Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
Do sitio www.esquerda.net
Bicentenário de Charles Darwin | | | |
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No dia em que se comemora o bicentenário do nascimento de Charles Darwin, o biólogo Élio Sucena lembra que "há no vastíssimo espólio epistolar e científico de Darwin, extraordinários trechos reveladores de um conhecimento e intuição invulgares da Natureza e suas leis, bem como das nossas sociedades e da nossa espécie". Texto de Élio Sucena, um dos oradores no ciclo de debates sobre ciência que a Cultra promove a partir desta quinta feira.
Muito se tem escrito e discutido sobre os limites e alcance, origem, desenvolvimentos e impactos, da teoria de evolução por selecção natural apresentada há 150 anos por Charles Darwin. Avaliar a importãncia de Darwin no pensamento ocidental não é tarefa fácil. Isto porque, porventura a ideia de evolução tal como a define Darwin, constituti a revolução/mudança de paradigma, mais transversal desde que a Terra deixara o centro do universo. Tal como a heresia heliocêntrica de Copérnico e Galileu, também a teoria evolutiva de Darwin, revê a ordem natural das coisas, o lugar da nossa espécie, o conceito de nós mesmos. Para ilustrar esse alcance da teoria darwiniana, essa transversalidade, essa redifinição, basta-nos pensar na forma como a sua substância enfrenta de uma só penada quase todos os dogmas e princípios-primeiros da Igreja. A nossa espécie não é essencialmente diferente das demais, e toda a vida está ligada não por uma vontade criadora divina, mas por um processo histórico com uma base biológica material. Vejamos brevemente de que consiste a teoria de Darwin, de evolução por selecção natural. A ideia de evolução não surge da pena de Darwin, desde a Grécia antiga a Lamarck que conceitos mais ou menos vagos de evolução tinham sido avançados. No entanto, Darwin é único porque consubstancia essa ideia de padrão, de árvore da vida, num processo criador: a selecção natural. Este processo implica que existam variações herdáveis entre indivíduos que estabeleçam diferenças na sua sobrevivência e taxa reprodutiva. Por outro lado, é importante realçar que estas diferenças dependem das condições ambientais e como tal não existem em absoluto formas melhores ou piores. Deste processo resulta que, para essas condições ambientais, os contributos para geração seguinte são diferentes de indivíduo para indivíduo e que com o tempo a população vai mudar a sua composição, com variantes menos adaptadas a perderem representatividade por oposição ao crescimento relativo da descendência de indivíduos melhor adaptados. Esta ideia é em grande parte construída por Darwin a partir da observação de espécies domesticadas. Dos cães ao milho, passando por todo o gado domesticado, os humanos alteraram drasticamente estas espécies, da morfologia ao comportamento. Este processo, de selecção artificial (por mão humana) é no fundo análogo ao processo que opera em condições naturais, em que o critério humano é substituído pelas condições ecológicas específicas em que vive cada organismo. Mas voltando à ideia de variação, gostava de desenvolver aqui um aspecto que é na minha opinião uma das suas ideias mais revolucionárias: o lugar desse conceito na teoria darwiniana. As diferenças entre indivíduos são uma condição necessária ao processo evolutivo. Rompendo com a tradição essencialista na qual as diferenças entre indivíduos são desvios indesejados ao ideal definidor da espécie, Darwin coloca a ideia de variação no centro da sua teoria como matéria-prima para a adaptação às flutuações ambientais e base geradora das “tão belas e incontáveis formas” que nos rodeiam. Esta forma de encarar a variação pode ser vista como eminentemente humanista. Até que ponto o humanismo de Darwin é determinante na elaboração da sua teoria, é difícil de estabelecer. No entanto, um recente livro publicado por dois dos mais reputados biógrafos de Darwin - “Darwin´s sacred cause de Adrian Desmond e James Moore – defende a tése de que as fortes convicções abolicionistas de Darwin terão sido determinantes para a sua teoria. A existência de uma só origem para a vida tem como consequência uma noção de irmandade entre as espécies, e em particular entre humanos, tornando a escravidão (também) um absurdo biológico. Uma passagem da “Viagem do Beagle” talvez levante um pouco o véu: “se a miséria dos nossos pobres não é devida a leis naturais mas sim às nossas instituições, quão grande é o nosso pecado!”. |
coisas do vaticano...
Vaticanadas
Ou vaticanices. Não suporto ver os senhores cardeais e os senhores bispos trajados com um luxo que escandalizaria o pobre Jesus de Nazaré, mal tapado com a sua túnica de péssimo pano, por muito inconsútil que tivesse sido e certamente não era, sem recordar o delirante desfile de moda eclesiástica que Fellini, genialmente, meteu em Oito e Meio para seu e nosso gozo. Estes senhores supõem-se investidos de um poder que só a nossa paciência tem feito durar. Dizem-se representantes de Deus na terra (nunca o viram e não têm a menor prova da sua existência) e passeiam-se pelo mundo suando hipocrisia por todos os poros. Talvez não mintam sempre, mas cada palavra que dizem ou escrevem tem por trás outra palavra que a nega ou limita, que a disfarça ou perverte. A tudo isto muitos de nós nos havíamos mais ou menos habituado antes de passarmos à indiferença, quando não ao desprezo. Diz-se que a assistência aos actos religiosos vem diminuindo rapidamente, mas eu permito-me sugerir que também serão em menor número até aquelas pessoas que, embora não sendo crentes, entravam numa igreja para disfrutar da beleza arquitectónica, das pinturas e esculturas, enfim de um cenário que a falsidade da doutrina que o sustenta afinal não merece.
Os senhores cardeais e os senhores bispos, incluindo obviamente o papa que os governa, não andam nada tranquilos. Apesar de viverem como parasitas da sociedade civil, as contas não lhes saem. Perante o lento mas implacável afundamento desse Titanic que foi a igreja católica, o papa e os seus acólitos, saudosos do tempo em que imperavam, em criminosa cumplicidade, o trono e o altar, recorrem agora a todos os meios, incluindo o da chantagem moral, para imiscuir-se na governação dos países, em particular aqueles que, por razões históricas e sociais ainda não ousaram cortar as sujeições que persistem em atá-los à instituição vaticana. Entristece-me esse temor (religioso?) que parece paralisar o governo espanhol sempre que tem de enfrentar-se não só a enviados papais, mas também aos seus “papas” domésticos. E digo ainda mais: como pessoa, como intelectual, como cidadão, ofende-me a displicência com que o papa e a sua gente tratam o governo de Rodriguez Zapatero, esse que o povo espanhol elegeu com inteira consciência. Pelos vistos, parece que alguém terá de atirar um sapato a um desses cardeais.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Documentário interessante....Gagged In Brazil
O documentário mostra como o governo Aécio Neves utiliza meios de comunicação comerciais do Estado de Minas Gerais para promover a sua imagem. Daniel Florêncio utiliza trechos do filme "Liberdade, essa palavra", sobre o mesmo tema, dirigido por Marcelo Baeta.
Além da repercussão na mídia mineira de uma matéria publicada no jornal francês "Le Monde", não traz muitas informações novas em relação ao "Liberdade, essa palavra", mas por ser narrado em inglês, ajuda a colocar mais lenha na fogueira, principalmente fora do Brasil.
Daniel Florêncio
Marcelo Baeta
[Fernando Massote
Marco Nascimento
Paulo Sérgio
Ugo Braga
Ulisses Magnus
Aloísio Lopes
Jorge Kajuru
Aécio Neves
Gênero: Documentário
Diretor: Daniel Florêncio
Duração: 9 minutos
Ano de Lançamento: 2007
País de Origem: Inglaterra / Brasil
Idioma do Áudio: Inglês / Português
Qualidade de Vídeo: Cam
Vídeo Codec: DivX
Vídeo Bitrate: 427 Kbps
Áudio Codec: Mp3
Áudio Bitrate: 128 Kbps
Resolução: 352 x 288
Formato de Tela: Tela Cheia (4x3)
Frame Rate: 29.970 FPS
Tamanho: 35 Mb
Legendas: Embutidas, em inglês e pt-Br
Créditos: MAKINGOFF - wfriche
Le Monde Brasil...
Testemunha do horror
Vasily Grossman
Nascido Iósif Solomónovch Grossman, em 1905, em Berdichev, adotará a variante russa – Vasily Semiónovich – quando do início de sua atividade literária. Filho de um engenheiro químico e de uma professora de francês, vive em Genebra de 1910 a 1912, e depois se muda para Kiev, onde fará os estudos secundários. Em 1918, após a revolução, volta à cidade natal e, finda a guerra civil, em 1923, irá para a Universidade de Moscou estudar química, carreira que abandona tão logo publica seus primeiros romances: Boa sorte e Stepan Kolchugin. Em 1935 é admitido no Sindicato de Escritores Soviéticos. Quando a Wehrmacht invade a URSS, ele, como a maioria dos escritores e grande número de soviéticos, se apresenta ao Exército Vermelho. Sem pertencer ao Partido Comunista e tendo sido dispensado do serviço militar por causa de uma pneumonia, teve de fazer várias pedidos ao Departamento Político Principal do Exército para conseguir ser aceito. Ao deferir seu pedido, David Ortenberg, editor do jornal Estrela Vermelha (Krasnaya Zvezda), argumentou: “Ele conhece a alma das pessoas”.
Guindado ao posto de intendente de segundo nível em julho, no início de agosto é nomeado enviado especial do Estrela Vermelha e segue para a frente de batalha, ao lado de Pavel Troganovsky, um experiente correspondente de guerra, e de Oleg Kworrine, fotógrafo, para se tornar a testemunha mais observadora e honesta das linhas de frente soviéticas entre 1941 e 1945, onde passou mais de mil dias.
Um escritor na guerra – Vasily Grossman com o Exército Vermelho (1941-1945), da Editora Objetiva, em tradução de Bruno Casotti, organizado pelo historiador Antony Beevor e pela jornalista Luba Vinogradova, é uma excelente oportunidade para, mais do que acompanharmos a campanha militar soviética, conhecermos um dos grandes escritores do século 20, até agora inédito em português. Embora os organizadores se estendam em contextualizações, tornando o texto às vezes um pouco arrastado, quando estamos diante dos relatos de Grossman o efeito é arrebatador e nos mostra a excelência que o jornalismo de guerra pode atingir.
Recuo e mais recuo
Com 3 milhões de soldados, em junho de 1941 o exército alemão inicia sua investida em solo russo e conquista uma cidade após a outra. “Sim, um tempo sem piedade – um tempo de ferro chegou”, escreve Grossman. Diante de inimigo tão bem organizado, o recuo permanente das tropas soviéticas é registrado por ele: “Há um mapa escolar da Europa. Decidimos olhá-lo. Ficamos horrorizados com o quanto recuamos”. E parte desse recuo nada mais é do que fruto do despreparo e da falta de confiança dos comandantes nos relatos dos informantes. “Ah, como eu conheço essa calma inabalável que tem origem na ignorância e que pode a qualquer momento se transformar em medo histérico e pânico”, constata o correspondente, para em seguida recordar: “Já vi tudo isso antes – em Gomel, Bezhitsk, Shchors, Mena, Chernizov, Glukhor – as cidades que os alemães conquistaram”. Em Brianski, em 4 de outubro, não se contém: “Êxodo! Êxodo bíblico... Isso não é uma enchente, não é um rio, isso é o lento movimento de um oceano fluindo, fluxo de centenas de metros de extensão. Cabeças de crianças, claras e escuras, despontam de tendas improvisadas que cobrem as carroças, bem como as bíblicas barbas de judeus idosos, os xales das camponesas, os chapéus dos tios ucranianos e as cabeças de cabelos negros das meninas e das mulheres judias. Que silêncio em seus olhos, que ampla tristeza, que sensação de destruição, de uma catástrofe universal”.
A queda de Kiev, onde mais de meio milhão de soviéticos são mortos ou capturados, não escapou às observações de Grossman, que registra as esperas e as confusões do Exércio Vermelho, bem como a simpatia da população ucraniana pelo inimigo, fato que Beevor explica lembrando que em 1932, durante intensa crise e grande período de fome, provocados pela campanha de Stalin contra os gulags e pela coletivização forçada da agricultura, mais de 7 milhões de pessoas morreram. Em sua obra-prima Vida e destino (e não, como afirmam erroneamente os organizadores na p. 9 da Introdução, em seu “último romance Fluindo para sempre”), Grossman extrairá desse período de desespero da população o caso verídico de uma mulher executada sob a acusação de comer seus dois filhos. [1]
Todas as impressões do primeiro ano de guerra serão a matéria-prima de Grossman para seu romance O povo imortal, que, publicado em série em 18 edições consecutivas do Estrela Vermelha, se torna um enorme sucesso entre os soldados, valendo-lhe a indicação unânime da comissão encarregada de selecionar o agraciado do ano para o Prêmio Stalin. Infelizmente, a determinação e a ousadia do autor em relatar o que se passava de verdade na frente de batalha desagradam o ditador, que veta seu nome. A opinião corrente no Partido é de que sua franqueza diante dos desastres militares de 1941 era antipatriótica.
Sem se deixar abater, Grossman insiste em ser transferido para o Fronte Sudoeste, onde, acredita, se desenrolará a próxima batalha. E estava certo! Enquanto os dirigentes soviéticos se mantêm aferrados à idéia de que as tropas hitleristas atacarão Moscou, o 6º Exército alemão avança para Stalingrado, pois o Führer preparava uma grande ofensiva no Sul, a fim de ocupar os campos de petróleo do Cáucaso. A obstinação cega de Hitler e a ofensiva alemã de 42 levarão à Batalha de Stalingrado, e sobre ela Grossman não usará meias palavras: “Stalingrado está incendidada... Está morta... Muitas pessoas estão parcialmente insanas. [...] A cidade morreu depois de tanto sofrimento... Agora hão há mais qualquer lugar para recuar. Cada passo para trás é um grande erro, e provavelmente fatal”. Logo em seguida, em um de seus mais celebrados artigos, “A batalha de Stalingrado”, descreve o que está à sua frente: “À luz dos foguetes vêem-se os prédios destruídos, a terra coberta de trincheiras, os bunkers nos penhascos e nas valas, buracos profundos protegidos do mau tempo por pedaços de lata e tábuas de madeira”. Com “sua” cidade em escombros, Stalin decreta a Ordem nº 227 – “Ninguém recua” – que, seguida à risca, leva à execução, em cinco meses, de 13.500 soldados que tentam desertar.
Mas a retirada em massa prossegue até a tentativa alemã de tomar Moscou. Nesse momento, a grande esperança de contenção do inimigo está depositada na rasputitsa, a estação da lama que precede o inverno. Em 6 de outubro, após pequena geada e neve, Grossman registra: “Acho que ninguém nunca viu uma lama tão terrível. Há chuva, neve, granizo, um líquido, um pântano sem fundo, uma massa negra misturada por milhares e milhares de botas, rodas, tratores. E todos estão felizes de novo. Os alemães precisam ficar atolados em nosso outono infernal. Tanto no céu quanto na terra”.
Stalingrado, 1942
No fim de outubro as batalhas diminuem devido à fadiga dos soldados e à falta de munição. A artilharia soviética se reorganiza de um lado do Volga, enquanto os ataques alemães perdem força. Obcecado por Stalingrado, Hitler não se intimida com a chegada do inverno russo e não percebe que 300 mil homens de seu exército estão prestes a ser isolados. Os soviéticos aguardam. Em dezembro, com a solidificação do Volga, 18 mil caminhões e 17 mil outros veículos cruzam o rio e logo em seguida iniciam a recuperação dos territórios ocupados. Sete exércitos soviéticos tentam esmagar as tropas alemãs, doentes e famintas. Em maio de 1943, em Kursk, Grossman se surpreende mais uma vez com a inação do Exército Vermelho, embora a batalha travada nessa cidade se torne conhecida como o maior confronto de forças blindadas da história mundial. Em julho, as forças soviéticas avançam para Orel e, como Grossman presenciara o recuo, seu editor deseja que ele esteja lá no momento da libertação. “Lembrei-me da Orel que eu vira exatamente 22 meses antes, naquele dia de outono de 1941, quando tanques alemães avançaram sobre a cidade, vindo da auto-estrada de Kronsk. Lembrei-me ainda da minha última noite em Orel, a noite ruim, terrível, o rugido de veículos fugindo, o choro das mulheres que corriam atrás de soldados que recuavam, os rostos tristes das pessoas e as perguntas que elas me faziam, cheias de ansiedade e sofrimento. Lembrei-me da Orel da última manhã, quando parecia que toda a cidade chorava e corria para lá e para cá, tomada por um pânico terrível. A cidade estava ainda na época em sua plena beleza, sem uma única janela quebrada, mas dava a impressão de que estava amaldiçoada, de que fora condenada à morte...”
Em seguida, os soviéticos retomam a Ucrânia: “Cada soldado, cada oficial e cada general do Exército Vermelho que já viu a Ucrânia sangrando e ardendo, que ouviu a verdadeira história sobre o que aconteceu lá durante os dois anos de domínio alemão, compreende no fundo de sua alma que só nos restaram duas palavras. Uma delas é ‘amor’ e a outra, ‘vingança’”.
Na estratégia traçada por Stalin, a Bielo-Rússia é o alvo da investida soviética, pois o sucesso ali proporcionaria uma ótima posição para atacar Berlim. Em 20 de maio é concluído o plano que envolve 1,2 milhão de homens. O desembarque na Normandia ocorre em 6 de junho. Em 22 do mesmo mês, no terceiro aniversário da invasão, começa a contraofensiva. Brodnisk é tomada aos alemães. Grossman afirma: “Às vezes você fica tão abalado com o que viu, o sangue corre apressado em seu coração e você sabe que a terrível visão que seus olhos acabam de ter vai assombrá-lo e repousar pesadamente em sua alma por toda a sua vida”. Na Polônia redige o artigo “O inferno chamado Treblinka”, usado como peça de acusação no Tribunal de Nuremberg, em 1946: “Economia, eficiência e limpeza meticulosa – todas essas são boas qualidade típicas de muitos alemães. Mas Hitler pôs essas qualidades do caráter alemão a serviço de crimes contra a humanidade...”. No mesmo mês, estava com as primeiras unidades soviéticas a entrar na Alemanha. Em abril, participou da batalha de Berlim. Em suas notas, testemunha a mudança dramática de comportamento dos soldados soviéticos. “O herói comum do povo deu lugar ao saqueador e ao estuprador. Coisas horríveis estão acontecendo com as mulheres alemãs... horror nos olhos de mulheres e meninas”, constata Grossman, embora já soubesse que muitos de seus textos não chegam aos leitores tal como tinham sido escritos. Com freqüência, ele se queixava da forma como eram reescritos e censurados pelos editores do jornal do Exército.
Terminada a guerra, alguns de seus artigos para o Estrela Vermelha são reeditados em um pequeno volume, Os anos da guerra, traduzido para vários idiomas. Em setembro de 1946, porém, sua peça Se acreditarmos em pitagórigos é violentamente atacada pelo Pravda. Em março de 1952 seu primeiro romance sobre Stalingrado, Por uma causa justa, só é editado porque ele concorda com inúmeras modificações para o texto se tornar “aceitável”. Salvo dos campos de trabalhos forçados pela morte de Stalin em 1953, passou a se dedicar a sua obra maior, Vida e destino, um tributo a Guerra e paz, concluída em 1959 e comparada por muitos críticos a Doutor Jivago, do Nobel de Literatura Boris Pasternak. No ano seguinte, envia os originais para a revista Znamia que, imediatamente, entrega-os à KGB, cujos agentes vão a sua casa em fevereiro de 1961 confiscar as cópias, o papel carbono e até mesmo a fita da máquina de escrever. Ao dirigir-se a Mikhail Suslov, o ideólogo-chefe do PCUS, solicitando que seu livro fosse publicado, este responde: “...de modo algum se publicará seu romance nem lhe será devolvido seu manuscrito; não é provável que seu livro saia antes de duzentos ou duzentos e cinqüenta anos” [2]. Seus textos são imediatamente tirados de circulação. Reduzido à penúria e com poucos amigos, Grossman morre de câncer em 1964. Felizmente a cópia que deixara de Vida e destino e de Tudo flui com Simón Lepkin é levada, em microfilme, pelo romancista Vladimir Voinovich para a Suíça. Tudo flui é publicado em 1970 e Vida e destino, em 1980.
Rumo a legalização e democratização das rádios comunitárias...
Projeto do governo Lula elimina prisão por rádio clandestina
Pela proposta, o processo administrativo contra a emissora clandestina correrá no Ministério das Comunicações, Já a operação de rádio sem autorização significará uma infração gravíssima, que será punida com multa e apreensão de equipamentos, além de suspensão da análise do pedido de licença.
A prisão continua sendo prevista para casos em que a operação ilegal da emissora ponha em risco serviços de telecomunicações de emergência e de segurança pública. Incluem-se aí os casos de interferência do sinal de rádio pirata na comunicação entre aviões e torres de comando.
Atualmente, a legislação qualifica o funcionamento das rádios comunitárias não autorizadas como crime, punido com pena de detenção de 2 a 4 anos. O governo entende que as punições administrativas, como o fechamento das rádios, aplicação de multas e confisco dos equipamentos, serão suficientes para lidar com o assunto.
Repercussão
O projeto foi recebido, claro, com críticas da bancada conservadora no Congresso. Para o deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC) — que é presidente da Frente Parlamentar da Radiodifusão —, o assunto tem de ser discutido em audiências públicas. “Esse projeto é um estímulo para que a lei não seja cumprida.”
O presidente da comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, deputado Walter Pinheiro (PT-BA), defende a elaboração de uma legislação mais abrangente. O mais correto, na opinião de Pinheiro, seria resolver primeiro o acúmulo de pedidos e o ritmo lento da análise dos processos pelo governo.
Quem tem muito a comemorar são as entidades que administram rádios comunitárias. O argumento delas é que são forçadas a operar ilegalmente por causa da demora no Ministério das Comunicações em analisar os pedidos de concessão. O novo projeto faz justiça a quem serve a interesses populares.
Execução de músicas
A boa notícia se contrapõe a uma derrota sofrida pelas rádios na Justiça. O Sindicato de Emissoras Comunitárias de São Paulo teve negado o pedido para que as suas filiadas não fossem obrigadas a pagar direitos autorais ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad). O juiz Maurício Campos da Silva Velho, da 16ª Vara Cível de São Paulo, julgou improcedente o pedido do sindicato.
A entidade alegou que a transmissão de músicas por suas rádios não tem motivo econômico e serve a fins culturais. O sindicato queria uma decisão que impedisse o Ecad de enviar os boletos de pagamentos para as rádios comunitárias.
Para o juiz, no entanto, o artigo 68 da Lei 9.610/98 (direitos autorais) é claro ao dispor que é obrigatório o pagamento de direitos autorais nas execuções públicas de músicas, independentemente do lucro. “Sendo incontroversa a execução pública, por suas associadas, de obras variadas cuja propriedade intelectual pertence a terceiros, cabe a elas, por sua vez, efetuar o pagamento dos direitos autorais”, anotou o juiz.
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
Viva Evo
A construção da unidade continental é um sonho que esteve presente na vida e na obra dos melhores intelectuais, lutadores e estadistas da América do Sul, mas nunca se realizou. Muitas causas contribuíram para essa frustração.
Durante a maior parte da nossa história, fomos economias primário-exportadoras, cujos centros dinâmicos ligavam-se diretamente com o exterior e eram comandados de lá. A infraestrutura unia regiões exportadoras aos portos, e estes, diretamente, à Europa ou aos EUA, de onde importávamos produtos industriais. As elites locais articulavam-se muito mais fortemente com os centros estrangeiros do que com suas próprias sociedades. Além disso, permaneceu existindo um vazio econômico e demográfico no coração do continente, na região amazônica e em sua extensa periferia, onde predominavam atividades extrativistas dispersas. As distâncias interiores eram quase intransponíveis.
Esses obstáculos deixaram de existir. Dos esforços desenvolvimentistas do século 20 herdamos economias mais industrializadas, capacidade técnica mais desenvolvida e mercados internos mais fortes, além de uma incipiente rede de infraestrutura voltada para efetuar ligações internas. E o papel da Amazônia mudou. No século 21, ela terá de constituir a base geográfica de um novo projeto comum de cooperação e desenvolvimento, capaz de garantir o nosso controle sobre recursos estratégicos -como água doce, biodiversidade, fontes de energia e minerais-, além do domínio pleno das biotecnologias.
Isso não é suficiente para que o projeto continental prospere. Falta uma ideia clara da nossa identidade coletiva. A história produziu diferenciações importantes. No Brasil, na Venezuela, na Colômbia, no Chile e na Argentina, predominaram povos novos, formados já no mundo moderno pela mistura de grupos humanos originários da própria América, da Europa, da África e até da Ásia, usados como força de trabalho pelo capitalismo europeu. No Peru, no Paraguai e no Equador, predominaram povos herdeiros das civilizações pré-colombianas; mesmo espoliados pela invasão europeia, preservaram línguas, costumes, formas de organização social, crenças e valores.
A Bolívia ocupa um lugar especial. Não é apenas o centro geográfico do continente. É também o principal lugar de encontro desses dois grandes contingentes humanos. Por isso, sempre esteve sob ameaça de desagregação. Até recentemente cresciam as tensões separatistas. A nova Constituição, recém-aprovada, concluiu com êxito uma fase fundamental do rico debate sobre a refundação do país. Mais de 90% dos bolivianos foram às urnas, e mais de 60% votaram sim. As posições da maioria prevaleceram, mas nem por isso as minorias foram esmagadas: suas reivindicações foram levadas em conta, o que reforça a legitimidade do novo arranjo político e institucional.
Evo não traiu as expectativas de mudança que nele foram depositadas. Nunca foi uma metamorfose ambulante. A Bolívia reformada, democrática e unitária mostra que a unidade dos povos sul-americanos é uma proposta possível e necessária. Um continente que pode ser facilmente superavitário na produção de alimentos e de energia não pode aceitar a pobreza de suas populações e a condição periférica no mundo.
Artigo de Cesar Benjamin, publicado na Folha, em 07/02/2009, sábado passado, dia em que foi promulgada a nova Constituição popular da Bolívia.
Fotos: população boliviana comemora a promulgação da nova Constituição do país, sábado passado.
Clique nas imagens para ampliá-las.
Créditos: Cristóvão Feil
Genocidio em Gaza...
A visão sagrada de Israel
Durante vinte um dias de bombardeio contínuo, Israel lançou 2.500 bombas sobre a Faixa de Gaza – um território de 380 km2 e 1.500 milhão de habitantes. Deixou 1.300 palestinos mortos e 5.500 feridos e 15 israelenses mortos.
A infra-estrutura do território foi destruída completamente, junto com milhares de casas e centenas de construções civis. E é provável que Israel tenha utilizado bombas de "fósforo branco" - proibidas pela legislação internacional - com conseqüências imprevisíveis , no longo prazo, sobre a população civil, em particular a população infantil. Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, declarou estar "horrorizado", depois de visitar o território bombardeado e considerou "escandalosos e inaceitáveis" os ataques israelitas contra escolas e refúgios mantidos em Gaza, pelas Nações Unidas. Richard Falk, relator especial da ONU sobre a situação dos Direitos Humanos em Gaza, também declarou que, "depois de 18 meses de bloqueio ilegal de alimentos, remédios e combustível, Israel cometeu crimes de guerra e contra a humanidade na sua última ofensiva contra os territórios palestinos. Crimes ainda mais graves, porque 70% da população de Gaza tem menos de 18 anos".
Dentro de Israel, entretanto - com raras exceções - a população apoiou a operação militar do governo. Mais do que isso, as pesquisas de opinião constataram que o apoio da população foi aumentando na medida em que avançavam os bombardeios - chegando a índices de 90%. E no final, na hora do cessar-fogo, metade era favorável à continuação da ofensiva, até a reocupação de Gaza e a destruição do Hamas. (FSP, 24/01/09).
Seja como for, duas coisas chamam a atenção – de forma especial - nesta última guerra: a inclemência de Israel e sua indiferença com relação às leis e às críticas da comunidade internacional. Duas posições tradicionais da política externa israelita, que têm se radicalizado cada vez mais e são quase sempre explicadas pela "escalada aos extremos" do próprio conflito. Mas existe um aspecto desta história que quase não se menciona, ou então é colocado num segundo plano, como se as "visões sagradas" do mundo e da história fossem uma característica exclusiva dos países islâmicos.
Para os judeus, Israel é a continuação direta da história deste "povo escolhido", e por isso, a sua verdadeira legislação ou constituição são os próprios ensinamentos bíblicos
Desde sua criação, em 1948, Israel mantém-se sem uma constituição escrita, mas possui um sistema político com partidos competitivos e eleições periódicas, tem um sistema de governo parlamentarista segundo o modelo britânico, e conserva um poder judiciário autônomo. Mas ao mesmo tempo, paradoxalmente, Israel é um estado religioso, e grande parte de sua população e governantes tem uma visão teológica do seu passado e do seu lugar dentro da história da humanidade.
Israel não tem uma religião oficial, mas é o único estado judeu do mundo. Os judeus consideram-se um só povo e uma só religião que nasce da revelação divina direta, e não depende de uma decisão, ou de uma conversão individual. "Se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis uma propriedade peculiar entre todos os povos. Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa" [1].
Além disto, o judaísmo estabelece normas e regras específicas e inquestionáveis que definem a vida cotidiana e comunitária do seu povo, que deve se manter fiel e seguir de forma incondicional as palavras do seu Deus, mantendo-se puros, isolados e distantes com relação aos demais povos e religiões. "Não seguireis os estatutos das nações que eu expulso de diante de vós. Eu Javé, vosso Deus, vos separei desses povos. Fareis distinção entre o animal puro e o impuro. Não vos torneis vós mesmos imundos como animais, aves e tudo o que rasteja sobre a terra" [2].
Para os judeus, Israel é a continuação direta da história deste "povo escolhido", e por isso, a sua verdadeira legislação ou constituição são os próprios ensinamentos bíblicos. O Torá conta a história do povo judeu e é a lei divina, dessa forma não pode haver lei ou norma humana que seja superior ao que está dito e determinado nos textos bíblicos, onde também estão definidos os princípios que devem reger as relações de Israel com seus vizinhos e/ou com seus adversários. Em Israel não existe casamento civil, só a cerimônia rabínica, e os soldados israelenses prestam juramento com a Bíblia sobre o peito e com a arma na mão. "Javé ferirá todos os povos que combateram contra Jerusalém: ele fará apodrecer sua carne, enquanto estão ainda de pé, os seus olhos apodrecerão em suas órbitas, e a sua língua apodrecerá em sua boca" [3].
Os anglo-americanos operam como a âncora passiva do "autismo internacional" e da "inclemência sagrada" de Israel
As idéias religiosas dos povos não são responsáveis nem explicam necessariamente as instituições de um país e as decisões dos seus governantes. Mas neste caso, pelo menos, parece existir um fosso quase intransponível entre os princípios, instituições e objetivos da filosofia política democrática das cidades gregas e os preceitos da filosofia religiosa monoteísta que nasceu nos desertos da Ásia Menor.
Mas o que talvez seja mais importante do ponto de vista imediato do conflito entre judeus e palestinos, e do próprio sistema mundial, é que Israel - ao contrário dos palestinos – junto com sua visão sagrada de si mesmo, dispõe de armas atômicas e de acesso quase ilimitado a recursos financeiros e militares externos. Com essas idéias e condições econômicas e militares, Israel seria considerado – normalmente - um estado perigoso e desestabilizador do sistema internacional, pela régua liberal-democrática dos países anglo-saxônicos.
Mas isto não acontece porque no mundo dos mortais, de fato, Israel foi uma criação e segue sendo um protetorado anglo-saxônico, que opera desde 1948, como instrumento ativo de defesa dos interesses estratégicos anglo-americanos no Oriente Médio. Os anglo-americanos operam como a âncora passiva do "autismo internacional" e da "inclemência sagrada" de Israel.
Encontro em Luanda...
FSM-2009
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Luiz Alberto Gomes de Souza *Adital
Sempre que acontece um Fórum Social Mundial volta a mesma questão, frequentemente com impaciência. Não bastaria estar contra, seria preciso indicar ações propositivas. Outros irão mais longe: há que desenhar um projeto alternativo. Projeto é alguma coisa lançada, projetada para a frente. Mas como essas intenções seriam construídas? Há muito candidato a "intelectual orgânico" querendo rabiscar, a partir de suas idéias, um desejo pessoal onipotente. Ou então um coletivo de companheiros. Pode haver alguma coisa de vanguardismo escondido aí. São grupos que pensam que sabem, ou que confundem o que pensam com uma nova verdade.
Claro, é bom que apareçam propostas, mas deveriam ser contribuições oferecidas com certa humildade e com ar tentativo. E, na medida do possível, teriam de estar enraizadas em práticas concretas emergentes. Do contrário soam como agendas voluntaristas de bons propósitos. Não há que rejeitar por princípio a apresentação de consensos propostos. Temeria se fossem consensos impostos. Depois do fim dos socialismos reais e frente à vagueza de um "socialismo do século XXI", pressente-se a presença de velhos paradigmas escondidos em embrulhos novos.
Hoje já temos um fato bem claro. A tapeçaria antiga do sistema capitalista, que chegou a pretender-se como o modelo único, rasgou-se de alto a baixo, vítima de suas ambições e de suas ilusões. "O rei está nu", não é preciso ser crianças sem preconceitos para ver. Davos 2009 foi um bom exemplo. Muitos deixaram de ir, se calaram e outros destilaram ali suas angústias. O templo dos grandes interesses privados apelou para o poder público. Mas atenção, na se tratou de socialização ou de estatização sem mais. Não é para que ele se substitua aos primeiros, mas para que os salve. É um chamado para a socialização dos prejuízos e para retomar mais adiante a privatização dos ganhos. O Estado, nas mãos de um poder dirigente, entraria para salvar o poder dominante em perigo. Uma primeira conclusão: não se trata de reformar o capitalismo, mas de aboli-lo. Isso jamais sairá de Davos. E no FSM é um horizonte que se vai precisando aos poucos. Há tendências que se vão solidificando e outras que se manifestam estreitas. A partir do fim do século XIX, havia uma proposta ancorada num sujeito central: a classe operária ou, para usar terminologia politicamente correta na ocasião, o proletariado. No século seguinte André Gorz escreveu: "Adeus ao proletariado". Não que tenha de ser afastado, mas junto a ele foram surgindo muitos outros atores, todo o tipo de excluídos, de trabalhos autônomos, de etnia, gênero e faixa etária. A polifonia às vezes assustou a quem estava acostumado a uma harmonia de acordes tradicionais e previsíveis. Como a música dodecafônica sucedendo à eloquência um pouco rebuscada de Mahler. Mas já podemos ir descobrindo processos mais profundos. Falava-se de um mundo globalizado, mas era para trazer um capitalismo predatório de dimensões sem limites, com um capital financeiro andorinha voando em todas as direções. Há um termo mais apropriado que é o de mundialização, ou melhor ainda, de planetarização. Theodor Roszak, lá na contracultura dos anos 80, falava dos direitos do planeta, dois séculos depois de surgirem os direitos humanos: Person, planet: the creative disintegration of industrial society. Talvez devêssemos dizer diretamente da sociedade capitalista, da qual a industrial é apenas uma de suas fases. Daí a importância do Fórum Social Mundial de Belém, em plena selva amazônica, onde o planeta mostra sua fecundidade e suas feridas e a multiplicidade de rios e igarapés, na riquíssima biodiversidade, estão ameaçados pelo predatório do sistema. Das propostas do Fórum, espalhadas em grupos de trabalho, passeatas e debates, vem o grito de alerta de um planeta violentado. O próximo Fórum possivelmente será na África. Ali os problemas são ainda mais graves e processos de desertificação irreversíveis. A fome e as violências campeiam em Darfour ou, pero dali, em Gaza, do outro lado da fronteira com a Ásia. Já faz muitos anos, no começo da descolonização, um observador arguto, Réné Dumond, escreveu: "L’Afrique noire est mal partie". Os colonizadores foram substituídos por uma elite local sem escrúpulos (não dá para falar de uma burguesia autóctone). Temos uma crise global que pode, de certa maneira, ser benéfica. Tempos de experimentações num plural aberto. Daí poderão aparecer pistas de análise que não brotam voluntaristas, mas vão sendo a sedimentação de intuições experimentadas e resultados parciais que estarão dando certo. Os sôfregos ficam nervosos. O sistema espera, do outro lado, apenas mudanças superficiais. Se não há soluções prontas, pouco a pouco, e isso foi emergindo de Belém, há "certezas difíceis" que enquadram o que brota. Mesmo se ele se dá, e não poderia deixar de fazê-lo, dentro dos marcos de um capitalismo vigente, deve trazer nele a semente na negação, os prenúncios de uma ruptura. No passado muitos debates se davam entre reformas dentro do sistema e revolução político-econômica para além dele. Falei atrás de negação do sistema capitalista. Mas a "consciência histórica" referida antes, que não deixa de ser também "consciência possível", está dando um passo adiante ao nível da intencionalidade. Talvez devamos incluir o processo numa perspectiva mais radical; tudo leva a indicar mutações sociais e planetárias muito profundas, agora como vetor de direção, mas pouco a pouco como iluminação nova. O que não se reduz a superar o capitalismo. Entre 1830 e 1848 a velha Europa se esvaía em lutas sociais. "Um fantasma ronda a Europa", escreveu Marx. Só que ele se enganou de lugar, vítima de seu eurocentrismo. O fantasma desceria do outro lado do Atlântico norte, ainda que não para transformar, mas para fortalecer o sistema. O Atlântico sul aparecia pouco. Não poderá estar aqui um campo fecundo de experimentação num horizonte adiante, bem mais ambicioso? "A história é nossa, a fazem os povos", disse Allende pouco antes de morrer. E também no momento da derrota, ao final da guerra civil espanhola, num de seus últimos escritos, disse Antonio Machado: "A história não caminha ao ritmo de nossas impaciências". Olhando o panorama desacorçoado de Davos e a caminhada do FSM de 2001 a 2009, de Porto Alegre, no sul, a Belém, nos trópicos, poderemos possivelmente levantar esperanças em horizontes ambiciosos de negação do sistema, e de mutações para além dele e de seus limites político-econômicos, sem a necessidade de atropelar uma história que já vai sendo misteriosamente construída. E onde o Brasil, coberto pelo FSM do sul ao norte, poderá ter um papel protagônico.
* Sociólogo, Diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência de Religião da Universidade Candido Mendes