Partido Pirata: novos ventos na políticaComo o Partido Verde no mundo, invenção recente que assumiu muitas vezes o foco das luzes de batalhas políticas de relevância, a idéia do Partido Pirata alastra-se e promete uma revoravolta em velhas práticas não mais compatíveis com as modernas tecnologias e os avanços das liberdades sociais ameaçadas por políticas fascistas.
Chico Villela - NovaE
Do norte da Europa chegam ventos amenos que indicam uma boa nova política para arejar os mais que pestilentos ares de democracias que se afundam a cada dia mais em medidas de “segurança” que implicam violação de privacidade, controle da vida dos cidadãos, restrições crescentes ao livre pensar e ao livre manifestar-se, e fatos similares, num alastramento de sistemas repressivos que avançam no mundo a partir da gestão fascista do regime Cheney-Bush, iniciada em 2001, e sua empulhação de “guerra global ao terror”. Nascido na Suécia em 2006, o Partido Pirata (PP) vem ganhando adeptos que organizam seções em todo o mundo. Assume o nome pelo qual os detentores de “patentes e direitos” chamam os que resistem ao avanço da sua dominação: piratas.
Um exemplo interessante de possível campo de ação dos PPs é o dos ‘organismos geneticamente modificados’, os OGM. Considere-se a Monsanto e suas sementes resistentes a determinado herbicida que mata as pragas, mas não as afeta. Uma semente que se planta hoje, de culturas como trigo, arroz, soja, milho etc., é resultado de milênios de aperfeiçoamento. De milho, os incas usavam mais de 50 tipos, de todas as cores e tamanhos.
A agricultura tem algo como 10 mil anos de história. Foi a partir da criação e do desenvolvimento de plantio e estocagem de alimentos que o homem pôde enfim abandonar a vida nômade baseada na caça e na coleta e fixar-se num território, o que origina a suprema criação humana, a cidade, e propicia a invenção de controles e mecanismos de administração dos alimentos e bens coletivos e particulares, mais tarde um dos pilares de outra invenção determinante, a escrita. Foi a partir da agricultura também que se desenvolveu o conhecimento do tempo e do clima, que nasceu e cresceu imbricado com o conhecimento dos céus e suas peculiaridades.
Ao longo da história humana, incontáveis centenas de milhões de agricultores ensaiaram e corrigiram solos e frutos, para legar ao homem contemporâneo as sementes que o nutrem. Mas múltis como a Monsanto não pensam assim: apropriam-se de uma semente propriedade da humanidade, modificam um minúsculo ponto em sua cadeia genética e se proclamam donas da semente modificada, e passam assim a cobrar bilhões de dólares dos que produzem alimentos em todo o planeta; no Brasil citam-se cifras ao redor de US$ 300 milhões.
Os PPs firmam posição contra essa posse desautorizada: são contrários a patentes de seres e entes vivos, como as sementes, da mesma forma que se opõem à posse privada de mudanças genéticas, objeto hoje de extensas pesquisas em muitos países. Como o ar é, e a água deverá ser um dia, as sementes e os recursos genéticos são patrimônio de todos, e não devem ser sujeitos a posse privada.
Os PPs adotam posição flexível sobre o uso particular de obras que circulam na rede. O movimento pela criação do PP de Portugal publicou em seu site em junho de 2009 notas sobre um estudo da Harvard Business School de downloads de músicas e suas conseqüências para autores e mercados. Os resultados da pesquisa conduzida por dois economistas, Oberholzer-Gee e Koleman Strumpf desmentem os que anunciam danos aos detentores de direitos. Focou-se a avaliação do “impacto da troca de ficheiros [arquivos] no mundo contemporâneo”, e concluiu-se que, “mesmo com o download ilegal, a produção musical mais do que duplicou nos últimos sete anos”.
Alguns destaques do texto citado: “Embora a venda de discos tenha caído desde 2000, o número de álbuns criados aumentou bastante. Se em 2000 foram lançados 35,5 mil discos, em 2007 esse número saltou para os 79,6 mil, onde se incluem 25,1 mil álbuns digitais. Procurando desmistificar os prejuízos económicos causados pela da troca de ficheiros protegidos por direitos de autor, o estudo, citado pela IDG News, sugere, por exemplo, que o download de músicas não representa necessariamente uma venda perdida e que os remixes e os mashups podem incentivar a venda dos temas originais.
Os autores sugerem ainda que a partilha de ficheiros pode representar uma perda de receita de início, mas é compensada por outros factores. Os economistas da Harvard Business School apresentam como exemplo o aumento da procura por espectáculos ao vivo, assim como a subida do preço dos mesmos. Perante os dados reunidos, Oberholzer-Gee e Koleman Strumpf concluem que o maior acesso do público às músicas e “uma protecção menos vincada dos direitos de autor, aparentemente, beneficiaram a sociedade”. Tal faz com que a violação dos direitos de autor seja ‘ambiguamente desejável’, desde que não impeça a produção de novos trabalhos por parte dos artistas e empresas de entretenimento.”
O pioneiro PiratPartiet sueco (http://www.piratpartiet.se/international/english), fundado em 2006, conseguiu eleger um membro ao Parlamento Europeu, com 7,1% dos votos do país, percentual mínimo que habilita o partido a ocupar uma das 16 cadeiras a que a Suécia tem direito. Prega reforma da lei de copyright, um novo projeto de patentes com severas restrições ao domínio aberto de empresas que operam pesquisas muitas vezes financiadas por governos, especialmente de produtos farmacêuticos, defende o direito à privacidade e a trocas e compartilhamento. A íntegra da declaração de princípios acha-se disponível em http://docs.piratpartiet.se/Principles%203.2.pdf.
O movimento cresceu após a multa de cerca de 3 milhões de euros estabelecida pela justiça contra os criadores do site pirata sueco The Pirate Bay, maior site de compartilhamento da rede até então. Os beneficiários foram múltis do ramo, entre elas Warner Bros, Sony Music, EMI e Columbia Pictures. A entidade ‘Partido Pirata Internacional’, com site em construção disponível em inglês em http://www.pp-international.net/, lista os links de partidos e movimentos em 32 países, além de noticiário variado, fóruns de discussão, etc.
O link do PP do Brasil é http://www.partido-pirata.org/. O site apresenta os princípios que baseiam sua ação e uma lista de perguntas e respostas de esclarecimento. Em ‘Quem somos’, lê-se:
“O Partido Pirata é um movimento que surgiu no Brasil no final de 2007 a partir da rede Internacional de Partidos Piratas [a mesma citada acima], organização pela defesa ao acesso à informação, o compartilhamento do conhecimento, a transparência na gestão pública e a privacidade - direitos fundamentais que são ameaçados constantemente pelos governos e corporações para controlar e monitorar os cidadãos. Não acreditamos na "propriedade intelectual" e entendemos que sua defesa no âmbito digital implica o controle dos cidadãos e a supressão dos direitos civis e liberdades individuais fundamentais. O Partido Pirata do Brasil defende ainda a inclusão digital, o uso de softwares livres e a construção de políticas públicas de forma efetivamente participativa e colaborativa.” O PP brasileiro defende também a inclusão digital e a transparência dos atos públicos, o que o aproxima de outros movimentos pela ética na administração pública e na política.
Uma das conseqüências da ampliação dos PPs pelo mundo é a colocação na mesa de debates de temas como direitos de propriedade e de autoria e seus desdobramentos. Há tendência à revisão de regras, algumas seculares, que disciplinam a matéria. Em alguns países não se considera pirataria a cópia não autorizada de uma obra para usufruto individual, sem intuito de comercialização ou lucro. Um paralelo pode ser traçado com outro alvo de medidas de repressão, as drogas. Em dezenas de países já se permite o consumo individual de algumas drogas e a sua posse em quantidades limitadas. No Brasil, a questão patina, sem que governos, políticos ou organizações civis tenham coragem de abrir o debate e propor avanços.
O último país a relaxar as antes rigorosas proibições contra drogas foi o México, que se acha há três anos em guerra contra traficantes de peso em que morreram mais de 7 mil pessoas. Na sexta passada, dia 21 de agosto, o governo aprovou lei que descriminaliza a posse de até 5 g de maconha, 500 mg de cocaína, 50 mg de heroína, 40 mg de metanfetaminas e 0,015 mg de LSD. O intuito é evitar a corrupção da cobrança de propinas para liberação de presos por porte e uso dessas drogas e permitir maior concentração das ações no combate aos grandes traficantes.
Mas a maior contribuição que os PPs poderão trazer talvez se situe na esfera da definição mais adequada aos tempos atuais dos direitos de patentes, em especial patentes da órbita da internet e algumas de uso mundial, e à reposição do debate sobre outras já consagradas e até aqui não questionadas. Um exemplo foi fornecido com a questão dos OGM, que implicam patentes sobre mínimas alterações em seres e entes vivos existentes há milhares, ou milhões, de anos. Outro campo promissor para alterações e novas propostas é o dos direitos intelectuais sobre obras. O ponto de partida é muito próximo ao do debate sobre patentes de seres e entes vivos: até que ponto uma obra técnica ou pedagógica para uso em educação, por exemplo, não incorpora conhecimentos acumulados por milhares de anos? Qual é a real contribuição do autor, se o tema é amplamente conhecido e de domínio público? A forma particular de organização do conhecimento coletivo num livro ou outra forma de registro autoriza o autor a direitos exclusivos?
São bastante amplas as perspectivas de crescimento e presença dos PPs na vida política de muitos países. Isso ocorre apesar da maciça resistência das empresas que detêm direitos e patentes sobre as obras e tecnologias que vêm sendo objeto de discussão pelos PPs. Um fato que vem atraindo atenção é a rapidez com que a idéia se consolida. O Pirate Party do Reino Unido (http://www.pirateparty.org.uk/) recebeu centenas de adesões (adultos, 10 libras, jovens, 2 libras) em questão de poucas horas no primeiro dia em que se noticiou sua abertura. O curioso é que o seu surgimento coincide com uma ameaça do governo de punição com multas de até 50 mil libras (mais de 150 mil reais) e bloqueio do acesso à rede aos cerca de 7 milhões de usuários que baixam obras ‘ilegalmente’ na internet.
Alguns analistas vêm mesmo comparando o surgimento dos PPs ao erguimento do recente e hoje sólido movimento ambientalista e seus PVs, que, em alguns países, ocupam cargos de primeiro nível e motivaram a reforma do Estado com a criação de órgãos e ministérios e uma detalhada legislação voltados ao tema. Mas, se o foco dos PVs é quase exclusivamente o ambiente, o raio de ação dos PPS pode abrir-se a campos bastante mais amplos.
Um exemplo é o Pirate-Party dos EUA, http://www.pirate-party.us/, em formação, que apresenta plataforma com alguns candentes temas políticos, como rejeição do conceito de pirataria online; imprensa livre, com respeito às normas constitucionais, extinção da recente parcela pertinente da legislação de caráter fascista da Lei Patriota de 2001 do regime Cheney-Bush, e limitação das dimensões da grande imprensa; respeito à absoluta transparência nos atos de governo e acesso dos cidadãos ao seu conhecimento; direito à privacidade (reivindicação explosiva, dada a permanente invasão da privacidade de milhões de cidadãos por agências governamentais que agem secretamente e ao desamparo da lei, a partir de 2001, e que continua no governo BHObama).
Outro exemplo é o Piratenpartei alemão, http://www.piratenpartei.de/, que participará das eleições de 27 de setembro para o Bundestag (parlamento). Pesquisas indicam que o novo concorrente poderá amealhar até inesperados 11% dos votos. Entre suas propostas situam-se a defesa da privacidade e da liberdade de circulação do conhecimento humano e a alteração de muitos pontos de sua lei de patentes, extinção das patentes de software, pontos comuns a todos os PPs. Mas o Piraten-Partei também defende a educação pública gratuita em todos os níveis e a transparência dos atos da administração pública, o que o aproxima de eficazes movimentos sociais dos dias de hoje. O PirateParty canadense http://www.pirateparty.ca/ ecoa essa plataforma em seus princípios em cinco pontos: reforma do copyright, mais respeito à privacidade, reforma do sistema de patentes, neutralidade na rede, e governo transparente.
Além do Brasil, só Chile (http://www.partidopirata.cl/) e Argentina (http://partido-pirata.blogspot.com/) contam com o movimento pelo PP na América Latina. Ambos os sites trazem manifestos de princípios extensos e elaborados. Pelo Peru, apresenta-se o movimento Estudantes pela Cultura Livre, que abrange algumas dezenas de universidades euamericanas e um ideário com alguns pontos em comum com os PPs. O ‘correspondente’ peruano é dirigido pela ‘Comissão para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação’, de 2003, com representantes de governo, universidades estrangeiras e iniciativa privada, que tem por meta a criação de um plano de atividades para o Peru. Os peruanos têm direito a dois assentos na comissão, com dezenas de membros.
Pela aparência, os EUA e seus “movimentos de estudantes” que propagam sua ideologia já se interessaram pelo PP tipo exportação, e o Peru é alvo fácil, o que mostra que, mesmo sendo tão recente, o interesse pelos PPs já chegou ao Departamento de Estado. Pelo menos, é um sinal da sua relevância.