África e AFRICOM: “Neoimperialismo e a arrogância da ignorância”
Franklin C. Spinney*, Counterpunch
Africa and AFRICOM: “Neo-Imperialism and the Arrogance of Ignorance”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Muitos norte-americanos não veem o quão profundamente os EUA estão-se envolvendo militarmente no turbilhão de conflitos que varrem a África Saariana e Subsaariana. O caos está mapeado a seguir:
Embora relatos recentes tendam a concentrar-se na tentativa dos
franceses para expulsar para fora do Mali a Al Qaeda no Maghreb Islâmico
[Al Qaeda in Islamic Maghreb (AQIM) – esforço que pode já se estar
convertendo em complexa guerra de guerrilhas,
a operação francesa não passa de versão, em pleno século 21, de
disputa, à maneira do século 19, pelos recursos da África. É política
que, do ponto de vista dos EUA, relaciona-se, bem provavelmente, ao “pivô em direção à China”,
dado o crescimento do mercado e a presença chinesa na África no campo
da ajuda humanitária. Juntos, a disputa feroz e o “pivô” bastarão para
desencadear no Pentágono um movimento de sequestro, no curto prazo, de
todos os conflitos, com a correspondente cascata de dinheiro antevista
no longo prazo.
Ano passado, Craig Whitlock do Washington Post ofereceu um mosaico do envolvimento dos EUA na África e publicou uma série de excelentes reportagens. O mapa a seguir apresentado:
é uma espécie de resumo das matérias de Whitlock (e outros), com
informes para serem distribuídos às populações muçulmanas na África
Central. Considerem-se as distâncias envolvidas nesse enxame de bases
(os pontos vermelhos): só a distância entre as bases distribuídas no
eixo noroeste-sudoeste no continente africano é maior que a distância
entre New York e Los Angeles. Considerem-se as diferenças étnicas e
tribais entre Burkina Faso e Quênia, para nem falar das diferenças
internas, dentro desses países. E lembrem que praticamente todo o norte
da África, do Marrocos ao Egito, é mais de 90% muçulmano.
Por mais que a correlação entre populações muçulmanas e as atividades
de intervenção norte-americana nesse mosaico de diferenças culturais
sugira um leque de diferentes mensagens para diferentes públicos, só uma
generalização é absolutamente garantida, dada a história recente das
intervenções norte-americanas: a presença continuada e o envolvimento
crescente do Comando dos EUA na África, AFRICOM, só fará inflamar cada
vez mais o relacionamento dos EUA com o Islã militante e, talvez, também
com número imensamente maior de islamistas moderados.
Mas consideremos outras
possibilidades, para que a loucura se generalize. Por exemplo:
considerado o resultado da recente aventura líbia, os islamistas de
mentalidade conspiracionista do norte da África (e – porque não? –,
também muitos moderados), com queda para ler tendências no formato das
nuvens, bem poderão interpretar a corrente de bases do AFRICOM na África
Subsaariana como os tijolos iniciais de um covil gigante, que lá estará
para acomodar uma nova geração de neocolonialistas europeus, que
atacarão do norte, obedecendo à doutrina do presidente Obama que manda
“liderar pela retaguarda”. Claro, dadas as distâncias envolvidas e a
porosidade que aquelas distâncias implicam, tais divagações de mentes
paranóicas não passam de tolices, de um ponto de vista militar.
Mas, se se considera a trilha de mentiras assassinas que os EUA
deixaram no Iraque; de incompetência, no Afeganistão; e de arrogante
indiferença à sorte dos palestinos, que os EUA comprovaram, ao construir
processos de paz que só facilitaram o crescimento de colônias
israelenses ilegais, num roubo continuado de terras, por Israel, que se
arrasta já por 40 anos, esse tipo de caracterização será moída no moinho
da propaganda, como reles fulminações de mentes paranoicas. E, lembre:
você é paranoico, mas, nem por isso, os EUA deixarão de sair, armados
até os dentes, para acabar com você.
Outro sentido da natureza metastática do envolvimento dos EUA na
África pode ser inferido da carregada, terrorista-cêntrica, embora
cuidadosamente construída verborragia das “respostas preparadas” que o
general de exército David M. Rodriguez entregou à Comissão dos Serviços
Armados do Senado, como material de apoio ao que disse, dia 12/2/2013,
ao ser confirmado como novo comandante do Comando dos EUA na África,
AFRICOM. Convido os leitores a, pelo menos, passar os olhos naquele documento revelador.
As “ameaças” terroristas na África Subsaariana, evidentemente tão
tentadoras para os neoimperialistas do AFRICOM, não existem
isoladamente. Todas são intimamente conectadas à insatisfação
étnico/tribal na África – tema ao qual Rodriguez alude, mas que
absolutamente não analisa; nem o general nem seus “sabatinadores”
senatoriais, naquele jogo cuidadosamente coreografado de perguntas e
respostas.
Muitas dessas tensões, por exemplo,
são, em parte, legado das fronteiras artificiais criadas pelos
intervencionistas europeus no século 19. Aqueles intervencionistas
deliberadamente traçaram fronteiras para misturar grupos étnicos,
tribais e religiosos; assim contavam facilitar as políticas coloniais de
“dividir para governar”. Os colonialistas do século 19 seguidamente
exacerbaram deliberadamente as animosidades locais, impondo grupos
minoritários em posições política e economicamente vantajosas, o que
fazia crescer as ondas de descontentamento e revide. Stálin, aliás, usou
a mesma estratégia nos anos 1920s e 1930s para controlar as repúblicas
soviéticas muçulmanas, na região antes conhecida como Turquestão, na
Ásia Central. Na URSS, o posicionamento dessas fronteiras artificiais
entre aqueles novos “-stões” era amplamente conhecido como “pílulas de veneno” de Stálin.
A
crise dos reféns na usina de gás no leste da Argélia, em janeiro
passado, ilustra algumas dessas complexidades de profundas raízes
culturais que sempre há nesses conflitos. Akbar Ahmed escreveu sobre
isso, em mais um de uma série de ensaios fascinantes publicados
por Al-jazeera. Essa série de matérias – que considero muito
importantes – baseiam-se nas pesquisas para seu novo livro, no prelo, The Thistle and the Drone: How America’s War on Terror Became a War on Tribal Islam [O cacto/cardo e o drone:
como a Guerra ao Terror, dos EUA, converteu-se em guerra contra o Islã
tribal], a ser publicado em março, nos EUA, pela Brookings Institution
Press.
O embaixador Akbar Ahmed é ex-alto comissário do Paquistão no Reino
Unido, e ocupa agora a cátedra, apropriadamente batizada Cátedra Ibn
Khaldun de Estudos Islâmicos da American University em Washington, D.C..
Considerado um dos pais da moderna historiografia e das ciências
sociais, Ibn Khaldum é
um dos especialistas mais influentes, no campo da historiografia, na
natureza espontânea do tribalismo e de seu papel na construção da coesão
social. O núcleo duro do trabalho do professor Ahmed acompanha essa
inspiração. Visa a explicar porque a insatisfação espalha-se tão
amplamente em todo o antigo mundo colonial, e como, parcialmente, tem
raízes numa complexa história da opressão de grupos étnicos e em
rivalidades tribais, em toda aquela região. Assim se criou uma teia de
tensões entre os fracos governos centrais dos países ex-colônias e os
grupos e tribos minoritários que os cercam.
Ahmed diz que essas tensões foram exacerbadas pela resposta militar
que os EUA deram ao 11/9. Explica por que as intervenções militares
pelos EUA e outras potências europeias ex-coloniais só farão crescer a
tensão que já existe entre os governos centrais daqueles países e os
grupos oprimidos.
Dentre outras coisa, Ahmed, talvez inadvertidamente, constrói uma
crítica devastadora ao fracasso dos EUA, que não souberam respeitar os
critérios de qualquer grande estratégia sensível,
na reação ao 11/9. Ao confundir um crime horrendo, com ato de guerra, e
declarar guerra global ao terror, sem final previsto; e ao conduzir
aquela guerra nos termos de uma grande estratégica classicamente
falhada, que assumia que “quem não está conosco está contra nós”, os EUA
não apenas criaram inimigos que se multiplicam mais depressa do que
seria possível matá-los; também, ao fazê-lo, os EUA, sem avaliar
qualquer consequência, exacerbaram conflitos locais altamente voláteis,
incrivelmente complexos, de raízes locais profundíssimas; assim, os EUA
contribuíram para desestabilizar porções gigantescas da Ásia e da
África.
Sem avaliar consequências? É dizer pouco. Considere, leitor, o
seguinte: muitos leitores, aqui, já ouviram falar de AQIM e,
provavelmente, também dos tuaregues. Mas quantos algum dia ouviram falar
dos berberes cabila e de sua história na Argélia? (Eu, nunca.) Pois,
como ensina o professor Ahmed, os berberes cabila são os fundadores da
AQIM – fundação que tem raízes profundas nos seus padecimentos
históricos. Assim sendo, a AQIM é mais do que simples “desdobramento” da
al-Qaeda.
Nada disso aparece nas respostas do general Rodriguez, apesar de
fazer repetidas referências à AQIM e à Argélia. Tampouco se aprenderão
essas coisas daqueles senadores, ou de suas perguntas.
Pode-se confirmar pessoalmente, em casa.
Faça uma pesquisa de palavras no “pacote de perguntas e respostas”
do general Rodriguez: ninguém jamais encontrará ali nem vestígios da
complexa história que Ahmed explica em seu ensaio para Aljazeera,“The Kabyle Berbers, AQIM, and the search for peace in Algeria”
[Os berberes cabila, AQIM e a busca de paz na Argélia]. (Tente, por
exemplo, encontrar as palavras AQIM, Kabyle, Berber, history, Tuareg,
tribe, tribal conflict, culture, etc. ou use a própria imaginação).
Além de perceber o muito que não se discutiu, observe também como o
contexto centrado em ameaças que cerca todas as palavras sempre salta à
vista. Compare a esterilidade de tudo que Rodriguez diz e a riqueza da
análise de Ahmed. E tire suas próprias conclusões. E lembre: “AQIM” é
apenas um dos verbetes, no portfólio de ameaças com que o AFRICOM
trabalha. E o quanto nós não sabemos, sobre os outros verbetes?
Como Robert Asprey mostrou em seu clássico War in the Shadows
[Guerra nas sombras], em que estuda 2000 anos da história das guerras
de guerrilha, o erro mais frequente, sempre cometido por quem pretenda
intervir, vindo de fora, numa guerra de guerrilha, é sucumbir à tentação
de deixar que a “arrogância da ignorância” modele seus esforços
militares e políticos.
Apesar de a arrogância da ignorância já afirmada e reafirmada no
Vietnã, no Afeganistão, no Iraque e na Líbia... já começa a parecer que a
conclusão intemporal de Asprey será mais uma vez reafirmada na África.
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