Por Paulo Marques no SUL21
O resultado eleitoral em Porto Alegre, com a reeleição do atual
prefeito José Fortunati(PDT) no primeiro turno, com 65% dos votos, e a
pífia votação do candidato petista com menos de 10% dos votos,
representa bem mais do que as explicações simplistas de aprovação de um
boa gestão e a derrocada inexorável do PT em particular e da esquerda em
geral. O problema fundamental que não está sendo discutido é muito mais
profundo, consiste no que eu denomino de “consenso liberal” que vem se consolidando na cidade.
É, como diria Gramsci, na disputa de uma “visão de mundo”, que se dá a luta central pela “hegemonia política- cultural”. Segundo o marxista italiano a relação de dominação se consolida a partir de dois elementos a coerção e o consenso, sendo que na medida em que este último fator se fortalece a coerção é utilizada somente em casos excepcionais. Ou seja, a maior vitória do dominante é conquistar o “coração e mente” do dominado. Nesse sentido, a hegemonia de um determinado pensamento no campo simbólico-cultural é fundamental para a manutenção do poder.
É, como diria Gramsci, na disputa de uma “visão de mundo”, que se dá a luta central pela “hegemonia política- cultural”. Segundo o marxista italiano a relação de dominação se consolida a partir de dois elementos a coerção e o consenso, sendo que na medida em que este último fator se fortalece a coerção é utilizada somente em casos excepcionais. Ou seja, a maior vitória do dominante é conquistar o “coração e mente” do dominado. Nesse sentido, a hegemonia de um determinado pensamento no campo simbólico-cultural é fundamental para a manutenção do poder.
Só a partir da reflexão sobre esta questão chave é possível analisar a
dimensão real do resultado de domingo passado e os desafios que se
impõe para a esquerda na cidade que outrora já foi referência para
pensar um outro mundo possível.
José Fortunati e sua coligação formada pelo PDT, PMDB, PTB, DEM, PP e
outros nanicos( também incluo o PRBS, partido da RBS, FARSUL e o grande
capital) representam claramente um campo liberal-conservador que
havia sofrido um importante revés nos 16 anos de governos do PT em
Porto Alegre, que chegou ao ápice com a vitória de Olívio Dutra no
Estado(1999-2002).
Todavia, esse campo vêm retomando o espaço perdido ao construir, nos
quase dez anos de gestão na prefeitura, uma nova “hegemonia cultural”,
ou novo “consenso” no que tange ao papel do poder público e sua relação
com o capital. Nessa perspectiva está presente os pressupostos da
dinâmica liberal do prefeito e legislador limitado ao papel de “gestor”
dos interesses do capital, e que se consolida como a principal
característica dessa hegemonia/ consenso.
No caso de Porto Alegre, esse processo de construção de um “consenso
liberal” se deu não só pela ação dos partidos e setores desse campo.
Outro fator que contribuiu fortemente para essa nova hegemonia foram as
transformações que se deram no Partido dos Trabalhadores; primeiro em
âmbito nacional e depois local. Se, no Rio Grande do Sul, e em
particular na cidade de Porto Alegre, o PT se destacava pelo caráter
de esquerda, diferenciando-se do partido nos outros Estados, nos
últimos anos isso mudou. Os setores mais à esquerda do partido sofreram
sucessivas derrotas internas que levou a inevitável perda de hegemonia
no partido para os setores mais alinhados com um ideário social
democrata em consonância com o perfil da direção nacional.
A consequência desse processo foi que a identidade do partido como
organização programática mais à esquerda, que levou o PT a manter-se por
mais de uma década a frente da prefeitura, foi paulatinamente
substituída pela lógica cada vez mais pragmática da “ampliação do arco
de alianças” com partidos liberais, que o governador Tarso Genro
denomina de “centro democrático”. O paradigma dessa opção é a “base
aliada” do governo federal onde cabem os partidos liberais que compõe
aliança vitoriosa de Fortunati (PMDB, PP, PTB) com exceção do DEM e
PSDB(este compôs o governo Fortunati até o ano passado). Mas isso
significa que o PT se transformou em um “partido liberal”?? Minha
resposta é não, eu diria que o PT hoje se consolida como o representante
da social-democracia no Brasil. O que significa claramente o
afastamento de uma perspectiva anti-capitalista.
Mas onde estaria a contribuição do PT para o o novo “consenso”
liberal? Vejo que está fundamentalmente no campo simbólico. Seja nas
políticas de Parceria Público Privada do governo Federal( aeroportos,
ferrovias etc..) seja no discurso de “concertação” , de “não-conflito”,
como se a sociedade capitalista não fosse, em essência uma sociedade de
antagonismos. A total aceitação das regras do jogo liberal por parte do
PT, é o que nos permite compreender a ausência de posição sobre
questões como a relação do Estado e dos partidos com o capital privado.
Não há, portanto, ao contrário do que alguns querem crer, uma
“falência da política”, o que temos é o predomínio de uma determinada
política, a clássica política liberal, que se transformou em
“consenso”. E por outro lado, uma derrota simbólica-cultural dos
princípios da esquerda como o valor do que é público, coletivo, e deve
ser socializado. Se até bem pouco tempo era possível falar de uma
Porto Alegre da “radicalização da democracia”, da “cultura” democrática e
participativa do Orçamento Participativo, o que vemos hoje é a
incorporação desta experiência à lógica do sistema, baseada no
clientelismo e na mercantilização da ação política. Uma lógica
“gerencial” no qual as diferenças ideológicas, que existem, são tratadas
como problema e os “consensos” são exaltados como virtude.
Outro elemento não menos significativo desse “consenso”, é o vínculo
direto da política com o mercado, onde as empresas privadas são a
principal fonte financiadora das campanhas eleitorais. Essa é a outra
face da mesma lógica liberal da política como “negócio”, como parte da
estratégia que deve assegurar o bom funcionamento do mercado. Uma olhada
rápida sobre quem foram os vereadores mais votados e quem os financiou é
sintomático dessa realidade.
Nessa perspectiva liberal, não há mais espaço para a defesa do
“público”, na medida em que a ampliação dos espaços públicos significam
a diminuição da acumulação privada de capital ela está fora da
“realidade”. Por isso é tão necessário para o “consenso liberal” a
ampliação das privatizações, mesmo que revestidas de “parcerias” e da
construção de discursos, na esfera ideológica e simbólica, de que o
privado é eficiente e o público é inviável. Está aí nesse constructo
ideológico a aceitação, como “consenso”, de que a saúde, o transporte, a
cultura, a educação, as praças, as escolas,a limpeza urbana, para que
funcionem bem, devem estar sob controle privado.
A privatização dos espaços públicos em Porto Alegre (Auditório Araújo Viana, Largo Glênio Peres, Feiras Modelo, Parque da redenção sentre outros), as mudanças no Plano Diretor da Cidade para atender os interesses das grandes corporações imobiliárias, políticas de “higienização do centro” são algumas das medidas que cumprem este objetivo de construir uma “visão de mundo” , um “consenso” sobre o lugar do público e do privado na sociedade.
A privatização dos espaços públicos em Porto Alegre (Auditório Araújo Viana, Largo Glênio Peres, Feiras Modelo, Parque da redenção sentre outros), as mudanças no Plano Diretor da Cidade para atender os interesses das grandes corporações imobiliárias, políticas de “higienização do centro” são algumas das medidas que cumprem este objetivo de construir uma “visão de mundo” , um “consenso” sobre o lugar do público e do privado na sociedade.
Quem combate o “consenso liberal”?
Quando as contradições inerentes ao sistema capitalista, como o
aprofundamento da desigualdade social, da violência do deficit
democrático do sistema representativo não encontram espaços para
expressarem-se nos partidos, ocorre um fenômeno que começa a ser comum
nas chamadas “democracias consolidadas” que é a auto-organização de
setores da sociedade descontentes com a “naturalização” do sistema e
aceitação geral do “consenso liberal” por quase todos os partidos.
A partir das redes sociais, percebem que a mediação dos partidos se
torna, não só inútil (na medida que prevalece o “consenso” sobre
determinadas questões ) mas ultrapassada (com a comunicação imediata das
redes sociais é possível discutir e debater qualquer tema sem a
intermediação de um “representante eleito” ou do dirigente partidário).
Dessa forma a crise dos partidos, principalmente da esquerda, é um
reflexo destes dois contextos: a) a falência de um modelo de organização
vertical e elitista, ultrapassado por novas formas de
fazer/participar/atuar nas questões de interesse coletivo e b) a
impossibilidade de realizar um debate e um enfrentamento anti-sistêmico
para além da lógica do capital.
Assim temos uma descrença e esvaziamento da militância jovem nos
partidos e a ampliação de iniciativas de auto-organização social que
utilizam as redes sociais para articular e organizar ações e protestos.
No último período podemos destacar a emergência do cicloativismo na cidade, com o movimento Massa Crítica, que luta por uma outra lógica de mobilidade urbana que supere o carrocentrismo,
símbolo maior da cultura capitalista e o movimento resistência
cultural que protesta contra a política reprssiva e privatista da
prefeitura para a área cultural. Uma das características marcantes da
maioria dos integrantes destas mobilizações é a desvinculação de
qualquer partido político. O que aparece como um problema para os
partidos é, na verdade, a consequência dessa crise da atual forma de
“fazer política”, considerada por muitos como insuficiente.
A mais emblemática das últimas manifestações deu-se no centro de
Porto Alegre a dois dias das eleições. Organizada via facebook, por
ativistas da cultura, reuniram mais de 400 manifestantes em frente a
prefeitura para protestar contra a privatização dos espaços públicos.
Forçavam um debate que esteve ausente das campanhas eleitorais.
O protesto terminou de forma violenta com a repressão da Polícia
Militar contra os manifestantes e a destruição do boneco gigante da
Coca-Cola colocado no Largo Glênio Peres, atualmente este espaço público
é gestionado pela empresa de refrigerantes.
Vale destacar ainda que a postura assumida por dois partidos
identificados como representantes da esquerda socialista( PSOL e PSTU)
não conseguem, ainda, ocupar o espaço de representantes desse ativismo
anti-sistêmico. O discurso moralista, “anti-corrupção” que caracterizou a
campanha do PSOL nessa eleição, está muito aquém de uma perspectiva de
novo projeto alternativo à altura dos desafios de enfrentamento à
hegemonia liberal que nos referimos. Quanto ao PSTU sua retórica
classista não consegue avançar para além de sua pequena base de
funcionários públicos.
Dado este cenário, marcado de um lado pelas escolhas ideológicas do
PT e de outro, por uma esquerda socialista ainda presa a dogmas e
ortodoxias do passado, ouso afirmar que a possibilidade de reconstruir
uma hegemonia política-cultural de esquerda na cidade de Porto Alegre
passa por uma nova geração de ativistas anti-sistema, que em suas mais
diversas formas de organização política (associações, grupos,
coletivos, etc.) enfrentarão, nas ruas, o “consenso” do capital.
Paulo Marques é doutor em Sociologia e professor universitário
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