A garota é da RBS. As contas, da Prefeitura
Bibiano Girard*, especial para o Jornalismo B
Na edição de quinta-feira passada do Jornal Gazeta de Rosário,
que circula pela cidade da região da Campanha do Rio Grande do Sul, uma
manchete chamou mais atenção: “Sem Garota Verão por questões
financeiras”. Nela, a secretária de Turismo, Andrea Ribeiro, apresentava
à comunidade os motivos pela “quebra de contrato” da prefeitura com o
Grupo RBS para a realização da fase regional do concurso de beleza
promovido pelo canal, o Garota Verão.
Não
bastasse a RBS abocanhar gigantescos faturamentos em publicidade do
governo, ou seja, com impostos nossos, o grupo ainda se utiliza de uma
prática de barganha com pequenos municípios, como é o caso de Rosário do
Sul. Apontado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan),
entre 5.226 cidades brasileiras pesquisadas, como o município com pior
desempenho fiscal no Rio Grande do Sul, a cidade, até dois anos atrás,
mantinha um gasto exorbitante nos meses de verão com a confecção do
concurso difundido pela RBS.
A
incoerência de um canal de televisão, abalizado pelo Grupo, ultrapassa o
senso do jogo limpo de mercado. Em 2009, convocada pelo procurador do
Ministério Público Pedro Antônio Roso, uma audiência escancarou o óbvio:
no papel, o grupo diz ter dois canais de TV por CNPJ. Na prática, são
12 os CNPJ que transmitem o mesmo conteúdo. E esse poder todo é
utilizado como propaganda de autorreferência, o que traz receita. É uma
vulgar propaganda e é convidativa a políticos e a prefeituras alucinadas
por espetacularizar.
Há de se
comentar o bom exercício da secretaria de turismo de Rosário do Sul,
Andrea Ribeiro: a secretária deixou muito claro, na entrevista ao jornal
local, os motivos pela escolha sensata e socialmente inteligente pela
quebra com a RBS. Os motivos são gritantes e parecem ser os mais claros
para receber apoio popular. “O valor pago pelo município na Fase
Regional seria de R$ 60 mil”. A prefeitura decidiu gastar o valor em
esporte.
É só
passar na Praia das Areias Brancas, bairro do município à beira do Rio
Santa Maria, para compensar a dúvida: entre sexta e domingo, jogos
movimentaram o bairro, trouxeram real interesse popular na utilização do
espaço e não discriminam ninguém colocando poucos sobre palcos, entre
câmeras e apresentadores de TV. É só passar na praia e conferir os
jogos, com público de todas as idades, esportistas de cidades da região e
de Rosário, adultos, jovens e crianças. Na plateia, turistas de fora e
comércio popular aquecido.
“A
prefeitura sugeriu que gastar isso em um evento de apenas um dia seria
desnecessário”. Segundo a reportagem, Andrea afirmou o que, para mim,
chegou a assustar: “R$ 60 mil era apenas o valor prefixado e os gastos
excediam esse preço”. Agora vem a parte bruta: “esperávamos a RBS com
toda a estrutura de palco, som, luz e coquetel (privativo), que possuía
um valor elevado. Em caso da candidata ser selecionada, a Secretaria a
acompanhava em todas as fases do concurso, chegando a gastos de mais de
R$ 100 mil. Resolvemos levar esse valor para outros fins, como o
esporte.” A questão que fica é a seguinte: no final das contas, quem
ganhava com a audiência? Prefeituras pagam o custo. É banal e
vergonhoso.
Podemos
dizer que a RBS não obriga ninguém a promover o concurso, muito menos
seria uma política da empresa forçar prefeituras a apostarem em seu
concurso. Ledo engano, é aí que mora a ironia dos monopólios: se a RBS
monta um aparato gigantesco de autopublicidade e autorreferencialidade
nos meses de verão para vender seu concurso, o espaço de publicidade às
cidades é chamativo. Resta o bom senso, como da secretária de Rosário,
que prezou por elevar o número de atividades esportiva e culturais na
praia – para todos.
Se a
cidade investe mais de R$ 100 mil para aparecer na TV através do
concurso, logo, nossos impostos, somados os 100 mil, viram nada mais
nada menos do que patrocínio à empresa. Se é valor economizado pelo
Grupo, e mesmo assim sua audiência se mantém sobre o espetáculo criado,
não deixa de ser patrocínio. Pago por nós. E dos gordos. Se não cabe (?)
questionarmos a empresa pela prática, que se utiliza de leis sujas do
mercado percebidas como naturais, a crítica e o questionamento de nós,
cidadãos, deve se encaminhar às prefeituras, que devem priorizar o
interesse público: é num concurso de beleza que queremos utilizar R$ 100
mil reais de nossos impostos? É para patrocinar um programa de
televisão de um dia na rede de televisão mais rica do sul do país que
pagamos estes impostos? Precisamos discutir nossa carga tributária, sim.
Mas junto, deve estar nossa discussão mais banal: para onde queremos
direcionar nosso caixa? É cargo da população dizer que suas prioridades
não são uma faixa, uma mulher de biquíni e um buquê de flores.
*Jornalista, redator da revista o Viés.
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