Por Juremir Machado
Leitores me garantem que nossa
ditadura foi um sucesso. Admito. Que linda ditadura tivemos! Dizem que
se podia dormir de noite e sair à rua sem medo. Salvo os resistentes ao
regime, que eram torturados ou mortos. Mas, explicam-me, a culpa era
deles. Quando Nelson Rockfeller visitou o Brasil, em 1969, seis mil
“baderneiros” foram “preventivamente detidos” só no Rio de Janeiro.
Liberdade, liberdade! Como gosto de números, vou compartilhar alguns
aqui, tirados de um dos capítulos mais consistentes que já li,
intitulado “O milagre econômico”, do livro, “Estado e oposição no
Brasil”, de Maria Helena Moreira Alves. É de arrepiar, o nosso êxito.
A inflação do período militar foi
modesta, em torno de 20% ao mês. A dívida externa pulou de 3,9 bilhões
de dólares, em 1968, para 12,5 bilhões em 1973. A turma dos camarotes
rurais adorava, pois as exportações eram subsidiadas. Mário Henrique
Simonsen, um dos intelectuais orgânicos do regime, soltou esta pérola
aos porcos: “A partir de 1964, logramos alcançar razoável estabilidade
política”. Uau! Tem cada charlatão neste mundo de Deus. Maria Helena
Moreira Alves resume: “A política governamental elevou acentuadamente a
participação dos membros mais ricos da população na renda global
diminuindo a dos 80% mais pobres”. Sem dúvida, um mecanismo eficiente de
redistribuição de renda. Para cima. Os números dão uma surra de
realidade. Que sucesso. Em 1970, 50,2% dos brasileiros ganhavam menos de
um salário mínimo. Em 1972, já eram 52,5%. Que milagre! Apenas 78,8%
dos trabalhadores ganhavam até dois salários mínimos. Uma proporção, com
certeza, pequena. Um decreto de 1938 estabeleceu o que o salário mínimo
devia comprar.
Nossa bela ditadura alterou esses
dados. Passamos de 12 para 14 horas de trabalho diário para poder comer.
Em 1959, um trabalhador precisava de 65 horas e cinco minutos de
trabalho para comprar a cesta básica fixada pelo decreto de 1938. Em
1963, eram 88 horas. Em 1974, 163 horas e 32 minutos. Nenhuma democracia
faria melhor. Saltamos para 25 milhões de crianças passando fome. Uma
pesquisa revelou que 60% das crianças entrevistadas trabalhava mais de
40 horas por semana. Chamava-se isso de educação pelo trabalho: 18,5% da
população entre 10 e 14 anos de idade trabalhava. O efeito pedagógico
foi espetacular: 63% das crianças entre 5 e 9 anos de idade, em 1976,
fora das escolas. Nunca mais se foi tão longe. Era difícil um país nos
bater em analfabetismo ou semianalfabetismo. Tudo isso pela segurança
nacional.
A ditadura também mudou a composição
dos orçamentos. Uma extraordinária revolução. O da Saúde passou de
4,29% do total, em 1966, para 0,99% em 1974. O da Educação despencou de
11,07% para 4,95% no mesmo período. Em compensação, os três ministérios
militares, muito mais úteis à nação, abocanhavam 17,96% dos recursos.
Fixamos pena de morte, prisão perpétua, banimento, fechamos o Congresso,
controlamos os meios de comunicação, prendemos e arrebentamos,
montamos, segundo o general Viana Moog, “a maior mobilização de tropas
do Exército”, 20 mil homens para caçar 69 guerrilheiros do PCdoB no
Araguaia. Entre 1977 e 1981, foram mortos apenas 45 líderes sindicais
rurais. Tivemos míseros 12 mil presos políticos entre 1969 e 1974. Uma
ditadura realmente admirável. Tão admirável que conseguiu se
autoanistiar. Nenhum torturador foi julgado ou punido. Que êxito!
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