que antecedeu
levantes militares no continente entre os anos 60 e 80.
Entre seus membros mais proeminentes, por exemplo, está o diário chileno El Mercurio,
comprometido até a medula com a derrubada do presidente constitucional
Salvador Allende, em 1973, e a ditadura do general Augusto Pinochet.
Outros grupos filiados são os argentinos La Nación e El Clarín, apoiadores de primeira hora do sanguinário golpe de 1976.
A lista é longa. O vetusto matutino da família Mesquita, O Estado de S.Paulo,
também foi adepto estridente das fileiras anticonstitucionais, clamando
e aplaudindo, em 1964, complô contra o presidente João Goulart. Mas não
foi atitude solitária: outras empresas brasileiras de comunicação,
igualmente inscritas na SIP, seguiram a mesma trilha.
Seus feitos, porém, não fazem parte apenas da história. Estes veículos,
mais recentemente, apoiaram o golpe contra o presidente Hugo Chávez
(2002), a derrocada do hondurenho Manuel Zelaya (2009) e o afastamento
ilegal do paraguaio Fernando Lugo (2012). Funcionam, a bem da verdade,
como uma aliança intercontinental do conservadorismo.
Às vésperas das eleições de 2010, em julho, o então presidente da SIP,
Alejandro Aguirre, afirmou que Lula “não poderia ser chamado de
democrata” e o incluiu entre os líderes que “se beneficiam de eleições
livres para destruir as instituições democráticas”. Seu objetivo era
evidente: como porta-voz dos barões da mídia, queria colaborar no
esforço de guerra contra a condução de Dilma Rousseff, pelo sufrágio
popular, ao Palácio do Planalto.
A SIP, no entanto, vai além de movimentos pontuais, ainda que
constantes, para a desestabilização das experiências de esquerda.
Trata-se de um laboratório para estratégias de terceirização política
dos Estados nacionais, na qual as corporações privadas de imprensa ditam
a agenda, articulam-se com esferas do poder público e se consolidam
como partidos orgânicos da oligarquia.
Diante deste inventário de símbolos e realizações, fez bem a presidente
ao se recusar a emprestar o prestígio de seu mandato e a honradez de
sua biografia. Ainda mais em um momento no qual sócios nacionais da
associação animam julgamento de exceção contra dirigentes históricos de
seu partido e integrantes de proa do governo Lula.
Oxalá esse gesto possa dar início a uma batalha firme pela
democratização da imprensa e a adoção de marco regulatório que rompa com
o feudalismo midiático.
Breno Altman é diretor do site Opera Mundi e da revista Samuel
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