Foi num 29 de novembro. Reunião da ONU.
1947. Bem longe da Palestina, onde Fátima colhia azeitonas, Marta
recolhia as folhas do quintal e Rachid tomava seu chá de maravia à
sombra do alpendre da casa simples. Eles não sabiam, mas naquele dia
estava sendo decidido seus destinos
Foi
num 29 de novembro. Reunião da ONU. 1947. Bem longe da Palestina, onde
Fátima colhia azeitonas, Marta recolhia as folhas do quintal e Rachid
tomava seu chá de maravia à sombra do alpendre da casa simples. Eles não
sabiam, mas naquele dia estava sendo decidido seus destinos. Destino de
violência, morte e dor. Havia acabado a segunda grande guerra, guerra
feia, dura, grotesca. Nela, o governo alemão tinha promovido o massacre
do povo judeu, dos ciganos e de outras gentes que apareciam à seus olhos
como “diferentes”. Os judeus foram os mais atingidos, em função do
grande número. Foi um holocausto. Por conta disso, no fim da guerra, os
vencedores, comandados pelos Estados Unidos decidiram que havia de dar
uma terra essa gente oprimida, roubada e esfacelada.
O lugar
escolhido para a criação de um estado judeu foi a região da Palestina,
por ali estar também o núcleo originário do povo hebreu. Naquele espaço
haviam nascido as 12 tribos de Judá e era para onde os judeus sonhavam
voltar. Mas, esse desejo nunca foi discutido ou compartilhado com as
gentes que ali viviam há outras centenas de anos, os palestinos. Então,
numa decisão vinda de cima para baixo, os 57 países que conformavam a
ONU naquele então decidiram entregar 57% do território palestino para a
formação do Estado de Israel. O argumento era de que lá não havia gente,
era deserto, portanto, livre para ser ocupado. Mas, essa não era a
verdade. Ali viviam milhares de seres, tal qual Fátima, Marta e Rachid.
Ainda assim, numa sessão dirigida pelo brasileiro Osvaldo Aranha –
qualificado por Alfredo Braga como um desonesto - 25 países votaram pelo
sim, 13 foram contra e 17 se abstiveram. Nascia então, por desejo dos
vencedores da grande guerra, o estado de Israel. Já para os palestinos,
aquele dia ficou conhecido como o "dia da catástrofe".
Contam os
historiadores que, naqueles dias que antecederam a votação – bastante
tumultuada – diplomatas receberam cheques em branco, outros foram
ameaçados e as mulheres dos políticos receberam casacos de visom.
Portanto, foi alavancado na corrupção que vingou Israel.
A
proposta da ONU foi de metade do território, o que deixa bem claro que
todos sabiam que aquela não era uma terra vazia. A conversa nos
corredores é de que também seria criado um Estado Palestino e cada povo
seguiria seu rumo. Para os que viviam na terra doada aos judeus, os
meses que se seguiram foi de terror. Famílias inteiras tiveram de deixar
suas casas, seu olivais, sua história. A maioria foi desalojada na
força, e muitos não entendiam o que se passava. Como suas terras tinham
sido doadas? Naqueles tristes dias de nada adiantou o grito da gente
palestina, não se soube dos mortos, nem da destruição. A informação
demorava a chegar nos lugares. Quando o mundo se deu conta do terror, já
era tarde demais.
Tão logo se instalou, o governo israelense
decidiu ampliar seus domínios. Não aceitou a metade, queria mais e
abocanhou, na força das armas, 78% do território. os palestinos tiveram
de migrar, abandonar suas vidas e tudo o que era seu. O Estado da
Palestina nunca foi criado.
Todo o terror imposto por Israel ao
povo palestino não terminou por aí. No ano de 1967, o governo sionista,
de novo com a força dos canhões, expandiu ainda mais o território em
busca do domínio das regiões mais férteis, passando a ocupar mais de 80%
da área, massacrando outras tantas milhares de famílias palestinas.
Ao
longo desses anos todos, por várias vezes Israel arremeteu contra o
povo palestino, numa tentativa de dizimar a população. Sem conseguir,
decidiu criar então um imenso campo de concentração à céu aberto.
Praticamente todo o território ocupado por palestinos está cercado por
enormes muros de concreto. As pessoas vivem como prisioneiras, muitas
famílias foram separadas e não podem mais se ver. Muitos são os
documentários que mostram as famílias se comunicando através dos muros e
cercas de arame farpado, aos gritos, sem poderem se abraçar.
Nos
últimos dias, Israel começou nova escala de violência, com bombardeios à
Faixa de Gaza, onde se concentram os palestinos. O argumento que a
televisão e as empresas de jornalismo passam é o que fala de "direito de
defesa" de Israel. Vendem a ideia de que é esse estado militarizado e
terrorista o que está sendo agredido.
Ora, qualquer pessoa de
mediana inteligência sabe que a força de um menino com uma pedra é
abissalmente inferior a de um canhão ou mísseis teleguiados. Israel quer
destruir o povo palestino, quer "limpar a área", região absolutamente
estratégica para a proposta de poder dos Estados Unidos, principal
parceiro de Israel nesse massacre continuado.
A resposta dos
palestinos é a resposta dos desesperados. Pessoas como Fátima, Rachid,
Hadija ou Kaleb nada mais querem do que viver suas vidas, estudar,
sonhar com algum amor, casar, ter filhos, comer azeitonas no cair da
tarde. Uma vida como a de qualquer ser humano no mundo. Mas, eles não
podem fazer isso. Estão continuamente humilhados, ameaçados pelas
balas, pelos soldados, pelos tanques, pelos bombardeios. Vivem em alerta
24 horas no dia. Quando podem, reagem. Com pedras, com bombas caseiras,
com autoimolação. Sim, respondem às vezes com violência extrema, mas
nada menos do que o que aprendem no cotidiano de uma vida de prisioneiro
em sua própria casa, acossado pelo exército invasor.
Agora,
nesses dias, as famílias palestinas estão vendo morrer seus filhos,
crianças despedaçadas, jovens estraçalhados. Morrem mães e pais, avós,
gente simples, que está no quintal varrendo as folhas. Garotinhos que
brincam nas ruas de terra. Não são terroristas, nem carregam armas. São
pessoas comuns, calejadas na opressão. Não é uma guerra, onde se batem
os exércitos. É um genocídio, um massacre, no qual perecem as pessoas
comuns.
Pelo mundo inteiro gritam as gentes, as imagens de dor se
espalham pela internet, o mundo inteiro sabe o que acontece no imenso
campo de concentração que Israel criou. Mas, toda a ação das gente é
inútil. As bombas seguem caindo, armas químicas são usadas (o fósforo,
que queima inteira a pessoa) e o que se vê são os governantes do chamado
"mundo livre" apoiando a ação de Israel. Os Estados Unidos, que invadiu
o Iraque por uma "suspeita" de que estavam fabricando armas químicas
por lá, observa o uso das mesmas sobre os palestinos e diz que é um
"direito de defesa" de Israel. Ou seja, se quem usa armas químicas é
amigos dos EUA, está tudo bem. Hipocrisia, cinismo.
Para os
movimentos sociais e militantes da causa humana, o que fica é o absurdo
sentimento de impotência. Desde tão longe só o que se pode fazer é
gritar, denunciar, contar essa velha história para que ela não se perca
no meios da mentiras que os noticiários contam todos os dias. O conflito
Israel x Palestina nada tem de religioso. Usa-se a religião para
legitimar determinadas ações, os judeus julgam-se o "povo eleito". Mas, o
que se esconde por trás da aparência é a configuração geopolítica de
poder. Os palestinos estão num espaço da terra que é muito importante
para o projeto de dominação do Oriente Médio. Ficam na entrada principal
e não são amigos dos Estados Unidos. Por isso é necessário que sejam
extintos.
As bombas seguem caindo sobre as famílias palestinas,
dor e morte é o que têm. Mas, os palestinos seguem defendendo sua terra e
suas vidas. Não haverão de se extinguir. Estão por todo o mundo e nunca
esquecerão sua história. Cabe a nós solidarizar com esse povo valente
porque nada no mundo justifica o que acontece hoje na Palestina ocupada.
Israel haverá de responder à história pelos seus crimes. Mais dia,
menos dia. Porque, se como dizia o grande poeta Mahmud Darwish, "ainda
goteja a fonte do crime", há que estancá-la.
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