Escrito por Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação do CORREIO DA CIDADANIA |
Mais uma vez o calendário eleitoral girou e volta a se fazer
presente. Saturados por praticamente duas décadas de tucanato no estado,
com forte hegemonia também na capital, os paulistanos irão às urnas em 7
de outubro eleger vereadores e votar o primeiro turno da disputa pela
prefeitura.
Em entrevista ao Correio da Cidadania, Ivan Valente, deputado
federal pelo PSOL (a bancada mais bem avaliada da Câmara Federal),
qualificou os atuais processos eleitorais como “uma competição
artificial de propostas, sem aquelas que seriam mais elaboradas e
situadas numa realidade concreta”.
Para ele, obviamente por conta dos milionários financiamentos
privados que comprometem quaisquer campanhas e mandatos, “a eleição
virou, em muitos casos, uma competição de produtos. Os candidatos
inventam produtos, como esses vales, bilhetes únicos, apresentam
números, um conjunto de promessas e anúncios que não discutem com rigor
qual seria a proposta para a cidade”.
Valente lamenta ainda a capitalização do vazio político pelo
conservadorismo de Celso Russomano (“uma candidatura avulsa, sem nenhuma
movimentação real da sociedade civil, mas com destaque na mídia”),
ainda que acredite numa reviravolta de um de seus dois prováveis
adversários no segundo turno, Serra ou Haddad, por conta do poder
econômico de suas campanhas.
Por fim, critica o monopólio do mensalão nas discussões da mídia,
que em sua opinião “deforma o processo eleitoral”, por ser “monopólica,
concentrada, com uma visão de pensamento único”. Mesmo assim, Ivan
Valente não acredita que o julgamento do escândalo que abalou o PT em
2005 tenha valor preponderante. Mas espera que mais adiante seja
capitalizado à esquerda no eleitorado nacional.
Correio da Cidadania: Como você tem visto o atual processo
eleitoral em nosso país, no que diz respeito às campanhas municipais,
seu conteúdo e as propostas mais repercutidas? Acredita que tem
despertado real interesse na população?
Ivan Valente: O processo eleitoral brasileiro só
gera um grande interesse público na reta final, o que novamente acontece
em 2012. Mas neste ano há um agravante, pois a grande mídia brasileira
está tratando de forma bastante monopolista o julgamento do mensalão,
transmitido ao vivo e ocupando grande parte do noticiário com o assunto.
Isso está causando uma interferência grande nas atenções do momento.
Não sei qual vai ser o impacto geral do processo julgado pelo STF. Algum
impacto terá, mas não sei o quanto. De toda forma, ocupa um espaço
político grande demais. E de resto, o povo costuma se interessar pelas
eleições mais na reta final.
Correio da Cidadania: O que o conteúdo programático dessas
campanhas, no geral, diz a respeito de nosso momento político? Os temas
mais urgentes da vida das cidades estão sendo realmente contemplados?
Ivan Valente: Acho que a eleição virou, em muitos
casos, por causa da marketagem política, uma competição de produtos. Os
candidatos inventam produtos, como esses vales, bilhetes únicos,
apresentam números, como “triplicar a guarda municipal”, um conjunto de
promessas e anúncios que não discute com rigor qual seria a proposta
para a cidade. A dívida pública municipal seria pauta importante, assim
como a publicidade da arrecadação real, também em termos de sonegação e
evasão fiscal. E aí sim as prioridades poderiam ser definidas, baseadas
na realidade da cidade, tratando assuntos como transportes e educação,
por exemplo, e recebendo mais recursos e iniciativas. Mas, da forma
atual, fica uma grande competição marketeira pra conquistar o voto do
eleitor, ainda mais em relação aos partidos que têm muito tempo na
televisão. Uma competição artificial de propostas, sem aquelas que
seriam mais elaboradas e situadas numa realidade concreta.
Correio da Cidadania: Como analisa especificamente o processo eleitoral na cidade de São Paulo?
Ivan Valente: Em São Paulo sofremos com a realidade
específica da cidade, que concentra a sede, o núcleo duro dos maiores
partidos que têm competido nacionalmente, PT e PSDB. De fato, há uma
disputa cansativa nesse contexto. O PSDB é um partido que já “enjoou”,
pois há uma grande rejeição a seu candidato, Serra, com os tucanos há 18
anos governando o estado nessa supremacia neoliberal. E as propostas
petistas perderam apelo.
Infelizmente, esse fato não é explorado pela esquerda, mas exatamente
por alguém que se apresenta como novo sem ser novo. O Russomanno é uma
candidatura quase avulsa, de certa forma uma aventura que a cidade está
se dispondo a correr, também beneficiada pelo cansaço das propostas
apresentadas pelos outros. O povo de São Paulo não acredita nas
propostas, pois vê que a moradia não se resolve, o trânsito continua
entupido, entre outras questões atuais. A população é iludida com uma
proposta que parece ser nova, mas não tem estrutura, não é baseada numa
movimentação real da sociedade civil. Porém, conta com bastante destaque
midiático.
Essa é a situação predominante, com boa chance de o Russomano se
eleger, porque, ao passar pelo primeiro turno, o concorrente do PT ou
PSDB que ficar de fora do segundo turno tende a despejar nele seu apoio.
Mas ainda faltam 15 dias e o PT e o PSDB têm muito tempo de TV e muitos
recursos, marketing. Como tem muita grana envolvida, ainda é
precipitado fazer o prognóstico.
Correio da Cidadania: De modo que o fenômeno Russomano é um
evidente fruto do vazio de ideias no debate político e desse “enjoo” da
população.
Ivan Valente: Sim, aqui em São Paulo o vazio vem
dessa hegemonia tucana somada ao desgaste do petismo. Infelizmente, nós
ainda não conseguimos nos apresentar com uma opção real de esquerda. E
mesmo candidaturas que podem tentar se apresentar como alternativas não
tiveram poder pra alçar voos mais altos.
Correio da Cidadania: Um personagem marcante destas eleições
é, sem dúvida, como você mesmo já salientou, o chamado mensalão – na
cidade de São Paulo, explicitamente explorado pelo tucanato em sua
disputa voto a voto com o petismo para a chegada ao segundo turno. Teria
algo a dizer sobre o mensalão? Terá algum impacto nos resultados
eleitorais, especificamente na corrida do PT às prefeituras?
Ivan Valente: Acredito que na reta final, com a
condenação de algumas figuras públicas do PT, vai ter alguma influência,
até pela forma saturada como a mídia trata a questão. Não creio que
seja o elemento definidor, mas, pela mídia e por calhar justo na reta
final, quando o eleitor fica mais atento aos candidatos, algum efeito
vai ter. Espero que o efeito seja pelo lado da esquerda, que consigamos
capitalizar, digamos, os erros do PT. Que a capitalização não seja pela
direita, pela lógica que o PSDB e DEM tentam aplicar. Que o voto petista
originário migre para uma condição de esquerda, nacionalmente. Mas não
será simples fazer isso imediatamente. Possivelmente, o desdobramento
será futuro.
Correio da Cidadania: O que pensa da campanha de Giannazi, candidato de seu partido à prefeitura de São Paulo?
Ivan Valente: É uma campanha difícil, uma vez que há
uma concorrência muito forte, e não se tem conseguido romper o cerco
das precariedades do PSOL, como, por exemplo, o tempo de TV. Além disso,
é preciso fazer um embate mais calibrado contra os competidores que se
pretende atingir. Houve algumas falhas nesse sentido. Creio que
deveríamos tentar ganhar o voto mais consciente da sociedade, o voto
frustrado do PT, mas, para tal, precisaria de um calibre político
voltado à questão. Talvez houvesse um manancial de votos a ser explorado
de forma mais substantiva. De resto, a campanha tem dificuldades
naturais ao PSOL. Não conseguiu o destaque de outros locais, como Rio de
Janeiro, Belém, Macapá, Fortaleza, onde o desempenho é bom.
Correio da Cidadania: Já que falamos de outras capitais,
faria uma comparação entre a campanha de Giannazi por aqui e a que tem
se desenrolado por parte do PSOL no Rio (capital), onde a candidatura de
Freixo cresceu e se entusiasmou com uma grande adesão de camadas
progressistas?
Ivan Valente: Não quero fazer comparações, pois não
creio que seja o momento. Há outras questões complexas envolvidas. O que
quero dizer é que a campanha do Freixo tem solidez política, entrou no
vazio da direita carioca, bastando ver o Garotinho, Cesar Maia, seus
correligionários, o PSDB, com desempenho bem baixo. Além disso, empolgou
a intelectualidade do Rio de Janeiro, empolgou os artistas e ganhou um
grande apelo na juventude carioca. É uma candidatura que pode
surpreender e até chegar ao segundo turno, o que não depende só do PSOL a
essa altura, mas também dos outros partidos. O desempenho do PSOL já é
considerado excepcional na segunda cidade do país, até pela simbologia
que carrega o Rio de Janeiro. É uma candidatura que conseguiu empolgar,
tendo consistência política.
Correio da Cidadania: Como tem visto, no geral, a atuação das
correntes mais à esquerda no espectro político no atual cenário
eleitoral? Estão conseguindo se colocar à altura dos desafios que se
esperam para iniciar um debate e postura alternativos, de forma a
avançar efetivamente no enfrentamento das questões sempre negligenciadas
e que, de fato, afetam a população?
Ivan Valente: Acho que onde temos um acúmulo maior
tivemos condição de colocar melhor o nosso ponto de vista. Com um
candidato forte, conseguimos destaque, como em Belém, onde nosso
candidato já governou o estado por oito anos, ou como em Macapá, onde,
além de nosso candidato estar muito bem colocado, conta com o apoio do
Randolfe Rodrigues, nosso senador, que tem 80%, 90% de aceitação no
estado. Em Fortaleza acontece o mesmo, com o Renato Roseno. São todas
figuras que dão relevo ao partido. Onde as candidaturas são mais
expressivas, é mais fácil trazer o apoio popular ao PSOL.
Fora isso, o partido tem sido ajudado pelo reconhecimento da bancada
federal, pela sua atuação, pelos temas que aborda, pela ética política, o
que o ajuda nacionalmente. Tem havido um reconhecimento, mas não é
fácil competir com as máquinas e o marketing político nas grandes
cidades. Ainda faltam maior inserção social e chapas mais fortes para
vereador, apresentando pelo Brasil inteiro candidaturas que tenham
presença na população.
Correio da Cidadania: E o que dizer, neste contexto, dos
partidos hoje mais representativos da esquerda, além do PSOL, PSTU e PCB
entre alguns mais conhecidos? O que singularizaria cada um deles no
atual cenário, e qual a sua expectativa quanto ao saldo que deverão
deixar?
Ivan Valente: Eu diria que esses outros partidos se
destacam nas eleições em muito menor escala. A única candidatura do PSTU
que ganhou destaque é, inclusive, em aliança com o PSOL, em Aracaju,
onde há certo vácuo; outro exemplo é do PCB em Recife, também aliado ao
PSOL. Mas não chega a ser tão relevante. Creio que, por não terem
representação institucional, e também por suas posições muito
doutrinárias, têm dificuldades no processo eleitoral. Mais dificuldades
que o PSOL, embora também tenhamos muitas.
Correio da Cidadania: Arriscaria um palpite sobre os resultados do 1º turno: Russomano versus Serra ou versus Haddad?
Ivan Valente: Nesse momento ainda acho melhor
esperar pesquisas. É muito provável que o Russomano já esteja lá, basta
não cometer nenhum erro gravíssimo. Mas não há nada definitivo ainda.
Correio da Cidadania: De todo modo, considerando-se que, em
um segundo turno, Serra ou Haddad disporiam de artifícios e recursos
suficientes para passar à frente de Russomano, qual das duas
alternativas significaria uma relação um pouco menos truculenta e
insensível com a população mais periférica e desfavorecida
economicamente?
Ivan Valente: Apesar de todas as críticas
contundentes que temos ao PT, certamente o programa do PT tem mais
consistência. Mas não quer dizer que o PSOL se definirá nessa direção no
segundo turno. É bem provável que opte por um voto mais progressista,
contra o neoliberalismo privatista, apesar de o PT também enveredar por
tais caminhos. E o Russomano é uma incógnita, não faz parte de um
partido que possui projeto, um verdadeiro programa por trás.
Se fizermos um balanço do que foi o PT no governo da Erundina e mesmo
da Marta, pode-se dizer que foi melhor. Não grande coisa, mas a
Erundina foi bem, sim, era da época em que o PT ainda “estava na briga”;
com a Marta, foram maiores os percalços.
Correio da Cidadania: Você fez referências à mídia e ao
destaque que vem dando ao chamado mensalão. O que pensa do papel que a
mídia tem exercido nesse processo eleitoral?
Ivan Valente: A mídia brasileira certamente é
monopólica, concentrada, com uma visão de pensamento único. De certa
forma, ela deforma o processo eleitoral. As chances e espaço para os
candidatos e ideias não são iguais, as informações não são fidedignas e a
mídia, por fim, tem lado. Portanto, eu diria que é pouco democrática a
cobertura que a mídia realiza.
Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
‘Por causa do marketing, a eleição virou uma competição de produtos’
terça-feira, 25 de setembro de 2012
Mais uma traição da CNTE contra os trabalhadores em Educação...
Direção da CNTE decide aceitar alteração na Lei do Piso
Para ajudar os governos, a direção da
CNTE abre mão de defender índice do custo aluno do FUNDEB e concorda
que a Lei do Piso seja alterada
Em uma decisão burocrática, e
contrária à luta dos educadores de todo o País, a direção da
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) aprovou, em
reunião do Conselho Nacional de Entidades, uma proposta de alteração do
índice de reajuste do Piso Nacional para negociar no Congresso Nacional.
Aceitando argumentos absurdos, a CNTE admite a retirada do critério de
correção que valoriza o Piso dos educadores.
Essa decisão ocorreu em uma reunião de dirigentes da Entidade, durante a realização da 8º Conferência Nacional de Educação da CNTE. A partir dessa decisão, a Conferência passou a debater centralmente esse tema. Muitos educadores presentes manifestaram a sua discordância frontal com a decisão e outros argumentaram que ela fragiliza a luta nacional contra os ataques dos governadores à Lei do Piso.
No entanto, os principais dirigentes da CNTE afirmavam que “dirigente foi eleito para decidir” e que “a luta pela manutenção do custo aluno já estava derrotada”! Os dirigentes do CPERS/Sindicato manifestaram publicamente o seu repúdio a essa atitude e afirmaram que, na verdade, essa decisão tinha relação com os vínculos que a CNTE mantém com os governos. Ou seja, mais uma vez os trabalhadores em educação poderão sofrer perdas pela postura de conivência da direção da CNTE com o governo federal.
A direção do CPERS/Sindicato apresentou, em forma de emenda ao documento da Conferência, uma crítica (ver abaixo) à resolução da CNTE. Essa emenda não foi aprovada, mas teve apoio de diversos educadores presentes ao encontro, que expressaram sua surpresa e descontentamento com os rumos da Confederação.
Essa decisão ocorreu em uma reunião de dirigentes da Entidade, durante a realização da 8º Conferência Nacional de Educação da CNTE. A partir dessa decisão, a Conferência passou a debater centralmente esse tema. Muitos educadores presentes manifestaram a sua discordância frontal com a decisão e outros argumentaram que ela fragiliza a luta nacional contra os ataques dos governadores à Lei do Piso.
No entanto, os principais dirigentes da CNTE afirmavam que “dirigente foi eleito para decidir” e que “a luta pela manutenção do custo aluno já estava derrotada”! Os dirigentes do CPERS/Sindicato manifestaram publicamente o seu repúdio a essa atitude e afirmaram que, na verdade, essa decisão tinha relação com os vínculos que a CNTE mantém com os governos. Ou seja, mais uma vez os trabalhadores em educação poderão sofrer perdas pela postura de conivência da direção da CNTE com o governo federal.
A direção do CPERS/Sindicato apresentou, em forma de emenda ao documento da Conferência, uma crítica (ver abaixo) à resolução da CNTE. Essa emenda não foi aprovada, mas teve apoio de diversos educadores presentes ao encontro, que expressaram sua surpresa e descontentamento com os rumos da Confederação.
EM DEFESA DO PSPN – DIREITO CONQUISTADO PELOS TRABALHADORES NÃO SE NEGOCIA
Apenas alguns dias após o ingresso da
Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.848, movida por seis governadores
contra a Lei do Piso Nacional, os trabalhadores em educação de todo o
País estão sendo surpreendidos com uma decisão do Conselho Nacional de
Entidades da CNTE de aceitar alterações no critério de reajuste definido
pela Lei.
Consideramos essa decisão um grave erro pelos seguintes motivos:
1) A Lei 11.738/08 já foi aprovada, sancionada e sua constitucionalidade já foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal, não cabendo mais recursos aos governos. Portanto, o cumprimento do Piso Nacional é um direito dos educadores de todo o País, do qual não há qualquer razão para abrirmos mão.
2) Além de aceitar a retirada de um direito conquistado, fruto de uma luta histórica dos educadores de todo o País, a decisão da direção da CNTE fortalece o ataque promovido pelos governadores e o discurso de que é inviável o cumprimento da Lei do Piso.
3) Não cabe à CNTE e ao movimento sindical propor alterações que signifiquem retrocesso nos direitos e na vida profissional dos educadores. Ao contrário, deveria ser papel de nossa Entidade buscar ampliar as conquistas e rechaçar os ataques dos governos.
4) Por fim, consideramos antidemocrática uma decisão tomada sem a ampla participação dos trabalhadores. Essa decisão afeta um direito de centenas de milhares de educadores, que sequer tomaram conhecimento do debate feito pelos dirigentes da CNTE.
Consideramos essa decisão um grave erro pelos seguintes motivos:
1) A Lei 11.738/08 já foi aprovada, sancionada e sua constitucionalidade já foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal, não cabendo mais recursos aos governos. Portanto, o cumprimento do Piso Nacional é um direito dos educadores de todo o País, do qual não há qualquer razão para abrirmos mão.
2) Além de aceitar a retirada de um direito conquistado, fruto de uma luta histórica dos educadores de todo o País, a decisão da direção da CNTE fortalece o ataque promovido pelos governadores e o discurso de que é inviável o cumprimento da Lei do Piso.
3) Não cabe à CNTE e ao movimento sindical propor alterações que signifiquem retrocesso nos direitos e na vida profissional dos educadores. Ao contrário, deveria ser papel de nossa Entidade buscar ampliar as conquistas e rechaçar os ataques dos governos.
4) Por fim, consideramos antidemocrática uma decisão tomada sem a ampla participação dos trabalhadores. Essa decisão afeta um direito de centenas de milhares de educadores, que sequer tomaram conhecimento do debate feito pelos dirigentes da CNTE.
Fonte: 14] núcleo do CPERS
Marcadores:
America Latina,
centrais sindicais,
Cpers,
educação
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
Juremir: “Muitos comemoram a Revolução mas não conhecem sua história”
Samir Oliveira no SUL21
O jornalista e historiador Juremir Machado da Silva publicou em 2010 o
livro “História Regional da Infâmia”, no qual relata, através de
documentos, uma série de fatos pouco divulgados sobre a Revolução
Farroupilha. Dentre eles, o de que ela foi financiada com a venda de
negros.
Nesta entrevista ao Sul21, Juremir fala sobre as
constatações do livro e o processo de mitificação que se deu em cima da
história da revolução. “Os republicanos positivistas tinham noção de que
uma identidade se constrói a partir de um mito fundador. Era preciso
uma mitologia época para construir essa unidade”, explica.
Bastante criticado por expor visões “pouco gloriosas” sobre a
Revolução Farroupilha – um dos principais elementos na construção da
imagem do gaúcho brasileiro -, o jornalista conta que muitos
historiadores deixam de pesquisar o tema por causa da repercussão
negativa e hostil de seus trabalhos no Rio Grande do Sul. “Recebi
e-mails e torpedos de pessoas dizendo que iam me capar. Senti
hostilidade em muitas situações”, comenta.
“Ninguém tinha dito que a Revolução Farroupilha se financiou com a venda de negros no Uruguai”
Sul21 – Como surgiu a ideia de escrever “A História Regional da Infâmia”?
Juremir Machado – Por muitas razões. Uma delas é a
inconformidade com esse culto tradicionalista mal embasado em fatos
históricos. Como fiz faculdade de História, tinha acompanhado desde
sempre as polêmicas provocadas, primeiro, pelo Tau Golim. Em seguida,
por Moacyr Flores, Mário Maestri, Décio Freitas… Todos os historiadores
que mexeram com isso foram muito atacados, criticados e, às vezes, até
estigmatizados. Mas em determinado momento me veio a ideia de fazer um
livro, na medida em que comecei a encontrar documentos que me pareciam
interessantes. Um grande amigo meu, Luiz Carlos Carneiro, que tinha sido
meu professor de História no cursinho universitário, lá por 1980, tinha
se tornado diretor do Arquivo Histórico do RS, que tinha todo o acervo
sobre a Revolução Farroupilha. Então pude fazer a pesquisa com toda a
tranquilidade. E as pessoas que trabalhavam lá me ajudaram muito fazendo
transcrição de documentos.
Sul21 – Quanto tempo durou a pesquisa?
Juremir - Eu li toda a bibliografia existente e fui às
fontes. Li mais de 15 mil documentos e trabalhei com mais de 12 pessoas.
Foram três anos de pesquisa com estagiários, bolsistas de iniciação
científica, pessoas que contratei em Pelotas, no Rio de Janeiro e em
Porto Alegre. Debulhamos 15 mil documentos, alguns que nunca tinham sido
trabalhados.
Sul21 – Que tipo de reações o livro provocou?
Juremir - Meu livro provoca dois tipos de polêmica:
aqueles que dizem que tudo é falso e que eu preciso estudar mais; e
aqueles que dizem que o livro não traz nada de novo. Isso é falso. É
claro que o livro não parte de coisas que ninguém nunca tinha examinado,
mas aprofunda muitas dessas coisas e descobre coisas novas. Eu chamo de
documento infame toda a documentação referente ao financiamento da
Revolução Farroupilha, à compra de munição, de fardamento, de
alimentação com a venda de escravos no Uruguai. Ninguém tinha dito que,
em determinado momento, por obra de Domingos José de Almeida, a
Revolução Farroupilha se financiou com a venda de negros no Uruguai. Em
algum momento se falou que teriam vendido alguns negros para comprar uma
impressora para o jornal “O Povo”. A venda de negros para financiar a
revolução gerou, inclusive, um processo judicial. Depois que deixou de
ser ministro da Fazenda, Domingos José de Almeida entrou na Justiça da
República pedindo o ressarcimento de tudo o que tinha investido. Ele
detalha, briga, insulta e polemiza. Quer de volta o dinheiro dos negros
que vendeu. Ele dá os nomes e todas as informações sobre as vendas.
Sul21 – Como era a relação dos líderes da revolução com os
negros? Havia uma retórica pretensamente abolicionista e uma prática
diferente?
Juremir – Todos eram proprietários de escravos e viviam
em uma sociedade escravista. Então eles podiam ser escravistas, seriam
simplesmente homens de seu tempo. Mas em outros lugares estavam
acontecendo revoltas pela libertação dos negros, como no Maranhão. No
Uruguai e na Argentina, o processo de libertação dos negros estava muito
mais acelerado. Era um tempo de escravismo, mas não da mesma maneira em
todos os lugares. Falamos de Rivera e de Rosas como se fossem caudilhos
hediondos, mas eles eram muito mais avançados, progressistas e
iluministas. Nossos fazendeiros gostavam de se aliar com eles, mas
tinham medo das coisas que eles faziam, como reforma agrária e
libertação de negros. Eles eram muito mais adiantados e “perigosos”
nesse sentido.
“Os farroupilhas não eram abolicionista e não pretendiam ser. Só queriam usar os negros”
Sul21 – Há o mito consagrado de que os farroupilhas eram abolicionistas.
Juremir - Não, eles não eram. Talvez um ou dois
tivessem algum ardor nesse sentido. Mas a maioria não era. Eles
prometeram liberdade para os negros dos adversários que aceitassem ser
incorporados como soldados. Era uma forma de atrair mão de obra militar.
Mas os escravos dos próprios farroupilhas continuaram nas fazendas
trabalhando para que eles pudessem fazer a guerra. Quando a Revolução
acabou e eles voltaram para casa, continuaram escravistas. Quando Bento
Gonçalves morre, deixa um inventário com 53 escravos aos seus herdeiros.
Escravos valiam muito. Ele morreu rico, com terras, fazendas e
escravos. Quando fizeram, em Alegrete, o texto da Constituição, ela não
previa a libertação dos escravos. Se eles tivessem vencido e a
Constituição entrado em vigor, o Rio Grande do Sul continuaria sendo uma
sociedade escravista. Eles não tinham nada de abolicionistas. Claro, em
determinado momento, com a mão de obra militar minguando –
principalmente quando o Império começou a mandar mais gente -, tiveram
de recorrer aos negros dos adversários. O Domingos José de Almeida, além
de ter vendido seus negros ao Uruguai para financiar a revolução, para
ele mesmo se sustentar como ministro da Fazenda e cérebro da revolução,
continuava alugando outros negros no Uruguai e vivendo das rendas desse
aluguel. Os negros trabalhavam no Uruguai para que ele pudesse ser o
chefe revolucionário. Existem muitos exemplos de situações mais
adiantadas de libertação de escravos. No Brasil, no Uruguai, na
Argentina, no Chile… Simón Bolivar tinha libertado os escravos. A
libertação de escravos estava acontecendo com frequência. Rivera fez
isso e nós não. Os farroupilhas não eram abolicionista e não pretendiam
ser. Só queriam usar os negros.
Sul21 – Teve o episódio da batalha de Porongos…
Juremir - É curioso… Muitos historiadores reconhecem
que houve traição em Porongos, mas não demonstram como isso ocorreu. A
maior parte dos historiadores que examina Porongos pula essa etapa. Em
determinado momento essa traição era negada. Como os líderes
farroupilhas tinham prometido liberdade aos negros dos adversários, com o
fim da revolução começam a ficar preocupados e receosos de que os
negros possam querer se vingar caso isso não ocorra. Era um contingente
expressivo de escravos. Então os líderes farroupilhas estavam numa
contradição, já que esses negros pertenciam a adeptos dos imperiais, que
os queriam de volta. Foi aí que veio aquela ideia “maravilhosa” de
diminuir esse contingente ao máximo e fazer um pacto para eliminá-los. A
cilada de Porongos chega a ser simplória. Os negros foram realmente
desarmados e dizimados. Canabarro recebeu o aviso de um possível ataque e
desarmou os homens, foi tudo muito preparado. Um outro aspecto que o
meu livro vai adiante é em relação ao destino dos negros farrapos. Nem
todos morreram. Sobraram alguns deles. Uns escaparam, conseguiram fugir a
cavalo, e muitos caíram prisioneiros. Sempre se discutiu o que teriam
feito com esses negros. Os farroupilhas dizem que Caxias libertou todos,
incorporou ao Exército e conferiu a eles uma condição quase de
enobrecimento. E alguns diziam que eles tinham sido enviados para o Rio
de Janeiro, para a fazenda imperial Santa Cruz.
Sul21 – O que aconteceu?
Juremir - Fui atrás e consegui documentos mostrando
para onde eles foram. Eles foram entregues pelos farroupilhas e foram
transportados. Consegui documentos sobre como eles foram transportados,
até com o nome do navio. Eles foram para o Rio de Janeiro, para o
arsenal da Marinha.
“A Revolução Farroupilha foi feita pela Farsul da época com os métodos das Farc”
Sul21 – Politicamente, havia alguma unidade entre os líderes da revolução?
Juremir - Era um saco de gatos. Antes de 1835 havia
gente que oscilava. Bento Gonçalves, por exemplo, era um monarquista,
não era republicano. Neto não era republicano. Bento Gonçalves tinha
pendores para fazer uma associação com o Uruguai. Ele se relacionava com
o Rivera e pensava, volta e meia, em uma perspectiva de junção com o
Uruguai. Mas também não era algo muito convicto. Em 1834 aconteceu a
principal causa da Revolução Farroupilha: um surto de carrapatos que
devorou o gado. Os fazendeiros ficaram com um prejuízo enorme e fizeram
exatamente como os pecuaristas fazem hoje em dia: quiseram repassar o
prejuízo ao Império. Mas essa ajuda do governo central não vinha. Por
outro lado, havia um contexto de muitos militares no Rio Grande do Sul.
Em 1831, quando Dom Pedro I abdicou, muitos militares foram mandados
para cá, numa espécie de geladeira, porque tinham se insubordinado.
Então se juntam esses militares cansados e insatisfeitos com os
fazendeiros que se sentiam prejudicados pelo Império. No começo das
conspirações, eles só desejam que o Império atenda às suas
reivindicações. Alguns querem ver reconstituída sua dignidade militar e
serem transferidos para outros lugares. Nossos fazendeiros queriam
atendimento às suas reivindicações econômicas. O movimento vai ganhando
vida e eles não conseguem mais recuar. Em determinado momento, surge a
perspectiva da República, que nenhum dos líderes tinha em mente. No meu
livro, publico uma carta que Neto enviou aos vereadores de Pelotas. Ele,
que tinha proclamado a República, disse “não sou republicano”. Eles não
eram republicanos, mas aos poucos foram sendo empurrados para aquela
situação e acabaram proclamando uma República que o Império nunca
reconheceu. Para o Império, sempre se tratou apenas de uma província
rebelada.
Sul21 – E por que a guerra durou tanto tempo?
Juremir - Quando os liberais estavam no poder, no
período regencial, eles, no fundo, gostavam dessa gente daqui. Eles não
queriam mandar muito efetivo para cá e deixaram a Revolução correr.
Quando finalmente Dom Pedro II ganha a maioridade e os conservadores
assumem o poder e passam a ter o primeiro ministro, eles enviam muito
efetivo para o Rio Grande do Sul. Então por volta de 1842 já está
liquidada a fatura. A revolução se transforma em uma guerra de
guerrilhas. Os farroupilhas começam a fugir para todos os lados e, de
vez em quando, fazem algumas emboscadas. Quando a coisa ficava muito
pesada, todo mundo se refugiava no Uruguai. Foi uma guerra de guerrilhas
na qual o exército imperial ficava atrás dos rebeldes e, de vez em
quando, tinha algum combate. Houve muito pouco combate e morreu pouca
gente. Em dez anos de guerra, morreram 2,9 mil pessoas. Morria mais
gente de gripe do que de guerra. Passava meses sem que houvesse combate.
Claro que houve momentos de heroísmo e momentos de infâmia absoluta,
com estupro, degola, sequestro e execução sumária. É por isso que eu
digo que a Revolução Farroupilha foi feita pela Farsul da época com os
métodos das Farc. Do ponto de vista ideológico, eles eram a Farsul da
época, com uma ideologia liberal incipiente. Eram proprietários rurais
em defesa dos seus interesses. E utilizavam os métodos que hoje se
condena nas Farc: sequestro, apropriação do gado e das terras alheias.
Sul21 – Em seu livro, o senhor também aponta casos de corrupção entre os líderes farroupilhas.
Juremir – Quando eles se reúnem em Alegrete para fazer a
Constituição, estavam totalmente rompidos. Antonio Vicente da Fontoura
pertencia à chamada minoria. Ele havia sido ministro da Fazenda,
sucedendo Domingos José de Almeida. Quando ele assumiu o Ministério,
constatou que a corrupção corria solta. Ele descreve isso fartamente em
seu diálogo e os historiadores nunca quiseram dar muita atenção. Os
farroupilhas pegavam a fazenda de um adversário e arrendavam e o lucro
desse arrendamento desaparecia. Até Neto foi acusado por Antonio Vicente
da Fontoura de ter desaparecido com dinheiro. Um dos grandes problemas
da Revolução Farroupilha foi a corrupção. Eles brigaram e se separaram
por causa disso. O duelo entre Bento Gonçalves e Onofre Pires tinha na
sua base acusações de corrupção.
“Os cariocas acham esse negócio de Semana Farroupilha quase ridículo, uma espécie de carnaval a cavalo”
Sul21 – Como se pautaram as relações dos farroupilhas com as
lideranças uruguaias e
argentinas? Havia, de fato, a intenção de se
criar uma república que anexasse o território do Uruguai e algumas
províncias da Argentina?
Juremir – Quando viram que Rivera estava libertando
escravos e que tinha propensões à reforma agrária, a parceria deixou de
ser interessante. A Revolução Farroupilha foi uma espécie de golpe
militar. Esse golpe militar sofreu muita influência platina. Houve muita
influência desses caudilhos uruguaios e argentinos. Mas depois houve
momentos de aproximação e de separação. Essas alianças só não
prosperaram definitivamente porque os líderes farroupilhas eram muito
mais conservadores que os caudilhos uruguaios e argentinos. Rivera
queria uma revolução benéfica para a população uruguaia. Bento Gonçalves
e sua turma só entraram em ação por causa dos seus interesses
particulares.
Sul21 – Como se deu a construção dos mitos em cima da Revolução Farroupilha?
Juremir - São várias etapas. Uma delas é quando Julio
de Castilhos e os republicanos positivistas estão trabalhando pela
construção da República no Rio Grande do Sul. Julio de Castilhos vai
estudar direito em São Paulo e manda uma carta dizendo que é preciso
estudar aquela guerra civil, porque ela poderia servir de fundamento
para o que hoje nós chamaríamos de construção de uma identidade
regional. Na época, a Revolução Farroupilha era chamada de guerra civil.
Esses republicanos positivistas tinham bem a noção de que uma
identidade se constrói a partir de um mito fundador. Então era preciso
uma mitologia épica para construir essa unidade. Isso foi fartamente
explorado. Depois, historiadores como Varela e Alfredo Ferreira
Rodrigues ajudaram a construir uma ideia épica de revolução,
influenciados pela perspectiva histórica dominante no século XIX. Nos
anos 1930, os militares ligados ao Instituto Histórico e Geográfico
fazem, em plena Era Vargas, uma recuperação dos fatos com interesse
cívico de engrandecimento das atitudes militares. O interessante é que a
Revolução Farroupilha foi feita por militares e escrita por militares.
Sul21 – E qual o papel dos historiadores na desmistificação da revolução?
Juremir – Os grandes historiadores estão
desmistificando a Revolução Farroupilha. Nomes como Tau Golin, Moacyr
Flores, Mário Maestri, Sandra Pesavento, Margeret Bakos, Décio Freitas…
Moacyr Flores talvez seja aquele que trabalhou mais intensamente a
Revolução Farroupilha. O livro “O Modelo Político dos Farrapos” é um
marco na desmistificação. Tau Golin fez uma espécie de panfleto que teve
muito impacto, questionando se Bento Gonçalves seria herói ou ladrão.
Margaret Bakos trouxe muitos dados sobre a condição do negro na
Revolução Farroupilha. São esses os caras que realmente têm escrito
coisas importantes sobre a Revolução Farroupilha. Se fosse na França,
esse pessoal estaria sendo destacado. Mas aqui é o inverso. Talvez
porque o Rio Grande do Sul, como qualquer lugar, precisa de um mito
fundador. E o que tem à mão é esse. A história, nesse sentido, estraga
um pouco este prazer. Os fatos históricos não confirmam toda essa
grandeza.
Sul21 – O que significa hoje comemorar a Revolução Farroupilha?
Juremir – Vale lembrar que a comemoração da Semana
Farroupilha, tal qual a fazemos hoje, começa em dezembro de 1964. É uma
obra da ditadura militar. O patriotismo servia muito bem nessa época.
Acho muito interessante a ideia de que essas pessoas se reúnem para
comemorar outra coisa. Comemoram um ideal de vida agropastoril, uma
nostalgia da vida no campo, quando éramos realmente gaúchos e tínhamos
estâncias. Há também o gosto de estar junto, de conviver e ter algo a
compartilhar – algo que o sociólogo francês Michel Maffesoli chama de
“tribalismo”. Esse fenômeno pode estar no escotismo, numa torcida de
futebol, ou nesse congraçamento anual onde todos se encontram e brincam
um pouco de casinha, como dizia Flávio Alcaraz Gomes. A Revolução
Farroupilha surge como uma espécie de cimento para fortificar esse
interesse de estar junto. Mas ela também tem um componente ideológico
conservador. Muitos dos que estão comemorando a Revolução Farroupilha
não conhecem grande coisa da sua história. Se for examinar no detalhe,
eles não sabem. Conhecem a cartilha do Movimento Tradicionalista Gaúcho,
que só destaca aquilo que exclusivamente lhes convém.
Sul21 – Qual o papel da mídia na consolidação do mito?
Juremir – A mídia precisa adular esse público para
poder fidelizá-lo. É uma estratégia de marketing que reforça os mitos e
dificulta a desconstrução feita pelos historiadores. O interesse da
mídia nessa questão é meramente comercial. É uma estratégia de reforço
de algo que é caro ao público. Ninguém quer brigar com boa parte do Rio
Grande do Sul. É melhor dar uma adulada e deixar os universitários e
acadêmicos falarem outras coisas. Se o público está feliz, por que
estragar o prazer? Além de tudo, a mídia é conservadora. Muitas vezes os
jornalistas compartilham esses valores e acreditam nessas histórias
porque foram formados nessa matriz. Tudo isso entra no mesmo caldeirão
e, ano a ano, as vozes dos historiadores ficam praticamente inaudíveis.
Sul21 – O Rio Grande do Sul tem uma relação mais intensa com seus mitos do que outras regiões do país?
Juremir – Talvez, até pelo tipo de construção história
do Rio Grande do Sul, com tantas guerras de fronteira. Vários movimentos
e situações se aproveitaram disso: a República, os anos Vargas, a
ditadura militar e o crescimento do movimento tradicionalista.
Sul21 – Isso contribui para uma imagem mais arrogante do Rio Grande do Sul nos outros estados brasileiros?
Juremir – Isso é algo que só nós enxergamos. Os
cariocas acham esse negócio de Semana Farroupilha quase ridículo, uma
espécie de carnaval a cavalo.
Sul21 – E o nosso hino? Cantamos um hino que fala em uma “ímpia e injusta guerra”.
Juremir – Nosso hino é racista, ainda por cima, quando
diz que “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. É um insulto
àqueles que lutaram com os farroupilhas e foram atraídos a eles com a
promessa de liberdade.
Sul21 – Até hoje, o senhor ainda recebe críticas por causa do livro?
Juremir – Alguns historiadores preferem se afastar
desse tema. Cansam de brigar e ouvir insultos. Eu mesmo sofri todo tipo
de desqualificação. Diziam que eu não sou historiador e que o meu livro
só requenta outras informações. Na época que saiu o livro, a Farsul
ameaçou me processar, até por um mal entendido. Acharam que eu tinha
dito que a Farsul tinha os métodos das Farc. O que eu disse, na verdade,
foi que os farroupilhas tinham a ideologia da Farsul e os métodos das
Farc. Recebi e-mails e torpedos de pessoas dizendo que iam me capar.
Senti hostilidade em muitas situações. Já perdi a conta do número de
insultos que recebi por e-mail, Twitter e Facebook. O maior insulto é a
tentativa permanente de desqualificação do teu trabalho.
Marcadores:
critica social,
cultura,
entrevista,
Historia,
literatura
domingo, 23 de setembro de 2012
Os zapatistas – hombres de maiz
Essa
lenda contou o velho Antônio ao sub Marcos. Que quando os deuses
decidiram criar as gentes fizeram um primeiro experimento. E fizeram
homens e mulheres de ouro. Eles brilhavam muito, eram bonitos, mas não
se moviam, não trabalhavam, porque eram muito pesados.
Então os deuses decidiram fazer os seres de madeira. Esses, homens e mulheres, se moviam, trabalhavam muito. Os deuses pensaram que tudo estava bem, mas, logo perceberam que os homens de ouro haviam se apropriado dos homens de madeira, fazendo com que trabalhassem para eles. Eram seus empregados.
Os deuses não gostaram disso e fizeram outros homens e mulheres, dessa vez de milho. E que esses eram bonitos, falavam a língua verdadeira, se moviam, trabalhavam e subiram as montanhas para fazer o caminho verdadeiro.
Então, disse o velho Antônio que os homens de ouro, brancos, são os ricos, os de madeira, morenos, são os pobres e os de milho são aqueles que os de ouro temem e os de madeira esperam. Então alguém perguntou ao velho de que cor eram os homens de milho.
Ele respondeu: assim como existem vários tipos de milho, os homens de milho têm muitas cores, têm todas as peles, e que ninguém poderia saber quem nem como eles eram, porque tinham como característica não ter um rosto.
É por isso que os zapatistas usam o pasamontañas (gorro preto). Porque eles são os homens e as mulheres de milho. Podem ser qualquer um. São qualquer um que fale a língua verdadeira e faça o bom caminho.
Então os deuses decidiram fazer os seres de madeira. Esses, homens e mulheres, se moviam, trabalhavam muito. Os deuses pensaram que tudo estava bem, mas, logo perceberam que os homens de ouro haviam se apropriado dos homens de madeira, fazendo com que trabalhassem para eles. Eram seus empregados.
Os deuses não gostaram disso e fizeram outros homens e mulheres, dessa vez de milho. E que esses eram bonitos, falavam a língua verdadeira, se moviam, trabalhavam e subiram as montanhas para fazer o caminho verdadeiro.
Então, disse o velho Antônio que os homens de ouro, brancos, são os ricos, os de madeira, morenos, são os pobres e os de milho são aqueles que os de ouro temem e os de madeira esperam. Então alguém perguntou ao velho de que cor eram os homens de milho.
Ele respondeu: assim como existem vários tipos de milho, os homens de milho têm muitas cores, têm todas as peles, e que ninguém poderia saber quem nem como eles eram, porque tinham como característica não ter um rosto.
É por isso que os zapatistas usam o pasamontañas (gorro preto). Porque eles são os homens e as mulheres de milho. Podem ser qualquer um. São qualquer um que fale a língua verdadeira e faça o bom caminho.
Marcadores:
ALBA,
America Latina,
Marxismo,
reforma agrária,
revolucionários
sábado, 22 de setembro de 2012
As eleições e seu impacto geopolítico
Sergio Ferrari
Colaborador de Adital na Suiça. Colaboração E-CHANGER
"Nas urnas venezuelanas está em jogo também o
futuro de toda América Latina”.
Sergio Ferrari, desde Genebra, Suíça
Entrevista com Germán Mundaraín, embaixador
de Venezuela na ONU/Genebra
O dilema de fundo dos próximos comícios na
Venezuela, no próximo 7 de outubro, é a "consolidação dos avanços sociais ou o
retrocesso em direção aos modelos econômico-sociais do passado”. Apesar desse
grande desafio político que está em jogo, "respeitaremos com rigor a vontade
popular expressa nas urnas”. Quem defende tais teses é Germán Mundaraín
Hernández, atual representante da nação sul-americana ante as Nações Unidas, em
Genebra. Entre 2000 e 2007, ele havia trabalhado como Defensor do Povo. Desde
maio último, integra, juntamente com outras cinco personalidades nacionais do
primeiro nível, eleitas pelo presidente Hugo Chávez Frías, o Conselho de
Estado, que é o órgão superior de consulta do governo e da Administração
Pública Nacional.
O que as próximas eleições presidenciais
representam politicamente?
R: São a expressão de um exercício de democracia
participativa que impera em meu país, que protagonizou a partir da nova
Constituição de 1999 uma quinzena de eleições nacionais, parlamentares, regiões
e referendum. Na Venezuela, consulta-se sistematicamente ao soberano. Existe
uma grande confiança na decisão cidadã. E o número dessas consultas é a melhor
evidência. Há um poder independente, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que
se apresenta ante o mundo sem nenhum complexo. Com o ânimo de mostrar as
fortalezas; porém, também aberto a que suas possíveis debilidades sejam
assinaladas.
P: A campanha eleitoral é intensa e se
confronta com uma imprensa internacional cautelosa, para não dizer crítica...
R: A sociedade venezuelana é muito tensionada
devido ao próprio processo de mudança em marcha e pelos variados atores que
intervêm na política nacional. De fora, as vezes, somos vistos com incerteza.
Pensa-se que em qualquer momento seria possível passar das tensões da retórica
própria de nossa campanha, para agressões físicas. Porém, não é assim. O povo
venezuelano é pacífico e sabe resolver pacificamente suas diferenças políticas
nas mesas eleitorais. Até o momento, e já faltando poucos dias para o
fechamento, a campanha tem sido intensa, quente; porém, correta e sem
violências.
Campanha eleitoral polarizada, mas sem
violência
P: Apesar de um processo eleitoral
extremamente polarizado?
R: Sim, é uma campanha
polarizada. Confrontam-se dois candidatos principais: o atual presidente Hugo
Chávez, que aspira a reeleição; e o da oposição, Henrique Capriles Radonski.
Isso aumenta a polarização retórica, já que ambos centralizam a atenção
política nacional e internacional.
P: A disputa atual se
diferencia das eleições presidenciais anteriores?
R: O que muda são os
atores; porém, tem um perfil global semelhante. O candidato da oposição sempre
sai de grupos políticos que contam com um orçamento suficientemente amplo para
suportar financeiramente uma parte da campanha. A outra parte vem do grande
empresariado e de ONGs e fundações estrangeiras, principalmente estadunidenses,
que recebem o apoio do Departamento de Estado norte-americano. Penso que os
resultados previstos também coincidirão globalmente, no próximo dia 7, com os
anteriores. Em 2000, Chávez ganhou por mais de 20 pontos de diferença sobre
Francisco Arias Cárdenas. Seis anos mais tarde, em 2006, derrotou por mais de
25 pontos a Manuel Rosales.
P: O que representam o
programa e/ou a visão política de cada um dos candidatos?
R: O presidente atual,
candidato do Gran Polo Patriótico, encarna o processo de mudança, a revolução
bolivariana em marcha. Capriles, da Mesa de Unidad Democrática, aglutina aos
setores tradicionais, as eleites, que durante décadas usufruíram o poder,
estreitamente vinculadas com as transnacionais.
Os novos disfarces da direita
P: Chama a atenção que o candidato da oposição tenha se autodesignado
como o "Lula da Venezuela”. Apresentando-se quase como uma alternativa de
esquerda democrática ao atual governo...
R:
É um estilo que marca a política ibero-americana atual. Candidatos que se disfarçam.
O caso mais patéticos é o da Espanha. Mariano Rajoy apresentou-se na campanha
como expressão do centro político. Porém, após ganhar, não duvidou em aplicar
seu verdadeiro programa de extremo corte neoliberal, com significativos
recortes às conquistas sociais dos espanhois. Capriles é a mesma coisa. Se
disfarça e diz que seu programa é parecido ao que Lula implementou no Brasil.
Sem dúvida, no Brasil, Capriles seria um opositor radical ao Partido dos
Trabalhadores, atualmente no governo. Porque Lula foi operário, é socialista e
dirige um partido progressista, que nada tem que ver com a visão política de
Capriles. Na realidade , a oposição venezuelana odeia Lula, seu modelo e o de
sua sucessora. Porém, tentam apresentar-se mais decentemente...
P: Por que esse jogo político?
R:
Para confundir. E por especulação política. Capriles está enraizado nos setores
de poder econômico e com parte da classe média. Esse é seu eleitorado natural.
Para tentar ganhar, deve tentar roubar votos nos setores populares. Porém, seu
verdadeiro programa contempla zero presença do Estado e que o mercado se
encarregue de regular a economia. O primeiro que faria em caso de ganhar seria
reduzir o Estado a sua mínima expressão; deixar ao setor privado que se
encarregue da saúde, da educação, da habitação. Desmantelar as conquistas
sociais. Por outro lado, o centro do programa de Chávez é a atividade
petroleira e o controle estatal da mesma. Sem a contribuição desse setor vital
não poderia financiar a saúde, nem a educação, nem as conquistas em geral. E
nem tampouco poderia atuar conforme a ativa solidariedade internacional
promovida pelo processo venezuelano.
O governo respeitará a voz das urnas
P: Apesar de inúmeras pesquisas de opinião que assinalam a Chávez como
claro ganhador; é possível que as pesquisas se equivoquem?
R: São tantas e tão
importantes as conquistas sociais que os setores populares alcançaram nos
últimos anos que um programa neoliberal e um governo de direita significariam
um verdadeiro suicídio político para uma grande parte da população...
P: O governo venezuelano
aceitaria uma eventual derrota nas urnas?
R: Se o governo perde as
eleições vai reconhecer de imediato os resultados. Porém, gostaríamos de
escutar também essa frase curta e significativa de parte da oposição. Nós
estamos seguros que se perdesse, o que é absolutamente improvável, não seria a
derrota da revolução, mas um simples tropeço político. Porém, não acontecerá. O
povo tem plena confiança plena no processo e na revolução bolivariana.
P: Na América Latina, há
aproximadamente uma década, uma maioria de governos e processos democráticos,
abertos, progressistas. A Venezuela está estreitamente implicada em iniciativas
de integração regional. Que repercussão tem as atuais eleições presidenciais no
contexto continental?
R:
Pergunta chave. O próximo 7 de outubro, não se decide somente o futuro da
Venezuela, mas o da América Latina inteira. Um triunfo da oposição significaria
a liquidação da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas – Tratado de
Comércio dos Povos), que reúne a Bolívia, a Nicarágua, o Equador, a Cuba, a
Venezuela e os Estados caribenhos Antigua e Barbados, Dominica e San Vicente e
Granadinas. Colocaria em cheque a estratégia de Petrocaribe que reúne a maioria
das nações caribenhas. Significaria o debilitamento real da Unasul e também da
Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos) que, com tanto
sacrifício, foi criado em 2010 e que hoje reúne a quase 30 nações do continente,
com cerca de 600 milhões de habitantes. Poderia, inclusive, significar a saída
da Venezuela do Mercosul, mercado integrado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e
pelo nosso país.
Adicionalmente,
havia uma mudança nas relações e no comportamento do continente em espaços
internacionais, como a Organização de Estados Americanos (OEA) e as Nações
Unidas. Insisto: além da contenda eleitoral entre Chávez e Capriles, hoje, nas
eleições venezuelanas está em jogo essa nova relações de forças em âmbito
regional que, com tanto esforço, foi possível construir na última década.
_____________________________________________________
Um acompanhamento eleitoral que não viole a soberania
Um acompanhamento eleitoral que não viole a soberania
O
Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano convidou a 214 personalidades do
mundo inteiro para acompanhar os comícios de 7 de outubro de 2012. 110 são da
América Latina; 65 da Europa; 29 da América do Norte; 6 da Ásia e 4 da África,
sem contar os representantes da União Africana, que confirmou sua presença.
Entre
os convidados, 18 organismos eleitorais e quatro especialistas. Segundo o CNE,
entre os convites enviados, 81 correspondem a parlamentares e personalidades
políticas; 22 ao mundo acadêmico; 34 a jornalistas; e outros a ONGs, intelectuais,
artistas e agrupações sociais e gremiais.
Até
meados de setembro, 157 convidados haviam confirmado sua presença. Na terceira
semana do mesmo mês, o ex-vice-presidente argentino, Carlos Álvarez, chegou à
Venezuela para instalar a delegação de acompanhamento eleitoral da Unasul,
enquanto responsável desse setor de atividade no organismo de integração.
"Acompanhamento
não significa observação eleitoral”, assinala Germán Mundaraín, embaixador da
Venezuela nas Nações Unidas, em Genebra. "O voto é o principal exercício
cidadão em nossa democracia e ninguém pode controlar nossa própria soberania
nacional”. O acompanhante, explica, é "uma testemunha importante de que o
processo transcorre com normalidade e profissionalismo”. E deve, além disso, "informar
a seus concidadãos o que viu nessa pequena nação sul-americana”. Sem subestimar
o papel de "indicar ao CNE as correções a serem incorporadas em âmbito
eleitoral para melhorá-lo no futuro”.
De
Suíça, viajarão para assistir aos comícios seis personalidades políticas e um
comunicador social. Entre os primeiros, o senador nacional Luc Recordon e os
deputados nacionais Ada Marra, Antonio Hodgers e Mathias Reynard; bem como o
ex-deputado nacional Franco Cavalli e o ex-embaixador suíço na Venezuela,
Walter Suter.
"Uma
delegação muito significativa quanto à quantidade e qualidade dos participantes”,
ressalta Mundaraín. Ele vê nessa presença "um reconhecimento do Poder Eleitoral
Venezuelano à neutralidade e longa história de participação democrática
eleitoral suíça, como também à colaboração que, há anos, a Suíça tem oferecido
a esse poder do Estado”. (Sergio Ferrari).
Marcadores:
ALBA,
America Latina,
Direitos Humanos,
Ditaduras,
entrevista
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
Araújo Vianna, o retorno...
Após sete anos e muita polêmica, o Auditório Araújo Vianna volta à ativa
Milton Ribeiro no SUL21
O Auditório Araújo Vianna tem uma história longa e acidentada. O
primeiro Araújo foi uma concha acústica localizada na esquina ao lado da
Praça da Matriz com a rua Duque de Caxias, local onde hoje está a
Assembleia Legislativa. Tinha capacidade para 1.200 pessoas. Tratava-se
de uma bela construção de estilo neoclássico que contava com bancos
rodeados por caramanchões.
A ideia de sua construção surgiu em 1920 e materializou-se num
projeto de inspiração alemã elaborado por José Wiedersphan e Arnaldo
Boni. Seu nome é uma homenagem ao compositor gaúcho Araújo Vianna
(1871-1916). O projeto foi considerado revolucionário na época, pois
nunca tinha sido construída uma estrutura de tal porte em concreto
armado. A construção teve início em 1925 e a inauguração ocorreu no dia
19 de novembro de 1927. O antigo Araújo Vianna teve enorme participação
na vida cultural de Porto Alegre. Localizava-se bem no centro da cidade e
dava oportunidade a que pessoas de todas as classes assistissem a
apresentações musicais. Jamais um espetáculo levado no velho Araújo teve
cobrança de ingresso.
Grande público costumava ir à Praça da Matriz para assistir a famosas
“retretas” que ocorriam nas quartas e domingos. Nos dias de inverno, os
espetáculos se davam no meio da tarde e no verão, ao anoitecer. As
apresentações incluíam não apenas a Banda Municipal como também corais,
grupos folclóricos e teatrais. O palco servia para ensaio de óperas que
se apresentariam no Theatro São Pedro e que eram assistidas pelo
público. Em meados da década de 50, cresceu a necessidade de um novo
prédio para abrigar a Assembleia Legislativa. Ela deveria ficar próxima
às sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário. E lá se foi um pedaço
peculiaríssimo de nossa cidade. O próprio poder público tratou de
eliminar aquele que seria um belo recanto do Centro Histórico da cidade.
A antiga estrutura foi demolida e a nova sede foi projetada pelos
arquitetos Moacir Moojen Marques e Carlos Maximiliano Fayet. Em 1959, o
Município e o Estado negociaram que o último construiria um novo
auditório em troca da cessão, pelo município, da área ao lado da Praça
da Matriz. Já no mês de outubro de 1960 foram retirados todos os bancos
do velho Araújo Vianna e em sequência, iniciou-se a demolição da concha
acústica.
A nova sede teria a capacidade quatro vezes maior do que a original e
foi inaugurada em 12 de março de 1964 com capacidade para 4500 pessoas.
Dias depois, já com o golpe de 64 em curso, o arquiteto Carlos
Maximiliano Fayet teria sido questionado por uma comissão militar que
alegava um suposto envolvimento do arquiteto com os comunistas. A razão
teria sido o fato de que o Araújo Vianna, quando visto do alto, teria a
forma de uma foice e um martelo. A partir dos anos 70, ele passou a
abrigar grandes shows da MPB, mas nos anos 80 passou a ter sua
utilização diminuída devido a falta de reformas.
A chuva e o frio do inverno gaúcho começaram a preocupar os
utilizadores do auditório. Muitos shows eram transferidos ou cancelados
por causa do mau tempo. Surgiu a ideia de uma cobertura, a qual foi
debatida durante 30 anos. Em meados dos anos 90, nas reuniões do
Orçamento Participativo no bairro Bom Fim, foi decidida a construção da
cobertura. Para estudar o projeto, foram contratados os arquitetos
responsáveis pela construção do auditório em 1964.
Na verdade, o Araújo aberto era um espaço adequado às necessidades da
época de sua construção. O auditório foi feito para ser aberto, com
concha acústica e sem cobertura, em substituição ao antigo da praça da
Matriz. E, afinal, qual é a idéia de uma concha acústica? Obviamente
shows acústicos. Era um projeto perfeito para apresentações de
orquestras, bandas, óperas, de pequenos conjuntos de choro e samba – ou
shows com pouca amplificação. Era um belo projeto, mas inadequado às
“necessidades” de som muito amplificado e grave, exigidos por nossa
cultura atual.
Quando da ocorrência dos primeiros shows com som amplificadíssimo,
estes passaram a perturbar o sossego dos moradores do Bonfim, o que
acabou por inviabilizar a utilização do auditório em horários noturnos.
Fez-se a a nova cobertura, que foi inaugurada em 4 de outubro de 1996,
com um histórico show de João Gilberto. A capacidade passou a ser de
três mil pessoas sentadas. A técnica utilizada na cobertura foi a
utilização de lona tensionada, o que já fazia prever uma futura reforma,
devido a sua durabilidade limitada.
Mas o pior é que, em razão do esticamento da lona e de seu formato de
meia parábola invertida, ela tornou-se acusticamente inviável.
Internamente, a cobertura refletia o som em todas as direções. Além
disso, o auditório continuava inevitavelmente redondo e, portanto,
devolvia o som da traseira da plateia para o palco. O palco, em concha,
projetava o som para a platéia, mas ele retornava de forma caótica.
Quando chovia, o ruído interno era insuportável.
Em 1997, o Parque Farroupilha foi tombado como Patrimônio Histórico e
Cultural do Município. Como parte integrante do Parque, o auditório
passou a ter sua preservação garantida. A lona que cobria o Araújo
Vianna, segundo laudo técnico da SMOV, perdeu sua validade em julho de
2002. O risco era de que, em caso de chuva mais persistente, a pressão
sobre a lona rompesse os cabos, que teriam um efeito de chicote sobre o
público. No início de 2005, o auditório foi interditado pela Prefeitura
de Porto Alegre. A lona passou a servir apenas aos pombos do parque.
Hoje foi construída uma nova cobertura com um sanduíche de materiais
que provê o isolamento acústico para os shows de volume sonoro mais
alto. Também foram tratadas as reflexões da cobertura curva e o retorno
de som para o palco. Dentre os requisitos para a reforma do auditório,
estavam a reforma interna — incluindo palco e cadeiras, assim como
banheiros, camarins e áreas de apoio — e externa, com cobertura
acusticamente tratada para evitar transtornos aos moradores, além de
melhorias no entorno do auditório. A nova cobertura acústica é fixa,
feita em madeira, poliuretano expandido e resina impermeável. O local
tem capacidade para 3 mil pessoas (cerca de 4300 quando for misto,
composto por cadeiras e pista), 2 bares, novos camarins, novos banheiros
e acessibilidade para cadeirantes numa área de 5000 m².
O diretor da Opus Promoções, Carlos Konrath, citou que esta é a
primeira parceria público-privada do setor cultural da cidade. A Opus
dividirá o espaço com a Prefeitura, ficando com 75% do calendário anual
do Araújo pelo período de dez anos. Haverá também um conselho gestor com
participação paritária dos dois parceiros. Como atrações trazidas pela
Prefeitura, já estão confirmados o show de inauguração, com os artistas
citados abaixo, e mais Tom Zé no dia 3 de outubro. A programação da Opus
abre no dia 22 de setembro com Maria Rita cantando Elis Regina, e segue
com nomes como Paulinho da Viola, Roupa Nova e outros.
O concerto de inauguração desta quinta-feira, 20 de setembro, às 18h,
envolverá nomes marcantes da cena musical gaúcha, muitos deles com
biografia ligada ao auditório. São eles: Carlinhos Carneiro, Edu K,
Wander Wildner, Hermes Aquino, Gelson Oliveira, Nico Nicolaiewsky, Nei
Van Soria, Gloria Oliveira, Raul Elwanger, Charles Máster, Nelson Coelho
de Castro, Zé Caradípia e Elisa, Júlio Reny, King Jim, Tonho Crocco,
Cláudio Heinz e Júlia Barth (Replicantes), Elaine Geissler, Tiago
Ferraz, Hique Gómez, Antônio Villeroy e Bebeto Alves.
Marcadores:
cultura,
Historia,
inclusão social,
musica
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
NO CAMINHO COM MAIAKOVSKY E EDUARDO COSTA SOBRE A LUTA DOS PROFESSORES
NO CAMINHO COM MAIAKOVSKY E EDUARDO COSTA FALANDO SOBRE A LUTA DOS PROFESSORES POR JUSTO PISO - CARREIRA DIGNA E EDUCAÇÃO DE QUALIDADE!
Maiakovsky - grande poeta russo - humanista |
A partir de uma conhecida poesia de Eduardo Costa, em homenagem ao
poeta russo Vladimir Maiakovsky e ao dever de sempre resistir, lutar por
direitos, exercer a cidadania e ser protagonista de sua história
social... utilizando a mesma bela estrutura da poesia de Eduardo Costa,
com influência de outros grandes gênios, como Brecht, fiz uma poesia em
homenagem à luta dos professores. Importante dizer que em muitos Estados
e municípios os professores estão silentes, calados, enquanto a traça
da violação corrói todos os seus direitos. Atualmente, a luta dos
profissionais da educação básica no Brasil é uma verdadeira cruzada em
defesa da Constituição, do Estado Democrático de Direito, do justo piso,
da carreira digna e da educação de qualidade como direito humano
universal e fundamental contra a corrupção, contra os inimigos da
educação, contra o clientelismo, contra o atraso, contra o
patrimonialismo... Leia então o poema:
De: Valdecy Alves
Vós bem sabeis
Conheceis melhor que eu
É a mesma velha história
Na primeira noite eles se aproximam
E roubam 2% da Vossa Carreira
E vós, professores não dizeis
nada...
Na segunda noite já não se escondem
Negam o reajuste anual do piso
Escondem todos os dados do FUNDEB
E matam vossa motivação
Colocam a educação na UTI e
Já não sois tratados
Como dignos
profissionais da educação...
Até que um dia
O mais frágil e sonso dos gestores
Sozinho...
Rasga a lei do piso
Lança no lixo a Constituição
Espezinhando todos os vossos
direitos
Rouba-vos a coragem do presente
Condena-vos ao fracasso no futuro
De tudo faz para aniquilar vosso
sindicato
Incinera vosso direito de greve
Persegue vossas lideranças
sindicais
Arranca-vos a voz da garganta
E já não podeis dizer ou fazer mais
nada!
Professores cearenses protestando contra violação aos seus direitos e ao direito à educação |
Nos dias que correm
Deveis erguer a cabeça
Enfrentar os senhores da corrupção
Para que não caleis para sempre
Para que não coloquem em vós novos grilhões
Pois se ao educador restar a escravidão
Que destino terão os pobres educandos?
No silêncio do meu sonhar
Só vejo esperança na radical reação
O vento diz que só encontrareis certeza da vitória na luta!
Que o temor não vos cale
Que a hesitação do Judiciário não vos faça fraquejar
Que a omissão do Legislativo não vos desmotive...
Que a alienação da sociedade não vos permita claudicar
Espernear sempre... ainda que seja contra mil!
Que além das palavras, que demonstram vossos sonhos
Sejam inúmeros vossos atos praticados
Que serão os tijolos da construção da justiça sonhada ...
No meu interior
Com a potência de palavras de ordem em coro
Gritadas por milhões de professores
Ecoa a sempre mesma palavra: RESISTÊNCIA!
Marcadores:
Cpers,
inclusão social,
luta de classe,
movimentos sociais,
opinião filosofica
terça-feira, 18 de setembro de 2012
Os riscos de “reversão colonial” da América Latina
Economistas participantes de debate na USP alertaram para a ameaça de os países da região retomarem sua condição clássica de dependência: produtores de bens primários sem valor agregado e dependentes do capital das nações centrais. Para os especialistas, a América Latina não está imune à crise econômica global – apenas estaria aplicando uma política de contenção.
Hector Luz no CARTA MAIOR
São Paulo - A crise econômica
deflagrada em 2008, que apresenta seus desdobramentos até hoje, tem sido
motivo de cortes orçamentários, aumento do desemprego e manifestações,
principalmente nos países da chamada “Zona do Euro”. No entanto, sua
influência sobre a América Latina ainda aparece incerta. Para esclarecer
essa questão, formou-se a mesa “América Latina: imune à crise?”, no
Simpósio Internacional A Esquerda na América Latina, que ocorreu entre
os últimos dias 11 e 13 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP).
Para Plínio Soares Arruda Sampaio Júnior, professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como o capitalismo funciona de maneira sistêmica em todo o mundo, os problemas de que sofre são globais e, dessa forma, a América Latina não está imune à atual crise. Leda Paulani, professora de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), concorda. Para ela, depois de duas décadas – 1980 e 1990 – de subordinação aos interesses dos credores, a economia dos países da região foi se financeirizando – o Brasil, por exemplo, transformou-se em uma plataforma internacional de valorização financeira e, apesar de a dívida externa ter deixado de ser um “problema”, outro muito mais grave passou a figurar: a operação de uma quantidade muito grande de capital externo, de não residentes, principalmente em portfólio, com fins especulativos.
Ramón Peña Castro, doutor em Economia pela Universidade Lomonosov de Moscou, chamou a atenção para a situação da América Latina como fonte estratégica de recursos para os países desenvolvidos, em seu avanço sob o capitalismo. Leda também destacou esse ponto, classificando-o como uma “reversão neocolonial”, em que os países da região estariam retomando a condição clássica de dependência: produtores de bens primários sem valor agregado e dependentes do capital das nações centrais.
Essa reversão estaria associada, como apontado por Plínio, à incapacidade dos Estados Nacionais de desenvolverem de uma maneira construtiva e racional o enfrentamento à crise. Segundo ele, ocorre uma “política de administração da crise”, em que nenhuma de suas causas são tocadas, apesar de impedir que apareçam seus maiores efeitos. Essa política, afirma, leva a uma “socialização dos prejuízos”, por meio da qual “o capital vem aprofundando cada vez mais seu controle sobre o Estado”.
O maior controle do capital sobre o Estado foi também destacado por Ramón, que apontou uma “virada privatista” no governo de Dilma Rousseff. José Menezes Gomes, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), lembrou, nesse sentido, a forte presença dos fundos de pensão, que, segundo ele, representam um peso enorme à dívida interna e auxiliam na criação da “ilusão do neodesenvolvimentismo”. Gomes defendeu a realização de uma campanha pública para esclarecer a população sobre a questão da seguridade social e previdência, e outra pelo não pagamento da dívida pública.
Quanto à “ilusão” de que o continente latino-americano está imune à crise, Plínio afirmou que o atual crescimento econômico na região ajuda a construir essa ideia – segundo ele, porém, esse dado é efêmero. “O dinheiro vem e estimula o crescimento, pois afasta, em um primeiro momento, o risco de crise cambial, eleva o preço das commodities, melhora as exportações, abre espaço para política de redução de juros – no entanto, é um crescimento empurrado pela bolha especulativa.” Nesse sentido, o professor da Unicamp enfatizou a necessidade de a América Latina sair desse mar turbulento, rompendo com a globalização. Para isso, afirmou, “o primeiro passo é centralizar o câmbio para que a reserva imensa seja capaz de financiar nossa saída desse mar especulativo”.
Para Plínio Soares Arruda Sampaio Júnior, professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), como o capitalismo funciona de maneira sistêmica em todo o mundo, os problemas de que sofre são globais e, dessa forma, a América Latina não está imune à atual crise. Leda Paulani, professora de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), concorda. Para ela, depois de duas décadas – 1980 e 1990 – de subordinação aos interesses dos credores, a economia dos países da região foi se financeirizando – o Brasil, por exemplo, transformou-se em uma plataforma internacional de valorização financeira e, apesar de a dívida externa ter deixado de ser um “problema”, outro muito mais grave passou a figurar: a operação de uma quantidade muito grande de capital externo, de não residentes, principalmente em portfólio, com fins especulativos.
Ramón Peña Castro, doutor em Economia pela Universidade Lomonosov de Moscou, chamou a atenção para a situação da América Latina como fonte estratégica de recursos para os países desenvolvidos, em seu avanço sob o capitalismo. Leda também destacou esse ponto, classificando-o como uma “reversão neocolonial”, em que os países da região estariam retomando a condição clássica de dependência: produtores de bens primários sem valor agregado e dependentes do capital das nações centrais.
Essa reversão estaria associada, como apontado por Plínio, à incapacidade dos Estados Nacionais de desenvolverem de uma maneira construtiva e racional o enfrentamento à crise. Segundo ele, ocorre uma “política de administração da crise”, em que nenhuma de suas causas são tocadas, apesar de impedir que apareçam seus maiores efeitos. Essa política, afirma, leva a uma “socialização dos prejuízos”, por meio da qual “o capital vem aprofundando cada vez mais seu controle sobre o Estado”.
O maior controle do capital sobre o Estado foi também destacado por Ramón, que apontou uma “virada privatista” no governo de Dilma Rousseff. José Menezes Gomes, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), lembrou, nesse sentido, a forte presença dos fundos de pensão, que, segundo ele, representam um peso enorme à dívida interna e auxiliam na criação da “ilusão do neodesenvolvimentismo”. Gomes defendeu a realização de uma campanha pública para esclarecer a população sobre a questão da seguridade social e previdência, e outra pelo não pagamento da dívida pública.
Quanto à “ilusão” de que o continente latino-americano está imune à crise, Plínio afirmou que o atual crescimento econômico na região ajuda a construir essa ideia – segundo ele, porém, esse dado é efêmero. “O dinheiro vem e estimula o crescimento, pois afasta, em um primeiro momento, o risco de crise cambial, eleva o preço das commodities, melhora as exportações, abre espaço para política de redução de juros – no entanto, é um crescimento empurrado pela bolha especulativa.” Nesse sentido, o professor da Unicamp enfatizou a necessidade de a América Latina sair desse mar turbulento, rompendo com a globalização. Para isso, afirmou, “o primeiro passo é centralizar o câmbio para que a reserva imensa seja capaz de financiar nossa saída desse mar especulativo”.
Marcadores:
ALBA,
America Latina,
analise economica,
Ditaduras,
movimentos sociais
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
As Pussy Riot da Primavera Árabe
no OPERAMUNDI
Banda punk russa inspira, de maneira indireta, a luta pelos direitos das mulheres no Oriente Médio
Um grupo de mulheres vestidas de burca deixou seus trajes e véus por
vestidos de cores vivas e balaclavas (gorros de lã), e fizeram seu
caminho para a Masjid al Haram (a mesquita sagrada de Meca). Em num
gesto que desafiou o sistema estabelecido na Arábia Saudita e a
hierarquia clérico-patriarcal, as mulheres explodiram em um coro de
nasheeds (canção de louvor religiosa típica do islamismo), invocando a
Virgem Maria para abençoar sua cruzada feminista e amaldiçoar a elite
religiosa do país por estar em conluio com o príncipe herdeiro Abdullah.
O firme controle da ortodoxia religiosa exclui a possibilidade de
qualquer repetição das Pussy Riot em solo árabe. Mesmo murmúrios de um
golpe de inspiração feminista encenando um espetáculo provocador em um
local santo levaria a mutaween (polícia religiosa da Arábia Saudita) e a
Gestapo religiosa a agir, e provavelmente representaria a sentença de
morte para os direitos das mulheres.
Mas
para as socialmente imóveis e culturalmente policiadas mulheres do
mundo árabe, a histeria em torno do Pussy Riot pode ser uma lição na
política da dissidência. A rápida emergência do mundo para os árabes já
sugere que os tradicionais pontos de vista sobre as mulheres não
condizem mais com os fatos. Se as Pussy Riot foram a prova de que uma
performance amadora feita por um grupo feminista entusiasmado pode
assumir rapidamente dimensões internacionais, o que impede um pequeno
grupo de feministas árabes de fazer algo semelhante?
[Ao lado, charge do cartunista brasileiro Carlos Latuff em apoio ao movimento Women2Drive]
[Ao lado, charge do cartunista brasileiro Carlos Latuff em apoio ao movimento Women2Drive]
Claro, há perigo em exagerar no otimismo. O rascunho constitucional da
Tunísia é um caso recente no qual as definições da condição feminina
permanecem fixas, a julgar pelo texto que diz que as mulheres seriam
“complementares” aos homens. No Egito, a luta das mulheres para
participar na proposta da Constituição ressalta a complicada interação
entre política, gênero e religião.
Os avanços que as mulheres tiveram nos últimos anos retrocederam. As
legislaturas recém-eleitas nesses países são ambíguas quanto à
possibilidade de ascensão social das mulheres no cenário pós-revolução.
Portanto, a visão de que as liberdades adquiridas são, por excelência,
garantidoras dos direitos das mulheres, está repleta de falhas.
Mas o canto entusiasmado e vívido das mulheres árabes sobre um novo
futuro será inspirado pelo episódio da banda Pussy Riot, assim como os
manifestantes da Praça Tahrir serviram de modelo para a revolução. Ao
energicamente redesenhar as linhas de batalha e garantir que o futuro
dos direitos das mulheres não seja limitado pela inércia, elas também
podem aproveitar a dinâmica das recentes fissuras políticas obtidas em
seu país.
Tanto na sociedade russa quanto na árabe, as mulheres lamentam o
estrangulamento da sociedade civil e como os seus direitos foram
tornados reféns de um grupo político tirânico, trazendo pequenos, mas
totalitários estragos em seu rastro. As frustrações de muitas dessas
mulheres dialogam diretamente com uma consciência política que busca
minar um ethos condescendente masculino que domina as relações de poder
atuais e colocar o engajamento cívico das mulheres na linha de frente.
Ao abrir um precedente para as mulheres russas exporem as
irracionalidades do status quo, as manifestantes do Pussy Riot podem ter
involuntariamente se juntado a uma classe simbólica a qual pertencem as
amarguradas mulheres árabes, cujo desejo de derrubar totalmente o
discurso de gênero predominante compartilha a mesma lógica e
causalidade. As Pussy Riot desafiaram a tirania política das elites e
podem materializar um contágio cultural em redutos árabes.
O encanto por trás da revolta do trio do Pussy Riot é que ele transcende os limites estreitos da inquietação feminista e ressoa com o drama das mulheres árabes, a quem é dado pouco espaço de manobra para agir no contexto da revolução. Para aquelas injustamente forçadas a engolir as armadilhas da sua feminilidade, renegociar o campo de jogo religioso usando reivindicações de gênero como uma moeda de troca poderia passar um sentimento de euforia aos marginalizados pelo Estado.
Se você é uma mulher líbia sonhando com cargos públicos, uma saudita
pressionando por sufrágio ou, como uma Pussy Riot clamando para desafiar
o discurso totalitário de um estado opressor, é difícil não ser
romanticamente conquistado pelo feito notável das russas. O mais difícil
é os governos suprimirem uma ideia cujo tempo chegou e novas formas de
dissidência que rapidamente são difundidas.
A conjuntura do mundo árabe está madura para esse tipo de política
não-conformista. O estrangulamento de Putin sobre as liberdades
democráticas espelha a sufocante natureza tirana dos governos árabes. O
conluio entre a Igreja Ortodoxa Russa e o Kremlin ecoa a aparentemente
inquebrável relação Estado-clero em países como o Egito, onde o governo
bajulador dos imãs da Universidade Al Azhar, a sede intelectual do islã
sunita, preserva a política do privilégio.
Excede no mundo muçulmano uma burocracia religiosa avarenta que
sustenta uma administração fragilizada e as mulheres são frequentemente
as primeiras a sofrerem nesse cenário, no qual centros clericais
financiados pelo Estado são propagadores de sexismo e fazem apologia à
regressão das conquistas feministas.
A possibilidade das meninas árabes serem as primeiras beneficiadas pela
tendência iniciada pelas Pussy Riots e demonstrarem que a sua
autoridade deriva não de aderir a tradições, mas de expandir os limites
de sua aceitação, pode acrescentar uma nova força à Primavera Árabe.
Aproxima-se uma época na qual vozes marginais contribuirão para a
agitação política e pontos de vista sobre a dissidência se tornarão
menos uniformes e padronizados, gerando um cenário propício para a
luta-chave pelo poder.
Em sociedades onde a dissidência feminina se originou da raiva contra o
tipo de patrimonialismo que brutaliza as mulheres, tentativas de
oprimir outras pessoas sob o jugo da tradição serão percebidas como uma
expressão anormal de individualidade. Contudo, a Primavera Árabe e as
Pussy Riot revelam desvantagens comuns entre as mulheres e provocam
perguntas incômodas sobre gritos agudos de uma comunidade sem voz que
busca nada mais que um justo fim da dominação.
Hasnet Laís é escritora e colunista do Muslim Post. Texto original do Open Democracy e publicado em português pelo blog Outras Palavras. Tradução de Natália Mazotte.
Marcadores:
asia,
cultura,
Direitos Humanos,
discriminação,
homofobia,
inclusão social,
violência contra a mulher
Assinar:
Postagens (Atom)