terça-feira, 28 de julho de 2009

Questão energética na AL...

Trabalhadores da energia em época de crise

por James Petras [*]

A situação do sector energético na América Latina é determinada pelas correlações internas e externas de forças políticas, pelo nível da organização e do poder das classes no interior das classes dirigentes e trabalhadoras, pela situação da economia mundial e pela força e fraqueza do imperialismo americano. A 'situação do sector energético' refere-se a diversas variáveis em termos da propriedade, do peso na economia e da distribuição das receitas do petróleo no seio da estrutura de classes.

Correlação de forças interna e externa

A correlação de forças entre capitalistas e trabalhadores no sector energético na América Latina varia muito: Na Venezuela, o governo de Chavez, com o apoio dos sindicatos dos trabalhadores petrolíferos, alargou a propriedade pública e distribuiu as receitas do petróleo através de subsídios à alimentação, de programas de saúde universal e de educação pública. No outro extremo, na Colômbia, com o presidente Uribe, as empresas petrolíferas privadas estrangeiras têm um controlo cada vez maior, os lucros são repatriados para os países imperialistas ou retirados do país pela elite interna, as receitas governamentais subsidiam a oligarquia e os esquadrões da morte, apoiados pelo governo, e os militares, para assassinarem e ameaçarem os dirigentes sindicais e comunitários.

Entre estes dois extremos da esquerda nacionalista e da direita neo-fascista, existem outras variantes: social-democrata, liberal social e neo-liberal.

A Bolívia e o Equador, com Evo Morales e Rafael Correa, representam a posição social-democrata, propondo 'parcerias' entre o 'estado' e as empresas petrolíferas capitalistas estrangeiras, que partilham os lucros da exploração do petróleo bruto. As empresas estrangeiras continuam a controlar a maior parte ou toda a refinação e comércio e o governo social-democrata teve que estabelecer os seus próprios 'sistemas de comercialização'.

As políticas 'liberais sociais' encontram-se no Brasil e na Argentina, onde as principais companhias petrolíferas são 'estatais' apenas no nome, já que são transaccionáveis nos mercados de acções da América Latina e da Wall Street. As receitas estatais são distribuídas em proporção desigual, o grosso é para subsidiar o sector agro-mineral e o quinhão mínimo para financiar programas sociais – incluindo programas básicos contra a pobreza.

As políticas neoliberais encontram-se no México e no Peru, onde as antigas empresas petrolíferas e os recursos energéticos, inicialmente de propriedade pública, foram entregues a empresas petrolíferas e energéticas estrangeiras. No México foi apenas a militância do Sindicato dos Trabalhadores de Electricidade (SME) que impediu o governo de privatizar a sua indústria estratégica. Com os regimes neo-liberais as receitas do petróleo e da energia foram distribuídas quase exclusivamente pela classe dominante estrangeira e interna e apenas alguns 'incentivos' destinados aos trabalhadores, camponeses e comunidades índias sob a forma de “programas de pobreza” de subsistência. Os regimes neo-liberais desinvestem e espoliam as empresas públicas, reduzindo a sua capacidade de produção e deixando-as endividadas, com uma tecnologia obsoleta e uma capacidade reduzida para cumprir as suas obrigações ultramarinas.

O impacto da explosão económica e da recessão global (2003-2009)

O desempenho e a propriedade do sector energético são influenciados pela luta de classes interna, pela situação da economia mundial e pela subida e declínio do imperialismo americano. A crise do neoliberalismo e as rebeliões populares entre 1999-2005 marcaram o final da fase principal da privatização em grande escala em muitos países da América Latina. O derrube dos governos de De la Rua na Argentina, de Sanchez de Losada na Bolívia (Abril de 2002) e o lockout patronal (Dezembro 2002 – Fevereiro 2003) levaram os movimentos de massas radicais a estabelecer uma nova agenda. A re-nacionalização do sector energético — petróleo, sector eléctrico, minas e outros sectores estratégicos.

Mas as rebeliões populares, com excepção da Venezuela, não conduziram a governos de trabalhadores-camponeses. Pelo contrário, as alianças, encabeçadas pela classe média centro-esquerda, com as classes populares levaram a algumas reformas parciais. Na Bolívia, Evo Morales reforçou o papel do estado em parceria com 42 companhias de petróleo e gás de propriedade estrangeira. Na Argentina, Kirchner fundou uma companhia estatal mas recusou-se a renacionalizar a YPF/Repsol. No Equador, Correa aumentou os impostos às empresas petrolíferas, mas as companhias multinacionais estrangeiras continuam a produzir 57% do petróleo. No Brasil, Lula recusou-se a renacionalizar as empresas privatizadas – e a maior parte das acções da Petrobrás manteve-se na mão de investidores privados.

A principal luta contra a exploração das companhias energéticas e mineiras no Peru, na Colômbia, no Equador e no Chile foi travada pelos movimentos índios que, nalguns casos, foram apoiadas por trabalhadores petrolíferos e organizações camponesas. A razão é óbvia. As companhias energéticas não andavam apenas a explorar a mão-de-obra, andavam a destruir a sua economia e as suas condições de vida através da contaminação maciça pelo ataque ao seu ambiente tradicional.

No Brasil, a promoção de Lula, em grande escala e a longo prazo, de gigantescas plantações de açúcar multinacionais e de refinarias para produção de etanol expulsou milhares de pequenos agricultores e comunidades índias e intensificou a exploração dos trabalhadores rurais. O movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST) e outros movimentos rurais sociais, aliados a Lula, envolveram-se em lutas defensivas. Mas, sem aliados urbanos, não conseguiram derrotar a aliança de Lula e da agro-indústria.

Trabalhadores urbanos e sindicatos

A principal força motora das rebeliões populares contra o neoliberalismo varia nos diversos países e nas diversas épocas.

No Equador, os trabalhadores petrolíferos, mineiros e fabris, juntaram-se aos movimentos de massas camponeses para derrubar Noboa no início da década. Na Argentina, os trabalhadores desempregados e a classe média encabeçaram a luta para derrubar De la Rua. Na Venezuela, os trabalhadores petrolíferos correram com uma minoria que apoiava o lockout patronal e a maioria assumiu o controlo e pôs os poços a funcionar em apoio ao presidente Chavez. Mas durante toda essa década os trabalhadores do sector energético organizaram-se e defenderam militantemente o seu sector económico, opondo-se à privatização e protegendo os seus padrões de vida através da luta de massas. No entanto, a sua presença nas rebeliões populares foi reduzida. Em muitos casos as direcções dos sindicatos da energia apoiaram os regimes centro-esquerda a fim de garantir concessões salariais e protecção no trabalho. Quando muito, os sindicatos da energia envolveram-se em manifestações de solidariedade com a luta de massas dos camponeses, índios e desempregados.

Paradoxalmente, a forte e militante organização dos sindicatos da energia conduziu a ganhos económicos e reformas sectoriais, que provocaram ilhas de abastança profundamente segregadas no meio de uma massa de pobres urbanos e rurais. A década passada testemunhou o declínio dos trabalhadores petrolíferos enquanto vanguarda nas rebeliões populares. Houve outras classes que ocuparam o seu lugar. Isto criou um perigo estratégico porque, no decurso das privatizações em grande escala do sector energético, os trabalhadores vão deixar de contar com o apoio do resto da classe trabalhadora e dos camponeses.

Embora a exploração do petróleo no Amazonas crie 'empregos para os trabalhadores petrolíferos', destrói o meio de vida das comunidades índias e instala um conflito mortal entre as empresas petrolíferas e os seus trabalhadores contra a massa de artesãos, pequenos agricultores e comunidades índias dependentes da agricultura, da pesca e do artesanato na proximidade das operações petrolíferas e mineiras.

A recessão mundial e o sector energético

A crise mundial não pode ser resolvida apenas com greves e protestos. Nem sequer a renacionalização, por si só, pode criar a base para uma recuperação nacional. A única alternativa que os trabalhadores da energia têm é uma 'revolução político-cultural' em que repensem a sua estratégia básica e passem para além de lutas sectoriais.

A actual repressão, profunda e prolongada, só pode ser combatida a nível político-nacional – virando-se para a formação de uma ampla aliança política de massas com as classes populares e com uma estratégia de conquista do poder estatal. Face ao colapso do capitalismo, a luta sindical deixa de ter eficácia. Os sindicatos só podem ter êxito se fizerem uma viragem decisiva para os movimentos anti-capitalistas – uma viragem para uma adesão explícita ao socialismo.

Actualmente toda a classe capitalista se apoderou do controlo do estado, especificamente do erário público, para financiar a sua sobrevivência e recuperação à custa dos trabalhadores, camponeses, índios e pobres urbanos. À medida que a crise se aprofundar, a rebelião de massas urbana e rural vai de novo quebrar os laços da hegemonia burguesa. Vai levantar-se a questão: Os trabalhadores da energia farão parte duma solução socialista ou do problema capitalista? Voltarão os trabalhadores da energia a fazer parte da vanguarda ou manter-se-ão na retaguarda? O que é perfeitamente claro é que os trabalhadores da energia ocupam uma posição estratégica no sistema capitalista mundial – sem petróleo nada mexe, sem electricidade os banqueiros não podem calcular os seus lucros e os investidores não podem ler os seus pagamentos de dividendos.

O sistema capitalista na sua totalidade nunca admitiu hoje na vida real que é um sistema falhado – nem na produção de bens e serviços, nem na oferta de crédito e financiamento, nem na utilização de mão-de-obra.

Ocorre-nos ao espírito a conhecida frase de Karl Marx – 'Um espectro assombra a classe capitalista: A chegada da revolução socialista'.


[*] Apresentado numa sessão plenária do encontro internacional de trabalhadores da electricidade no México organizado pelo Sindicato Mexicano de Electricistas (SME) Julho 2009.

O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=14428 .
Tradução de Margarida Ferreira.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Marx e marxismo...

A Ecologia de Marx



John Bellamy Foster
Civilização Brasileira, Rio 2005.
Por Hamilton Pereira (Pedro Tierra)



Em seis capítulos e uma nota de Epílogo, Belamy Foster recupera e expõe não apenas insights de Marx e Engels em torno de questões que ocupam com destaque a agenda ambiental contemporânea, nessa primeira década do século XXI, mas elementos constitutivos dos fundamentos de sua concepção materialista da natureza e da história relacionados com a necessidade, na construção histórica da (...) “sociedade dos produtores associados de governar o metabolismo humano com a natureza de modo racional, (Marx) que excede completamente as capacitações da sociedade burguesa.” (Foster).

O diálogo crítico da obra de Marx e Engels com Darwin e Malthus, recuperado nos capítulos iniciais, oferece ao leitor os contornos do ambiente fechado, sufocante da Inglaterra vitoriana que levou Darwin a guardar debaixo da escada, por vinte anos, os manuscritos que redigira na sua viagem a bordo do Beagle, em 1837: “(...) mas tal era a minha aflição para evitar o preconceito que eu decidi por algum tempo não escrever nem mesmo um rápido esboço a respeito. Em junho de 1842 eu pela primeira vez me permiti a satisfação de escrever um brevíssimo resumo da minha teoria em trinta e cinco páginas, que no verão de 1844 se ampliou para duzentas e trinta páginas do qual eu havia feito uma cópia limpa que ainda possuo”. (Darwin). Recorde-se que Darwin só veio a apresentar sua teoria em 1858/59 com a publicação de “Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural”.

Marx e Engels reconhecem e reverenciam Darwin pela gigantesca contribuição que oferece com sua teoria para o “triunfo sobre a visão teológica da natureza” (Foster) abrindo um espaço fundamental para o avanço do pensamento materialista e dialético a partir dali. Oferecendo, portanto, elementos relevantes para suas próprias formulações, na disputa teórica e política que travavam naqueles anos contra as concepções idealistas, na filosofia e, na política, contra a reação da burguesia européia que reprime e derrota o movimento operário e socialista em 1848 e em 1871.

Por outro lado, Marx e Engels elegerão Malthus como alvo de ataques demolidores ao longo de décadas: “A teoria Malthusiana, nada mais era que a expressão econômica do dogma religioso, no que tange à contradição entre o espírito e a natureza e a corrupção resultante de ambos” (Engels). Porém, mais do que um dogma religioso, era uma tentativa de fundir a teologia protestante (e o naturalismo dos párocos) com a necessidade econômica da sociedade burguesa (Foster). “(...) as implicações dessa linha de pensamento (de Malthus) são tais que, como só os pobres são excedentes, nada se deve fazer por eles senão facilitar o mais possível a sua fome, convence-los de que ela é inevitável e que a única salvação para toda a classe deles é manter a propagação no grau absolutamente mínimo.” (Engels). Donde, todos aqueles que propunham ou a melhoria das condições de vida dos pobres ou uma sociedade futura caracterizada por uma melhoria mais geral estavam, no entender de Malthus, simplesmente negando a necessidade inexorável do vício e da miséria (Foster) como fatores de controle de população.

O capitalismo, observou Marx “cria as condições materiais para uma síntese nova e superior, uma união da agricultura e da indústria com base nas formas que se desenvolveram durante o período do seu isolamento antagônico”. Mas para alcançar esta “síntese superior”, seria necessário, argumentou ele, que os produtores associados “governassem o metabolismo humano com a natureza de modo racional” uma exigência que suscitava desafios fundamentais e continuados para a sociedade pós-revolucionária (Foster).

Elabora Bellamy Foster uma síntese mais abrangente do que em geral lemos sobre o pensamento de Marx, capaz de abarcar aspectos do que havia de mais avançado na produção do pensamento filosófico e científico e então: “Epicuro, segundo Marx, havia descoberto a alienação da natureza; mas Hegel revelou a alienação dos seres humanos do seu próprio trabalho, e daí tanto da sociedade quanto da relação especificamente humana com a natureza. Marx forjou estes insights, com o conhecimento crítico obtido da economia de Ricardo, da química de Liebig, e da teoria evolucionária de Darwin, numa filosofia revolucionária que visava a nada menos que a transcendência da alienação em todos os seus aspectos: um mundo de liberdade humana e ecológica racional com base terrena – a sociedade de produtores associados” (Foster).

Bellamy Foster nos oferece uma contribuição teórica sólida e oportuna para ampliar o debate no interior das esquerdas. Organiza informações que nos permitem incorporar os elementos filosóficos e econômicos que ancoram a noção da sustentabilidade ambiental no pensamento revolucionário de Marx e Engels. E nos desafia a incorporar a dimensão da sustentabilidade ambiental à cultura do desenvolvimento brasileiro do século XXI.

Gramsci e a esquerda...

Gramsci e a esquerda brasileira, hoje

Gildo Marçal Brandão


De acordo com Gildo Marçal Brandão, professor do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisador do Cedec, a partir dos anos 1980 e 1990 Gramsci passou a ser uma referência importante no Brasil, propagado por autores ligados ao velho Partido Comunista Brasileiro. O pesquisador ressalta que Gramsci teve influência na construção da esquerda em nosso país, porque justificava, delineava e trazia elementos de reflexão para uma esquerda que tentava fazer uma política de frente democrática contra o regime militar. Entretanto, Brandão ressalta que a análise das classes como motor das mudanças sociais, critério chave do marxismo e do próprio Gramsci, “é ultrapassada”. A entrevista foi realizada por telefone.

Brandão é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco e doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo (USP). É pós-doutor pela University of Pittsburgh. De sua obra bibliográfica, destacamos
A esquerda positiva: as duas almas do Partido Comunista, 1920-1964 (São Paulo: Hucitec, 1997) e Linhagens do pensamento político (São Paulo: Hucitec, 2007).

Qual é a importância de Gramsci na construção da esquerda brasileira?

Gramsci foi influente no Brasil a partir dos anos 1970. O Brasil foi um dos primeiros países que traduziu sua obra. Num determinado momento, ele passou em “brancas nuvens”. Depois, a partir dos anos 1980 e 1990, se tornou um autor importante, propagado no Brasil, em geral, por autores ligados ao velho Partido Comunista Brasileiro: Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder, Luiz Werneck Vianna, Marco Aurélio Nogueira e Luiz Sérgio Henriques. Alguns liberais e pessoas de extrema-esquerda também interpretaram as obras de Gramsci, de maneira diferente. Gramsci foi importante na construção da esquerda, porque justificava, delineava e trazia elementos de reflexão para uma esquerda que tentava fazer uma política de frente democrática contra o regime militar. Várias categorias de Gramsci e do eurocomunismo foram usadas no Brasil por uma parte da esquerda que estava se reconciliando com a democracia e que achava que não se devia lutar pela derrubada da ditadura, mas sim pela derrota da ditadura. A ideia era fazer uma política de frente para isolar o regime militar. Então, categorias de Gramsci, como a guerra de posição e a ideia de que o País já era ocidentalizado e não oriental, comportavam a luta política institucional, luta de massa, reivindicação da democracia. Esse foi o Gramsci importante para a reconstrução da esquerda brasileira. Isso influenciou no começo o velho comunismo e depois se propagou pelo petismo, que tinha muitos elementos em contradição com a velha esquerda comunista. Mas Gramsci foi particularmente influente nos dois casos, porque, em ambos, a atenção à luta democrática, institucional e eleitoral, era importante.

Hoje, que reflexos de sua obra sobrevivem nos partidos de esquerda do Brasil?

Eu não conheço bem os partidos de esquerda que sobrevivem no Brasil. Mas eu tenho impressão de que a obra de Gramsci deixou algum resquício intelectual. Por exemplo, existe um site chamado Gramsci e o Brasil, que reúne intelectuais que ainda são ligados a uma posição de esquerda democrática, de esquerda gramsciana, no Brasil. Mas Gramsci como elemento de direção política, de definidor de estratégias, não existe mais. A influência dele na esquerda brasileira é muito pequena. É claro que ficou a marca de um certo setor da esquerda democrática, da esquerda que considera a democracia um valor universal. É aí que Gramsci sobrevive como influência intelectual.

Por que os ensinamentos de Gramsci se perderam nos partidos de hoje?

Primeiro porque o marxismo saiu do cenário, ou seja, ele foi fortemente abandonado e superado. O desprestígio das ideias marxistas afetou muito os teóricos latinos. Gramsci, deles todos, talvez seja um dos que melhor resista, justamente porque tem o marxismo muito voltado para a análise de situações e processos políticos. Nesse ponto, Gramsci tem muito o que dizer. Boa parte do pensamento marxista, hoje, não é nem muito considerada. Por exemplo, um critério-chave do marxismo e do próprio Gramsci é a análise das classes como motor das mudanças sociais. Ora, se observarmos a sociologia moderna, dos últimos 20 anos, se percebe que há um abandono quase generalizado da teoria das classes para explicar as mudanças sociais. Muitos sociólogos tomavam a teoria das classes como o principal vetor que explicava a mudança social. Hoje, não se tem mais nenhuma teoria nesse estilo. Não se tem mais, nas ciências sociais, teorias que explicam o conjunto. Existem, sim, teorias que explicam partes, de alcance médio, mas não globais. Há um desprestígio que afetou o marxismo, o funcionalismo, o estruturalismo. Toda essa influência recente do pós-modernismo jogou teóricos como Gramsci em segundo plano. Isso não quer dizer que não sobrevivam ou existam intelectuais marxistas de primeira categoria, com posições divergentes.

Carlo Rosselli referiu-se a Gramsci como um gênio. Quais são suas principais contribuições à ciência política atual?

Gramsci sempre se recusou a separar a política da sociologia, da economia, da cultura. Ele sempre pensou globalmente. Hoje, as ciências sociais são muito fragmentadas e segmentadas. Então, ele batia de frente com isso. Apesar de ser um marxista, e ser contra qualquer tipo de elitismo, ele sempre achou que as ciências sociais tinham que estudar e abarcar o conjunto de atividades pelas quais as classes dirigentes não só mantêm como justificam seu domínio e tentam obter o consentimento passivo dos governados. Para ele, o problema político central era superar a divisão entre governantes e governados, isto é, transformar os governados, que constituem a classe subalterna, em capazes de serem governantes. Por isso, ele acreditava que não bastava vencer; era necessário convencer. Era possível que um grupo político, mesmo sem estar no poder, se transformasse numa classe dirigente da sociedade, desde que soubesse transformar os seus interesses em interesses universais desta sociedade. Por esse caminho, Gramsci cunhou a razão da hegemonia, que é fundamental para as ciências políticas. Essa ideia de hegemonia, ao meu ver, é a principal contribuição que ele deu às ciências sociais.

Como Gramsci pode contribuir para fortalecer a democracia brasileira?

Do jeito que entendo, Gramsci nos ajuda a pensar em como construir democraticamente a democracia, e construir o socialismo, no qual ele acreditava. Gramsci aposta nesse caminho democrático e tende a ver essas duas coisas como um mesmo processo. Nesse sentido, ele é bastante coerente e reforça a capacidade que se tem de refletir e atuar no sentido de construir uma direção política que não apenas vença o adversário, mas convença.



Fonte: IHU On Line, 296, 8 jun. 2009 & Gramsci e o Brasil.

O MARTÍRIO DE JOANA D'ARC - 1928

La Passion de Jeanne d'Arc




Sinopse:

França, século XV, Joana de Domrémy, filha do povo, resiste bravamente a ocupação de seu país. É presa, humilhada, torturada e interrogada de maneira impiedosa por um tribunal eclesiástico, que a levou, involuntariamente, a blasfemar. É colocada na fogueira e morre por Deus e pela França. Último filme mudo de Carl Th. Dreyer, a sua obra-prima máxima, o filme mais fiel à história da guerreira. Todos os filmes de Dreyer, basearam-se em obras de ficção ou peças teatrais, exceto O Martírio de Joana d'Arc, que foi inspirado nos manuscritos oficiais do julgamento da donzela de Orléans. Interpretada de maneira soberba por Renée Falconetti, uma atriz de palco, descoberta por Dreyer numa comédia de boulevard, que sob sua direção, interpretou seu personagem sem uma gota de maquiagem. Esta película foi filmada oito anos depois da canonização de Joana d'Arc e dez anos após o fim da Primeira Grande Guerra, tendo ambos acontecimentos influenciado bastante a concepção de Dreyer no contexto da produção.

Essa é uma versão restaurada e telecinada diretamente do negativo original, com uma nova trilha sonora produzida especialmente para obra.


Informações sobre o filme:

Direção: Carl Theodor Dreyer
Roteiro: Joseph Delteil, Carl Theodor Dreyer
Ano: 1928
País: França
Gênero: Drama
Duração: 112 minutos
Título Original: La Passion de Jeanne d'Arc
Título em inglês: The Passion of Joan of Arc
Elenco: Maria Falconetti, Eugene Silvain, Maurice Schutz, Antonin Artaud, Michel Simon, Jean d'Yd, André Berley, Louis Ravet, Armand Lurville, Jacques Arnna
Créditos: F.A.R.R.A.-KillBill
Crítica:

São muitos os mitos e histórias que cercam a produção do filme “O Martírio de Joana D´Arc”, obra do cineasta dinamarquês Carl Theodor Dreyer. Reza a lenda que todos os negativos do filme foram perdidos, e apenas um rolo regular foi achado. Essa preciosidade se encontrava no porão de um hospício da Dinamarca.

Vários grandes diretores já narraram a história Joana D'Arc: George Meliés, Robert Bresson, Rosselini são alguns deles. Recentemente Luc Besson idealizou um filme bem famoso sobre a donzela de Orléans. Vários grandes filmes, mas nada que se compare ao filme de Dreyer. Motivo? A belíssima e inesquecível atuação de Maria Falconetti, e a sensibilidade imposta pelo diretor, conhecido como o "o cineasta da vida interior". (...)
Continuação em http://www.cineplayers.com/critica.php?id=1210


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domingo, 26 de julho de 2009

Estava demorando...


Elaine Tavares

Quem assiste TV deve se lembrar. Quando o então senador Barak Obama era candidato à presidência dos Estados Unidos havia uma espécie de “esperança” no sujeito. Era, afinal, um negro, coisa inédita naquele país, bonito, simpático, charmoso, um “democrata”. E, por conta disso, a mídia cortesã o pintava como uma novidade, aquele que iria mudar a cara dos EUA , dar uma certa leveza ao império. Bem, substituir George Bush já significava isso. Mas, entre os “arautos da desgraça” - que são os que tem olho crítico e conhecem a história – já se vaticinava. “Não haverá novidades. Os democratas não se diferenciam dos republicanos em quase nada, a não ser talvez numa certa simpatia tal como se pode encontrar em Carter, Clinton e agora em Obama”. Havia a certeza de que as coisas não mudariam. Bem, aí está o cenário latino-americano se redesenhando na era Obama. E aquilo que Bush, na sua truculência não conseguiu, o jovem charmoso parece lograr.

George Bush saiu de cena com um grande osso na garganta: a Venezuela bolivariana. Durante todo seu mandato não havia conseguido dobrar o país de Bolívar, comandado agora por Hugo Chávez. Este, por sua vez, foi comendo o mingau pelas beiradas. Colocou água no plano da ALCA, desestabilizou alguns Tratados de Livre Comércio bilaterais, criou a PetroCaribe, amealhou aliados como a Nicarágua, a Bolívia, o Equador e conseguiu com que alguns dirigentes auto-denominados à esquerda se aliassem em algumas propostas pontuais dentro da lógica da ALBA, o contraponto da proposta estadunidense. Era um avanço e tanto no território de poder dos Estados Unidos que, por seu lado, andava atolado nas guerras do Afeganistão e do Iraque, que ainda não logrou concluir em face da resistência heróica do povo, que podia até não querer os talibãs ou Sadam, mas também não quer nenhum governo de dominação.

Pois agora com a chegada de Obama, os Estados Unidos tentam recuperar as rédeas da sua reserva estratégica de riquezas, a América Latina. E, para isso, nada melhor do que uma boa e velha receita, tantas vezes já utilizada em momentos de tentativas de rebelião da massa do “quintal”: o golpe militar. Assim, ao contrário do que fizera Bush, que tentara desalojar Chávez em seu próprio país, num golpe de estado articulado pela mídia e pela classe dominante, a jogada do governo Obama é muito mais inteligente. Organiza e leva a cabo um golpe militar numa pequena república da América Central, periférica ao território “rebelde”, mas com algumas ligações políticas capazes de levantar a fúria dos seus aliados. Escolhe Honduras, governada por um latifundiário bem intencionado que já se atrevera a realizar negócios com a Venezuela, buscando melhorar a vida do povo hondurenho.

Manuel Zelaya começou a orbitar o caminho da alternativa bolivariana quando acordou entrar para a PetroCaribe e realizou negócios de compra de petróleo em condições bastante justas e vantajosas para seu país. Foi o que bastou para ficar na mira do império. Assim, quando acenou com a possibilidade de consultar o povo sobre uma mudança constitucional, veio o golpe. Claro, querer ouvir o povo era um pouco demais.

Agora o império se rearticula na América Latina. Dá uma boa lição nos pequenos que tentam fugir de sua órbita, acusa o governo do Equador de ligações “obscuras” com as FARC e acena com a possibilidade de criar várias outras bases militares na Colômbia, uma vez que está para perder a que tem no Equador. Assim, vai cercando os seus potenciais inimigos – Venezuela e Equador – e recuperando o controle na região. É uma grande ofensiva estadunidense o que se vê desde o golpe de Honduras. Nas declarações de seus governantes, o que fica claro é que a única legalidade possível em Honduras é o não retorno de Zelaya. Pode até haver novas eleições, mas sem Zelaya. Ora, isso é apoio explícito ao golpe.

Por conta destes novos movimentos no xadrez político a América Latina está em estado de alerta. Os ataques contra os governos orientados ao socialismo vão recrudescer e isso fica claro nas notícias dos jornais e na histeria dos jornalistas a soldo. Basta ver como tratam a questão do Equador, os conflitos na Bolívia e as posições da Venezuela. A política imperialista dos Estados Unidos segue, portanto, tão dura quanto sempre foi. A diferença é que agora quem a comanda é um jovem negro, charmoso, bonito, sorridente e bom bailarino. Não é à toa que Luis Inácio, o presidente brasileiro, o tenha convidado para uma pescaria no Pantanal. Tristemente, nosso país está mais para capacho do que para território soberano, e certamente ainda se prestará a sujos papéis neste jogo que recomeça.

A "ideologia" da midia de esgoto...

Os chacais de guarda

Emir Sader

O que seria dos interesses das elites dominantes, se não contassem com escribas, pagos pelas empresas de mídia privada, para tentar fazer passar esses interesses com se fossem os interesses do país? Para isso eles contam com equipes de “cães de guarda”, que defendem, com unhas e dentes, os interesses das elites dominantes, especialmente concentrados na mídia.

Tentam, por exemplo, identificar a liberdade com a liberdade do capital, condenando qualquer forma de limitação à sua livre circulação. Tentar identificar liberdade com a existência da grande propriedade privada, opondo-se a qualquer definição de critérios sociais para a propriedade, especialmente a monopólica e a propriedade não produtiva no campo, opondo-se a qualquer tipo de ação de socialização da propriedade. Porque essas próprias empresas são monopolistas.

O filósofo francês Paul Nizan escreveu um livro, em 1932, a que deu o nome de “Cães de guarda” para se referir aos intelectuais que prestam serviço de promover legitimidade e dar razões de sobrevivência ao poder das elites dominantes. “Eles adorariam ser Zola, mas para acusar as vítimas...”, escreve Serge Halimi, no prefácio da edição mais recente do livro, mencionando como esses guardiães da ordem estabelecida adoram estar de acordo com seus patrões, acusando os pobres, os marginalizados, as vítimas do sistema, como se fossem verdugos. “Quanto à sua obra, ela se autodestrói um quarto de segundo depois do tiro de morteiro midiático...”, acrescenta Halimi.

Na introdução do livro de Halimi, “Os novos cães de guarda” – publicado no Brasil pela Jorge Zahar -, Pierre Bourdieu recorda como trabalhos de denuncia desse tipo contribui a “arruinar um dos suportes invisíveis da prática jornalística, a amnésia...” E se pergunta: “por que, de fato, os jornalistas não deveriam responder por suas palavras, dado que eles exercem um tal poder sobre o mundo social e sobre o próprio mundo do poder?”

Mas, entrando já diretamente nos chacais de guarda daqui – para não ofender aos cães -, se tiverem paciência, olhem alguns dos livros que decretaram o fim do governo Lula em 2005. Uma jornalista que insiste em fazer comentários sem voltar sobre o que disse ontem, sustentava seu livro oportunista para ganhar dinheiro e agradar seus patrões com a crise de 2005, apoiada por outro colunista que come nas mesmas mãos, que reiterava essa morte do governo na contracapa do livro. Como não tem compromisso algum com o que escrevem, que só se justifica pelos serviços prestados a seus empregadores, fontes e outros representantes das elites dominantes, seguem em frente como se não tivessem dito nada ontem, como seguirão amanhã fingindo que não disseram nada hoje. Não são mais do que ventríloquos dessas elites.

Indo mais longe: a imprensa que convocou os militares a dar golpe militar, apoiou a derrubada do governo legalmente constituído de Jango e sustentou o golpe militar, inclusive reproduzindo as versões mentirosas que escondiam os seqüestros, as torturas e os fuzilamentos dos opositores, segue de acordo com as posições que tiveram. Um dos jornais, que emprestou seus carros, para que os órgãos repressivos da ditadura atuassem disfarçados de jornalistas, nem sequer tentou se defender das gravíssimas acusações, que faz com que a empresa, os jornais que publicam e os membros dos comitês editoriais, tenham as mãos sujas de sangue pelos seqüestros, torturas e execuções da ditadura. Ao não fazerem autocrítica, automaticamente aceitam ter cometido esses crimes de lesa democracia e jornalismo minimamente objetivo.

Essa mesma mídia vive acusando o povo de “não ter memória”. Talvez seja essa a razão pela qual elegem e reelegem os lideres políticos execrados diariamente pela mídia, porque hoje não obedecem a seus desígnios.

Mas são eles os primeiros a cultuarem a falta de memória, a amnésia, de todos, ao esquecer o que disseram ontem. Estiveram a favor da ditadura, com que moral acusam governos e partidos de não ser democráticos?

O que dizem os empregados de uma empresa que praticamente nasceu durante a ditadura, foi o órgão oficial da ditadura? Que legitimidade acreditam que podem ter órgãos dessa empresa?

Um dos colunistas de um dos jornais da imprensa de propriedade de uma das poucas famílias que dominam de forma monopolista o ramo, se orgulha de nunca ter ido aos Forúns Sociais Mundiais, por ter ido a todos os Foruns de Davos – onde manifestamente ele se sente no seu mundo. Seria bom ele ouvir agora os arautos da globalização – incluído seu prócer FHC – para saber o que pensam da crise atual, provocada por suas políticas. Teria que se deslocar não a Davos, mas algumas prisões, onde alguns deles foram encarcerados, depois de reveladas suas trapaças – alias, nenhuma delas revelada pela imprensa, conivente e complacente com o ricaços de Davos.

Um outro jornalista disse, em outro momento da sua carreira, em conferência pública, que quando um jornalista senta para escrever uma matéria, pensa, em primeiro lugar, no dono da empresa; em segundo, nas fontes do que vai publicar; em terceiro na enorme quantidade de desempregados do lado de fora da empresa. A esse filtro haveria que acrescentar as agências de publicidade e os grandes grupos econômicos que financiam os órgãos de imprensa e acabam pagando os seus salários.

Foi se criando uma verdadeira casta de jornalistas, empregados dos maiores meios de imprensa no Brasil, promíscuos com o poder, que renunciam a qualquer ataque aos interesses do poder que dominou o país durante séculos: capital financeiro, grandes monopólios, latifundiários, as próprias grandes empresas monopólicas da mídia, o imperialismo norteamericano, o FMI, o Banco Mundial, a OMC, a direita política – Tucanos, DEM, FHC, Serra, Tasso Jereissatti, Jarbas Vasconcellos.

Preferem, para conveniência de seus empregos e dos interesses dos seus patrões, atacar o que incomoda à direita – sindicatos, o MST, o pensamento critico, as universidades publicas, os partidos de esquerda.

Além dos casos mencionados, há os pobres diabos que querem adquirir certo verniz “intelectual” – não agüentam a inveja do pensamento crítico – e citam autores, viajam pelo mundo em eventos sem nenhuma importância, escrevem em jornais e falam em rádios e TVs, sem nenhum prestigio, colunas que ninguém leva a sério ou mesmo lê. Um deles foi chefe de gabinete de um dos ditadores, depois foi demitido, fotografado na cama para a Playboy, tentando mostrar méritos que não conseguiu na política e que circulava nos governos anteriores com toda promiscuidade pelos ministérios e Palácio do Planalto – de que esse tipo de gente sentem uma falta danada.

A ideologia do “’quarto poder” se tornou antiquada, porque o monopólio da mídia privada detém muito mais poder do que isso, termina dando direção ideológica e política aos fracos partidos opositores. Claro que o que realmente não são é “contra-poder”, porque na verdade fazem parte intrínseca dos poderes constituídos, como força conservadora.

Como a noticia se transformou definitivamente em uma mercadoria na mão dessa casta, perdeu toda credibilidade. Conhece-se o caso de colunistas econômicos que fingem estar preocupados com a situação de um setor do empresariado, ao vendem reunião e assessoria com eles, em troca de defender mais explicitamente seus interesses. Se devem às suas fontes, a tal ponto que a editoria econômica passou a ser a mais comprometida com os interesses criados, de forma similar a como certa cobertura policial se deve às fontes nas delegacias e nas policias, sem as quais ficam sem seus “furos”.

“Quem paga, comanda”, recorda Halimi. E a mídia, como sabemos é financiada não pelos leitores com as compras na banca e as assinaturas, mas pelas agencias de publicidade. E vejam quem são os grandes anunciantes, com os quais a mídia tem o rabo preso – bancos, telefonias, fabricas de automóveis, etc. Não pelas organizações populares, sindicatos, centros culturais, nada disso. Quem paga, comanda. Já vieram jornais, rádios,televisões, colunistas, fazem campanha de denuncia – com um pouquinho da sanha que tem contra o governo e a esquerda – contra os bancos, suas falcatruas, contra as grandes corporações multinacionais, contra a lavagem de dinheiro nos paraísos fiscais? Nâo, porque seria tiro no pé, atentado contra os que financiam a essa mídia.

Perguntado sobre como a elite controla a mídia, Chomsky respondeu: “Como ela controla a General Motors? A questão nem se coloca. A elite não tem que controlar a General Motors. Ela lhe pertence. Albert Camus disse que a mídia francesa se tornou “a vergonha do país.” E a nossa? O Brasil e seu povo têm orgulho ou vergonha dessa mídia que anda por ai?

A lei apresentada pelo governo argentino para regulamentar o audiovisual – umas das razões da brutal ofensiva da imprensa de lá contra seu governo – determina que as empresas da mídia tem que declarar publicamente suas fontes de financiamento – quem as financia, com que quantidades de dinheiro. Poderiam aproveitar e declarar publicamente quanto ganham os magnatas dessa casta midiática, enquanto a massa dos jornalistas ganha uma miséria, é terceirizado e passível a qualquer momento de serem mandado embora, se não cumprem à risca as orientações que os chacais lhes impõem.

Um jornalista norteamericano citado por Halimi, disse: “Sobre as questões econômicas (impostos, ajuda social, política comercial, luta contra o déficit, atitude em relação aos sindicatos), a opinião dos jornalistas de renome tornou-se muito mais conservadora à medida que suas rendas foram aumentando”.

Quem discorda dos consensos que tentam impor nos seus desagradabilíssimos e redundantes programas de entrevistas ou suas colunas de merchandising , como se sabe, é chamado de “populista”, de “demagogo”, de “aventureiro”. Que são, como também se sabe, os governantes que fazem políticas sociais e têm alto nível de apoio da população. Por isso chamam sempre os mesmos, seus amigos, operadores das bolsas de valores, empresários que passam a lhes dever favores, para dizer as mesmas baboseiras que a realidade não se cansa de desmentir.

“Mídias cada vez mais concentradas, jornalistas cada vez mais dóceis, uma informação cada vez mais medíocre” –conclui Halimi. E cita um político de direita francês, Claude Allègre, sobre as possibilidades do meio midiático se reformar: “Eu vou lhes dar uma resposta estritamente marxista, eu que jamais fui marxista: porque não há interesse... Por que vocês queriam que os beneficiários dessa situação sintam necessidade de mudá-la?” E, para concluir, conforme se aproxima a Conferencia Nacional de Comunicação, declaração do também conservador jornalista Frances Jacques Julliard: “Uma das reformas mais urgentes neste país, seria aquela que pudesse dar às mídias um mínimo de seriedade e de dignidade. Sobretudo de dignidade!”

Ainda sobre o Golpe em Honduras....

O ENVOLVIMENTO DOS EUA
NO GOLPE DAS HONDURAS


ZELAYA CUMPRIMENTA O CORONEL COMANDANTE DAS FORÇAS HONDURENHAS EM LAS MANOS ANTES DE REGRESSAR À NICARÁGUA













Editores de odiario.info

Transcorrido um mês do golpe de estado nas Honduras, tornou-se transparente – as provas acumuladas são irrefutáveis – que o Departamento de Estado dos Estados Unidos teve conhecimento prévio do gorilazo e que a secretária Hillary Clinton aprovou o papel decisivo desempenhado pelo embaixador norte-americano na sua preparação.

• Nos dias que precederam a prisão e deportação para a Costa Rica do Presidente Manuel Zelaya, os generais golpistas e assessores de Micheletti realizaram reuniões na Embaixada dos Estados Unidos, com a presença do chefe da missão diplomática. Este interveio na discussão e somente discordou da data escolhida, sugerindo que o golpe deveria ser desfechado após as eleições previstas para Janeiro.

• O embaixador Hugo Llorens é um cubano de Miami, naturalizado, e conspirou contra Zelaya em ligação com o subsecretario de Estado Thomas Shanon e o embaixador John Negroponte, destacado elemento da CIA, actualmente assessor de Hillary Clinton.

• O embaixador teve conhecimento e apoiou a formação, nas semanas anteriores ao golpe, de uma coligação de partidos políticos da direita, empresários, membros da hierarquia católica e directores de órgãos de comunicação social, cujo objectivo era o derrubamento do presidente Zelaya. Cinco dias antes do golpe um porta-voz dessa coligação, a União Cívica Democrática, dirigiu um apelo às forças armadas para assumirem o seu papel «na defesa da constituição, da paz e do estado de direito». Logo após o gorilazo, a referida União Cívica declarou que a «Democracia tinha sido resgatada».

• Washington, contrariamente aos países da União Europeia, não retirou o seu embaixador de Tegucigalpa, não definiu como «golpe» o cuartelazo, não suspendeu a ajuda económica às Honduras.

• O governo de Obama, se condenou formalmente o golpe, manteve contactos telefónicos com o presidente fantoche Micheletti através de Hillary Clinton e, desde o inicio da crise, utilizou a expressão «as duas partes» colocando no mesmo plano os golpistas e o governo legítimo.

• Partiu do Departamento de Estado a ideia da mediação de Oscar Arias. O objectivo foi ganhar tempo e impedir o regresso imediato de Zelaya. O presidente da Costa Rica, que é um aliado submisso de Washington, colocou no mesmo plano o governo legítimo das Honduras e os golpistas.

• O ex-candidato à Presidência senador McCain coordenou a visita a Washington de golpistas com o conhecimento e aprovação do Departamento de Estado e promoveu os seus contactos com lobbys favoráveis a Micheletti.

• O estado-maior da Força Aérea Hondurenha continua instalado na base militar norte-americana de Palmerola, situada perto de Tegucigalpa.

• Os generais golpistas são diplomados pela Escola de Las Américas dos EUA, especializada em cursos «anti-insurreccionais» e de «combate ao socialismo». O chefe do gorilazo, general Romeo Vasquez, cumpriu pena de prisão em 1993 por ser o chefe de uma organização criminosa que roubava automóveis. Continua ser recebido cordialmente na base militar estadunidense.

Hillary Clinton teima em insistir na fracassada mediação de Oscar Arias, defende «o diálogo» com os golpistas e criticou a decisão do presidente Zelaya de regressar ao seu pais.

***

A cumplicidade dos EUA no golpe é tão evidente que tanto as cadeias de televisão como os grandes diários dos EUA reconhecem que uma atitude de Washington de apoio firme ao regresso de Manuel Zelaya teria há muito posto fim à crise.

O Presidente atravessou na sexta-feira a fronteira e pisou solo hondurenho por alguns minutos, num regresso simbólico.

Mas são do domínio da especulação quaisquer previsões sobre a evolução da crise e a reinstalação na Presidência de Zelaya.

O apoio inconfessado dos EUA aos golpistas é hoje inocultável. Obama está consciente de que o regresso do presidente constitucional a Tegucigalpa reforçaria em toda a América Latina as forças progressistas e anti-imperialistas.

O povo hondurenho, apoiado por um largo movimento de solidariedade internacional, com destaque para os povos da América Latina – que sabem que este golpe se dirige também contra todos e cada um deles – prossegue e organiza a resistência cívica e democrática.



sábado, 25 de julho de 2009

Enquanto isso em Honduras...

Zelaya afirmou que o país estava dando um "exemplo de paz" ao mundo






Adital -


O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, entrou ontem(24) no país, na cidade de Paraíso, pela fronteira com Nicarágua, através da cidade de Las Manos. Às 14h25 de Honduras (17h25 de Brasília), um coronel das Forças Armadas permitiu o ingresso de Zelaya, que foi recebido por milhares de hondurenhos. Até o fechamento desta edição, no entanto, o presidente se mantinha na fronteira.

Ao ingressar, Zelaya agradeceu ao povo hondurenho e afirmou que o país estava dando um "exemplo de paz" ao mundo. O presidente havia chegado à fronteira às 13 horas de Honduras. Inicialmente, o mandatário havia sido impedido de ingressar em sua nação pelas forças militares.

O presidente deposto pediu à nação que "não se use de violência, já que tenho o direito legítimo de regressar a meu país e atender o mandato que o povo hondurenho me deu", informou a TeleSul.

Ao chegar, Zelaya garantiu que os soldados iriam "baixar os rifles", "porque são bons hondurenhos". "Quero fazer um chamado ao povo hondurenho para que não se renda, porque estariam sacrificando o futuro de nossos filhos a um grupo golpista", afirmara o presidente constitucional, segundo a TeleSul.

"Mel", como é popularmente chamado, espera por sua família na cidade hondurenha de Paraíso. A primeira dama, Xiomara Castro de Zeleya, seus filhos, mãe e sogra ainda não puderam chegar ao local. Devido ao bloqueio da estrada, os parentes de Zelaya se deslocam à fronteira a pé.

A mãe de Zelaya, dona Hortenzia, pediu ao general Romeo Vásquez, chefe das Forças Armadas hondurenhas, que seja mais flexível e coopere com o povo.

O presidente provisório, Roberto Micheletti, havia decretado toque de recolher na fronteira, que foi tomada por hondurenhos que exigiam a entrada de Zelaya. A medida deveria impedir o trânsito de hondurenhos na fronteira das 12h da tarde até as 4h30 da manhã, mas os manifestantes pró-Zelaya se mantiveram no local.

No início da tarde, as Forças Armadas arremeteram contra os manifestantes que viajaram de diferentes cidades do país até a fronteira. Segundo informações da TeleSul, a polícia lançou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes. Um manifestante disse ao canal de televisão que uma pessoa ficou ferida, mas a informação ainda não foi confirmada.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

A crise estrutural do capital...















Mészáros: Crise e Revolução

*Por Plínio de Arruda Sampaio Jr.

Os sete ensaios de interpretação histórica reunidos por István Mészáros em ‘A Crise Estrutural do Capital’ articulam-se em torno de um objetivo central: definir o marco histórico mais geral dentro do qual se dá a crise econômica mundial. Com textos escritos ao longo de várias décadas, o mais antigo em 1971 e o mais recente em 2009, a publicação condensa a quinta-essência da reflexão do filósofo húngaro - um dos expoentes do pensamento marxista contemporâneo - sobre as causas e as conseqüências da "crise estrutural do sistema de metabolismo do capital" – o processo que condiciona as mudanças tectônicas de nossa época. Preparado especialmente para o público brasileiro, o livro conta ainda com uma providencial introdução de Ricardo Antunes, na qual se encontra uma didática exposição do sistema teórico de Mészáros, o que facilita muito a vida dos leitores que não conhecem a complexidade de sua filosofia.

Tendo como prisma o papel primordial da luta de classes na determinação do movimento histórico, a reflexão apresentada em ‘A Crise Estrutural do Capital’ organiza-se em função de duas questões fundamentais: entender por que o capital não é mais capaz de encontrar soluções duradouras para seus próprios problemas, ficando, por essa razão, condenado a exacerbar todas as suas taras; e desvendar, nas contradições inscritas no próprio desenvolvimento capitalista, os requisitos e as condições para ir além do capital.

Tomando como substrato de sua interpretação o movimento histórico das últimas quatro décadas, seu diagnóstico sobre a natureza do capitalismo contemporâneo é implacável. Sem espaço para acomodar as contradições com o trabalho, o processo de valorização do capital assume um caráter particularmente reacionário, violento e predatório, inaugurando uma época histórica marcada por forte instabilidade econômica, grandes convulsões sociais e inevitáveis turbulências políticas.

Crítico das estratégias gradualistas, que buscam soluções institucionais para os problemas gerados pela crise estrutural, restringindo a ação política aos marcos da ordem. A razão desta impossibilidade é que a absoluta subordinação do Estado burguês à lógica do capital torna o poder público impotente para conter os excessos do capital. Em tais circunstâncias, a intervenção do Estado na economia perde todas as suas propriedades curativas para se converter em causa adicional de agravamento da crise do capital, realidade que fica evidente na patética estratégia de "nacionalização da bancarrota" que caracteriza a política econômica das potências imperialistas para combater as crises dos negócios, como a provocada pelo estouro da bolha especulativa em 2008.

Ainda que a crise estrutural do capital bloqueie o crescimento da economia mundial, desencadeando uma tendência estrutural à estagnação, não há em Mészáros nem sombra de uma teoria do colapso que poderia colocar em causa a própria sobrevivência do capitalismo. Neste ponto, seu raciocínio não deixa margem para confusão. Se as bases do regime não forem negadas, o capital sempre encontrará, à custa de grandes sacrifícios humanos e ambientais, um meio de restaurar as condições para a sua valorização, mesmo que apenas para preparar uma nova crise econômica ainda mais violenta no futuro. Em outras palavras, largado à sua própria sorte, o desenvolvimento capitalista torna-se uma crise permanente. Sua interpretação sobre o significado da crise estrutural para o futuro da humanidade segue por outro caminho.

A incapacidade de o capital encontrar soluções duradouras para seus problemas abre ‘brechas’ para a primazia da política, criando condições para o aparecimento de conjunturas revolucionárias que podem (ou não) ser aproveitadas para ir além do capital. Preocupado em tirar as conseqüências práticas de seu diagnóstico, Mészáros estabelece as diretrizes que devem orientar a organização da revolução e o caminho para o socialismo.

Sem se intimidar com assuntos-tabu, ‘A Crise Estrutural do Capital’ contém uma profunda crítica às experiências socialistas do século XX. Para evitar os impasses das revoluções operárias que ficam a meio caminho entre o capitalismo e o socialismo, sujeitas permanentemente aos riscos da restauração capitalista, a ruptura com o sistema de metabolismo do capital deve ser total. A superação das teias que atam a humanidade às determinações da lógica do capital requer não apenas a negação da santíssima trindade que sustenta o sistema de metabolismo do capital - propriedade privada, trabalho assalariado e Estado como aparelho de poder – como também a afirmação de um modo alternativo de organizar a vida material - a produção planejada de valores de uso por indivíduos sociais livremente associados.

Ainda que a forma de argumentação e a linguagem de Mészáros possam dar a impressão, muitas vezes, de que suas soluções sejam abstratas, descoladas da realidade, sua teoria da transição tem conseqüências práticas concretas. Revelando a forte influência de Rosa Luxemburgo em suas convicções políticas, o segredo da transição reside em devolver o controle efetivo das decisões estratégicas, econômicas e políticas aos produtores diretos, subordinando integralmente a esfera da produção material à esfera social, pois, somente assim as transformações promovidas no calor da luta revolucionária podem funcionar como ‘alavancas estratégicas’ de impulso permanente à criação de uma sociedade sem classes, baseada na igualdade substantiva como princípio organizador da vida social.

Publicado com a evidente intenção de dialogar com os intelectuais e os militantes do movimento socialista brasileiro, na expectativa de que o agravamento da crise estrutural do capital abra novas ‘brechas’ para a práxis revolucionária, ‘A Crise Estrutural do Capital’ é um livro criativo e ousado. Em suas páginas o leitor encontrará as grandes controvérsias que cercam o debate sobre as condições e os desafios da transição socialista. Sua leitura incita a reflexão e o estudo. É um convite não apenas para voltar a ler Marx, Engels, Lênin, Rosa Luxemburgo e todos os clássicos do marxismo revolucionário, como também para retomar a rica e profícua produção intelectual do próprio Mészáros.

*Plínio de Arruda Sampaio Jr. é professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – IE/UNICAMP.

**Resenha do livro A Crise Estrutural do Capital, de István Mészaros, publicado pela Editora Boitempo, 2009. - Fonte: Correio da Cidadania

Breve biografia de Guimarães Rosa













João Guimarães Rosa, mais conhecido como Guimarães Rosa (Cordisburgo, 27 de junho de 1908 — Rio de Janeiro, 19 de novembro de 1967) foi um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos. Foi também médico e diplomata.



Os contos e romances escritos por João Guimarães Rosa ambientam-se quase todos no chamado sertão brasileiro. A sua obra destaca-se, sobretudo, pelas inovações de linguagem, sendo marcada pela influência de falares populares e regionais. Tudo isso, somado a sua erudição, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas.


Guimarães Rosa foi o primeiro dos sete filhos de Florduardo Pinto Rosa ("Fulô") e de D. Francisca Guimarães Rosa ("Chiquitinha").


Autodidata, começou ainda criança a estudar diversos idiomas, iniciando pelo francês quando ainda não tinha 7 anos, como se pode verificar neste trecho de entrevista concedido a uma prima, anos mais tarde:


“Eu falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituano, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração”.


Ainda pequeno, mudou-se para a casa dos avós, em Belo Horizonte, onde concluiu o curso primário. Iniciou o curso secundário no Colégio Santo Antônio, em São João del-Rei, mas logo retornou a Belo Horizonte, onde se formou. Em 1925, matriculou-se na então "Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais", com apenas 16 anos.


Em 27 de junho de 1930, casou-se com Lígia Cabral Penna, de apenas 16 anos, com quem teve duas filhas: Vilma e Agnes. Ainda nesse ano se formou e passou a exercer a profissão em Itaguara, então município de Itaúna (MG), onde permaneceu cerca de dois anos. Foi nessa localidade que passou a ter contato com os elementos do sertão que serviram de referência e inspiração a sua obra.


De volta de Itaguara, Guimarães Rosa serviu como médico voluntário da Força Pública (atual Polícia Militar), durante a Revolução Constitucionalista de 1932, indo para o setor do Túnel em Passa-Quatro (MG) onde tomou contato com o futuro presidente Juscelino Kubitschek, naquela ocasião o médico-chefe do Hospital de Sangue. Posteriormente, entrou para o quadro da Força Pública, por concurso. Em 1933, foi para Barbacena na qualidade de Oficial Médico do 9º Batalhão de Infantaria. Aprovado em concurso para o Itamaraty, passou alguns anos de sua vida como diplomata na Europa e na América Latina.


No início da carreira diplomática, exerceu, como primeira função no exterior, o cargo de Cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo, na Alemanha, de 1938 a 1942. No contexto da Segunda Guerra Mundial, para auxiliar judeus a fugir para o Brasil, emitiu, ao lado da segunda esposa, Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, mais vistos do que as cotas legalmente estipuladas, tendo, por essa ação humanitária e de coragem, ganhado, no pós-Guerra, o reconhecimento do Estado de Israel. Aracy é a única mulher homenageada no Jardim dos Justos entre as Nações, no Museu do Holocausto, em Israel.


No Brasil, em sua segunda candidatura para a Academia Brasileira de Letras, foi eleito por unanimidade (1963). Temendo ser tomado por uma forte emoção, adiou a cerimônia de posse por quatro anos. Em seu discurso, quando enfim decidiu assumir a cadeira da Academia, em 1967, chegou a afirmar sob tom sarcástico: "...a gente morre é para provar que viveu."[1] Faleceu três dias mais tarde na cidade do Rio de Janeiro, em 19 de novembro. Se o laudo médico atestou um infarto, sua morte permanece um mistério inexplicável, sobretudo por estar previamente anunciada em sua obra mais marcante — Grande Sertão: Veredas —, romance qualificado por Rosa como uma "autobiografia irracional". Talvez a explicação esteja na própria travessia simbólica do rio e do sertão de Riobaldo, ou no amor inexplicável por Diadorim, maravilhoso demais e terrível demais, beleza e medo ao mesmo tempo, ser e não-ser, verdade e mentira.


Diadorim-Mediador, a alma que se perde na consumação do pacto com a linguagem e a poesia. Riobaldo (Rosa-IO-bardo), o poeta-guerreiro que, em estado de transe, dá à luz obras-primas da literatura universal. Biografia e ficção se fundem e se confundem nas páginas enigmáticas de João Guimarães Rosa, desaparecido prematuramente aos 59 anos de idade, no ápice de sua carreira literária e diplomática.


Contexto literário


Realismo mágico, regionalismo, liberdades e invenções lingüísticas e neologismos são algumas das características fundamentais da literatura de Guimarães Rosa, mas não as suficientes para explicar seu sucesso. Guimarães Rosa prova o quão importante é ter a linguagem a serviço da temática, e vice-versa, uma potencializando a outra. Nesse sentido, o escritor mineiro inaugura uma metamorfose no regionalismo brasileiro que o traria de novo ao centro da ficção brasileira.


Guimarães Rosa também seria incluído no cânone internacional a partir do boom da literatura latino-americano pós-1950. O romance entrara em decadência nos Estados Unidos (onde à época era vitrine da própria arte literária, concorrendo apenas com o cinema), especialmente após a morte de Céline (1951), Thomas Mann (1955), Albert Camus (1960), Hemingway (1961), Faulkner (1962). E, a partir de Cem anos de solidão (1967), do colombiano Gabriel García Márquez, a ficção latino-americana torna-se a representação de uma vitalidade artística e de uma capacidade de invenção ficcional que pareciam, naquele momento, perdidas para sempre. São desse período os imortais Vargas Llosa (Peru), Carlos Fuentes (México), Julio Cortázar (Argentina), Juan Rulfo (México), Alejo Carpentier (Cuba) e mais recentemente Angel Ramá (Uruguai).


(Extraído de Wikipédia, a Enciclopédia Livre, em http://pt.wikipedia.org/wiki/Guimar%C3%A3es_Rosa)