Classes e luta de classes: feudalismo
Por Wladimir Pomar*
O processo de
transformação do escravismo em feudalismo ocorreu de forma generalizada
na Ásia, Oriente Médio e Europa, mas não nas Américas, África e
Oceania. Nestes continentes, pelo menos até o início do século 16,
sobreviviam povos ainda nos estágios históricos anteriores, como o
comunista primitivo, o patriarcal e o escravista.
As civilizações
asteca, maia e inca já eram escravistas. Mas ao norte, no atual Estados
Unidos e Canadá, viviam tribos organizadas segundo o sistema
matrilinear comunitário. O mesmo ocorria entre as tribos que habitavam
a Amazônia e o atual litoral brasileiro, inclusive entre aquelas que já
praticavam a agricultura de coivara. Na África competiam tribos vivendo
no comunismo primitivo, como os bosquímanos, com outras que haviam
ingressado no escravismo, como os reinos de Abissínia, Darfur, Kaffa e
Hausa. Na Oceania, os polinésios também viviam no sistema matrilinear.
As transições
conflituosas do escravismo para o feudalismo, nas regiões do Oriente e
do Ocidente em que ocorreram, transformaram um sem número de escravos e
homens livres em servos da gleba, ao invés de servos diretos dos
senhores fundiários. Isto é, ao contrário dos clientes ou servos do
patriarcado, os servos feudais eram camponeses livres para
produzir seus meios de vida, sendo proprietários de seus meios de
produção, com exceção da terra. Porém, por pertencerem à gleba, não
podiam migrar para outras terras. Por outro lado, formalmente, os
senhores feudais também não podiam expulsá-los da terra a que
pertenciam, mesmo em caso de venda da gleba a outro senhor feudal.
Muitos plebeus
livres e escravos aproveitaram-se da situação conflituosa, que retirou
parte do poder dos proprietários fundiários, para se transformarem em
lavradores ou criadores livres, assim como em artesãos. Criou-se uma
economia agrária que tinha os camponeses como base principal do
processo produtivo, introduzindo uma transformação qualitativa no
caráter da classe trabalhadora de então.
Ao contrário do
período escravista, os trabalhadores deixaram de ser propriedade de
homens livres. Em termos econômicos e sociais vingou a liberdade formal
dos trabalhadores agrícolas e dos artesãos em relação aos senhores
feudais. Eles conquistaram o direito de propriedade sobre seus meios de
produção. Mas os camponeses servos eram subordinados não só à terra,
mas também às várias obrigações que deviam observar diante dos
proprietários ou concessionários feudais.
Essas obrigações
incluíam a entrega de parcela de sua produção, no início em espécie,
tanto ao senhor feudal quanto ao monarca. Incluíam, ainda, a corveia. Isto
é, a prestação de trabalho gratuito nas terras ou benfeitorias do
senhor feudal, ou a participação nas hostes armadas do feudo e/ou do
monarca. Em várias regiões do mundo, como na Escócia, por exemplo, as
obrigações também incluíam outros itens, como o direito de pernada, que
constrangia as camponesas a se entregarem ao senhor na primeira noite
de seu casamento. Os camponeses e os artesãos, por outro lado, eram
proibidos de casar-se com pessoas alheias à sua classe social.
Na China, as
guerras de transição do escravismo para o feudalismo levaram à
constituição de uma monarquia feudal centralizada no século 2 antes de
nossa era. Mas isso não impediu que revoluções, guerras e divisões
monárquicas se sucedessem por séculos. Na Europa feudal, resultante dos
conflitos promovidos pela decadência do Império Romano e pelas invasões
bárbaras, por volta dos séculos 7 a 10 de nossa era, emergiu uma
miríade de reinos feudais. Estes também viveram às turras por vários
outros séculos, antes de alguns se unificarem nas nações atuais. Algo
idêntico ocorreu na Índia, Japão, Ásia Central e Oriente Médio.
A consolidação
do feudalismo, após o longo período de destruições causadas pelas
guerras de transição do escravismo, foi acompanhada da recuperação da
agricultura e do artesanato, do surgimento de novas técnicas, e do
crescimento da população. O comércio voltou a ocupar um papel
importante na destinação dos excedentes agrícolas e da produção
artesanal. O Estado feudal tinha em seu ápice o rei ou monarca por
desígnio divino, proprietário de todas as terras, ou apenas o maior
proprietário fundiário. Sua corte era constituída pela nobreza, seja
senhores de feudos cedidos pelo rei, seja de senhores proprietários de
feudos menores.
Olhando-se com
atenção, o feudalismo constituiu uma formação social e política
conflituosa, não apenas em sua origem, mas também em seu
desenvolvimento. Suas classes sociais, a nobreza, o campesinato, os
artesãos e os comerciantes, mantinham relações extra-econômicas entre
si, permeadas por contradições e conflitos constantes.
Os nobres viviam
em constante pé de guerra com a realeza e entre si, seja para
apropriar-se totalmente da riqueza gerada pelo campesinato e pelo
artesanato, seja para dominar novos territórios, seja ainda para
tornar-se o proprietário fundiário mais poderoso e dominar o Estado
feudal. O campesinato, por sua vez, vivia em confronto com os senhores
feudais, principalmente pela voracidade destes em apropriar-se das
terras dos camponeses livres, de parcelas maiores da produção de
camponeses servos, exigir mais corveias do que o que estava instituído
nas obrigações, e praticar toda sorte de arbitrariedades. Também se
chocava com os comerciantes em relação aos preços dos produtos
agrícolas, que vendia a eles, e aos preços dos produtos artesanais, que
comprava.
Os artesãos
trabalhavam sob regras rígidas, vendo-se constantemente pressionados
pelos senhores feudais e pela realeza, ao mesmo tempo em que procuravam
explorar os camponeses. As atividades dos comerciantes, por outro lado,
dependiam de licença real e do direito de passagem através dos feudos.
Ou seja, pagavam tributos tanto ao rei quanto aos senhores feudais,
numa intensidade que os transformou paulatinamente numa classe em
revolta, embora explorassem os camponeses e artesãos o máximo possível.
Embora no
feudalismo, como no patriarcado e no escravismo, a mobilidade social de
uma classe para outra fosse extremamente difícil, isso não impediu que
a luta de classes se desenvolvesse e criasse situações em que membros
das classes consideradas inferiores ascendessem a classes consideradas
superiores. Tanto no Oriente quanto no Ocidente, a necessidade do
Estado e a luta de classes abriram brechas para tal ascensão política,
social e econômica. Exemplo disso foi Liu Ban, um camponês livre que,
no século 2 antes de nossa era, comandou a revolta vitoriosa contra a
monarquia Qin e, após também derrotar seus aliados feudais, tornou-se o
primeiro imperador da dinastia Han.
De qualquer
modo, essa mobilidade pouco tinha a ver com as contradições que estavam
sendo gestadas nas entranhas das próprias sociedades feudais e iriam
modificar seu curso histórico, transformando as classes sociais
existentes em novas classes e dando surgimento a novas formações
sociais.
*Wladimir Pomar é analista político e escritor.
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