O nebuloso cenário dos agrotóxicos no Brasil
Divulgação
mundo desde 2008, ainda são produzidas poucas pesquisas em relação às
implicações do uso de fertilizantes na agricultura, afirma pesquisador
07/07/2014
Por IHU-Online“Ainda
há muita informação a ser gerada para que consigamos ter uma posição
mais assertiva sobre a condição do meio ambiente em relação à
contaminação por agrotóxicos no Brasil”, adverte o engenheiro agrônomo
Robson Barizon.
Apesar de o Brasil ser o maior consumidor de
agrotóxicos do mundo desde 2008, é preciso “gerar muito mais informação
para entender como está o cenário de uso de agrotóxicos no país”, diz
Robson Barizon, um dos autores do estudo “Panorama da contaminação
ambiental por agrotóxicos e nitrato de origem agrícola no Brasil:
cenário 1992/2011”, realizado pela Embrapa neste ano. Segundo ele, ainda
são produzidas poucas pesquisas em relação às implicações do uso de
fertilizantes na agricultura.
“A restrição orçamentária talvez
seja o principal ponto a ser desenvolvido, porque ainda não temos
programas de monitoramento, como seria o ideal. Todos os estados
deveriam ter um programa de monitoramento, considerando suas culturas e
as moléculas mais utilizadas na região, e a partir das conclusões dos
monitoramentos regionais/estaduais, deveriam ser tomadas as medidas para
mitigar os impactos levantados por esses monitoramentos”, pontua, em
entrevista por telefone à IHU On-Line.
Entre as preocupações
envolvendo o uso de agrotóxicos no país, Barizon chama a atenção para a
contaminação da água, “já que a falta de saneamento de esgoto é um
problema sério no Brasil. Esse esgoto tem níveis altos de nitrato, além
de outros problemas microbiológicos, e níveis altos de nitrogênio. Em
pontos próximos às áreas urbanas, é possível observar níveis maiores de
nitrogênio, mas em bacias hidrográficas, onde a influência maior é só da
área agrícola, os níveis de nitrogênio ainda são considerados baixos.
Tendo a agricultura como fonte de contaminação, ainda não constatamos um
problema que leve a ações maiores”. Entre as culturas que contaminam a
água, está a produção de arroz irrigado. “Pelo fato de o arroz irrigado
ser produzido com lâmina d’água, a qual retorna aos corpos d’água,
existe, sim, um risco maior de contaminação nessa cultura do que em
outras. Isso foi constatado em alguns estudos que nós levantamos. Então,
nesse sentido, há, sim, uma preocupação com a cultura do arroz e deve
ser dada mais atenção ao manejo desse produto”, adverte.
Robson
Barizon é graduado em Engenharia Agrônoma pela Universidade Federal do
Paraná – UFPR e doutor em Solos e Nutrição de Plantas pela Universidade
de São Paulo – USP. Atualmente é pesquisador da Embrapa Meio Ambiente de
São Paulo.
Confira a entrevista:
IHU On-Line –
Quais são as principais conclusões do estudo sobre contaminação por
agrotóxicos no Brasil, intitulado “Panorama da contaminação ambiental
por agrotóxicos e nitrato de origem agrícola no Brasil: cenário
1992/2011”? É possível dar um parecer sobre o uso de agrotóxico nas
regiões analisadas? Os níveis de uso de agrotóxicos são aceitáveis ou
ultrapassam o limite permitido?
Robson Barizon – A
principal conclusão a que chegamos com esse trabalho foi a de que ainda
há muita informação a ser gerada para que consigamos ter uma posição
mais assertiva sobre a condição do meio ambiente em relação à
contaminação por agrotóxicos no Brasil.
Pelos trabalhos que
conseguimos levantar [1], os níveis de resíduos ainda são considerados
aceitáveis e estão de acordo com os padrões internacionais
estabelecidos. De todo modo, não foi possível uma conclusão assertiva
sobre o panorama do uso de agrotóxicos no país, considerando a
quantidade restrita de trabalhos encontrados sobre o tema.
IHU On-Line – Quais são os avanços em relação à análise da toxicologia dos agrotóxicos?
Robson Barizon – A
ciência e os métodos estão avançando, inclusive a sensibilidade
analítica dos equipamentos está evoluindo com o tempo. Então, moléculas
que antes não eram detectadas passam a ser detectadas com métodos mais
modernos e com equipamentos mais sensíveis.
IHU On-Line –
Um dos objetivos do estudo foi identificar e avaliar o cenário de uso e
presença de agrotóxicos e fertilizantes nitrogenados no Brasil. Quais
são as principais constatações acerca desse ponto? Quais as ocorrências
de agrotóxicos e de nitrato nas cinco regiões brasileiras analisadas e
em quais culturas esse fertilizante é utilizado?
Robson Barizon –
Hoje a produção agrícola brasileira é quase que completamente pautada
pelo uso desse insumo. Nesse trabalho não foi abordada a intensidade de
uso de cada uma das culturas produzidas no Brasil, mas de forma geral
podemos dizer que os grãos utilizam agrotóxicos em uma intensidade
menor, e culturas com valor agregado maior, como hortaliças e espécies
frutíferas, usam agrotóxicos com uma intensidade maior.
Com
relação ao nitrato, os níveis encontrados em áreas agrícolas foram
baixos e não eram preocupantes. Talvez a preocupação maior seja
realmente com a fonte urbana de contaminação, que é o esgoto não
tratado. Então, no que se refere ao nitrato, há tensão com a fonte
urbana de contaminação, já que a falta de saneamento de esgoto é um
problema sério no Brasil.
IHU On-Line – Então o problema
não está na quantidade de nitrato utilizado nas culturas agrícolas, mas
na falta de tratamento da água?
Robson Barizon – Sim,
porque como os esgotos no Brasil têm um percentual de tratamento muito
baixo, uma parte do esgoto gerado é lançada diretamente nos rios. Esse
esgoto tem níveis altos de nitrato, além de outros problemas
microbiológicos, e níveis altos de nitrogênio. Em pontos próximos às
áreas urbanas, é possível observar níveis maiores de nitrogênio, mas em
bacias hidrográficas, onde a influência maior é da área agrícola, os
níveis de nitrogênio ainda são considerados baixos. Tendo a agricultura
como fonte de contaminação, ainda não constatamos um problema que leve a
ações maiores.
IHU On-Line – Quais são as principais
observações a serem feitas em relação ao uso de agrotóxicos na cultura
de arroz, por exemplo, no RS? Há risco de contaminação dos corpos d’água
que recebem a água da lavoura?
Robson Barizon – Pelo
fato de o arroz irrigado ser produzido com lâmina d’água, a qual
retorna aos corpos d’água, existe, sim, um risco maior de contaminação
nessa cultura do que em outras. Isso foi constatado em alguns estudos
que nós levantamos. Então, nesse sentido, há, sim, uma preocupação com a
cultura do arroz e deve ser dada mais atenção ao manejo desse produto.
IHU On-Line – É alto o índice de uso de agrotóxicos na produção de arroz?
Robson Barizon –
É alto, sim, o índice de uso de agrotóxico nessa cultura. Mas nós só
incluímos na pesquisa os trabalhos que encontramos, os quais já mostram
que existe um potencial de contaminação. Existem algumas iniciativas do
Estado do Rio Grande do Sul para acompanhar a situação, porque realmente
é necessário, uma vez que existe um uso intensivo de agrotóxicos na
produção de arroz e a água utilizada para a irrigação retorna aos rios,
aos corpos d’água.
IHU On-Line – O estudo aponta que na
região Nordeste o uso de agrotóxicos é intenso por conta da produção de
frutas para exportação. Quais são as frutas cultivadas a base de
agrotóxicos? Nesse caso há um controle do uso de agrotóxico por conta da
fiscalização do mercado externo?
Robson Barizon – A
produção de frutas lá é praticamente feita de forma irrigada e
basicamente é feita no Vale do Rio São Francisco. As principais culturas
ali cultivadas são mamão, uva de mesa e melão. Só que nesse caso os
níveis de agrotóxico são bastante controlados porque os países
importadores têm normas rígidas de controle. Então, pelo menos nessas
áreas existe um cuidado com o uso de agrotóxicos para que não
ultrapassem os limites aceitáveis no fruto, porque os países que
importam, geralmente países da Europa e do Hemisfério Norte, também
fazem o controle.
IHU On-Line – Alguns aquíferos já
apresentam indícios de contaminação por conta do uso de agrotóxicos? A
pesquisa menciona uma preocupação com os aquíferos de Serra Grande e
Poti-Piauí, no Piauí?
Robson Barizon – Nesse
caso nós levantamos a informação e o cuidado preventivo que deve
existir com esses aquíferos. Muitos aquíferos estão protegidos por uma
camada de rocha impermeável, que funciona como uma barreira, mas os de
Serra Grande e Poti-Piauí são aquíferos livres, ou seja, eles chegam até
a superfície do solo, então o potencial de contaminação deles é alto.
Porém, isso não quer dizer que eles já estejam contaminados. Nas áreas
desses aquíferos existe o uso de agrotóxicos, mas apenas o uso não
indica que haja contaminação, porque se podem selecionar moléculas —
essa é uma das formas de se evitar a contaminação — que tenham menor
solubilidade em água.
Existe uma variedade muito grande de
moléculas, de propriedades físico-químicas de moléculas. Se, nessas
situações, forem selecionadas moléculas que não sejam muito solúveis em
água, que não vão ser transportadas junto com a água, que vão ficar
retidas na superfície do solo, onde se precisa fazer o controle do
fungo, da planta daninha, do inseto, então o risco de contaminação é
bastante reduzido. Portanto, trata-se mais de um alerta para que sejam
tomadas medidas de prevenção em relação aos aquíferos. No Brasil ainda
não há indicativo de que qualquer aquífero esteja contaminado.
IHU
On-Line – Na região Centro-Oeste, chama a atenção na pesquisa a redução
entre 40 e 50% dos teores de matéria orgânica dos solos cultivados em
relação aos solos virgens. Quais as implicações do uso de agrotóxico
para o solo?
Robson Barizon – Principalmente
onde a vegetação natural era mata, com grande porte de biomassa, quando
foi feita a retirada dessa mata e foi introduzida a atividade agrícola,
os níveis de material orgânico diminuíram. Isso aconteceu no Rio Grande
do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, quando se reduziu a Mata
Atlântica para a expansão da agricultura, ou seja, os níveis de carbono
foram reduzidos. Como um dos mecanismos de retenção dos agrotóxicos do
solo é a retenção pela matéria orgânica, se o nível de matéria orgânica é
reduzido, a retenção é menor.
O plantio direto, que foi adotado a
partir da década de 1990 e se expandiu no Brasil, vai no caminho
contrário; ele aumenta novamente os níveis de carbono. Então, medidas
como essa, utilizadas na agricultura onde houve decréscimo dos níveis de
matéria orgânica de carbono, possibilitam que se atinjam novamente os
níveis iniciais de matéria orgânica ou, pelo menos, que se elevem esses
níveis.
IHU On-Line – Como tem se dado o processo de
recolhimento das embalagens de agrotóxicos? Qual a situação do Brasil em
relação à logística reversa?
Robson Barizon – Esse
é um motivo de orgulho para o Brasil, porque o país é referência
mundial em logística reversa. Foi criado o Instituto para o
Desenvolvimento Social e Ecológico – Idese, o órgão responsável pela
organização e execução dessa atividade. O Brasil recolhe acima de 80,
90% das embalagens e é o líder mundial nesse quesito, ou seja, é o país
que consegue recolher o maior índice de embalagens de agrotóxicos que,
se ficarem na propriedade, no campo, têm um potencial alto de
contaminação tanto para o trabalhador quanto para o meio ambiente.
IHU
On-Line – Na pesquisa vocês mencionam que apesar de o uso de agrotóxico
ter crescido consideravelmente no país, ainda há pouca pesquisa sobre o
assunto. Quais as razões? E que tipo de estudo e monitoramento deveria
ser feito para se ter um panorama do uso de agrotóxicos no país?
Robson Barizon – Esse
é um processo lento e gradual. A legislação que trata da regulamentação
do uso de agrotóxicos no Brasil tem avançado, inclusive nos últimos 20
anos. Mas o acompanhamento acerca do uso de agrotóxicos exige
investimento, porque são análises caras. Então, a restrição orçamentária
talvez seja o principal ponto a ser desenvolvido, porque ainda não
temos programas de monitoramento, como seria o ideal.
Todos os
estados deveriam ter um programa de monitoramento, considerando suas
culturas e as moléculas mais utilizadas na região, e a partir das
conclusões dos monitoramentos regionais/estaduais, deveriam ser tomadas
as medidas para mitigar os impactos levantados por esses monitoramentos.
IHU On-Line – Qual é a alternativa aos agrotóxicos? É possível pensar no desenvolvimento agrícola sem o uso desses produtos?
Robson Barizon – Uma
agricultura sem o uso de agrotóxicos não é possível; seria uma
perspectiva utópica. Mas podemos avançar muito mais para reduzir o uso
desses produtos. Nesse sentido, deve-se trabalhar em duas frentes:
constatado o fato de que é preciso fazer uso dessa substância, então
temos de controlá-la e monitorá-la; além disso, podemos fazer o uso
racional dessas substâncias, utilizando-as somente quando for
necessário.
Temos muito a avançar, por exemplo, no controle
biológico, no uso de agentes biológicos para controlar outras pragas,
quer dizer, se usa um inseto para controlar outro inseto, se usa um
microrganismo para controlar outro inseto. Esse tipo de prática deveria
ser mais estudado e desenvolvido no Brasil. Em relação à tecnologia de
aplicação, é importante usar equipamentos com a regulagem correta para
aquela condição de uso, para que se evitem perdas para a atmosfera, para
que se evite a contaminação de áreas que não aquelas onde a lavoura
está instalada. Então, há uma série de práticas que podem reduzir a
quantidade de agrotóxico utilizada.
Hoje, o Brasil é o maior
consumidor de agrotóxicos do mundo, tomando o posto que antes era
ocupado pelos Estados Unidos, e a tendência é de alta. Então, todas
essas medidas poderiam reverter essa tendência de aumento de consumo e
trazer a agricultura brasileira para níveis mais sustentáveis.
NOTA
[1]
O estudo “Panorama da contaminação ambiental por agrotóxicos e nitrato
de origem agrícola no Brasil: cenário 1992/2011” foi realizado com base
na análise de pesquisas acadêmicas sobre o uso de agrotóxicos no período
de 1992 a 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário