Trabalhadores da energia em época de crise
A situação do sector energético na América Latina é determinada pelas correlações internas e externas de forças políticas, pelo nível da organização e do poder das classes no interior das classes dirigentes e trabalhadoras, pela situação da economia mundial e pela força e fraqueza do imperialismo americano. A 'situação do sector energético' refere-se a diversas variáveis em termos da propriedade, do peso na economia e da distribuição das receitas do petróleo no seio da estrutura de classes.
Correlação de forças interna e externa
A correlação de forças entre capitalistas e trabalhadores no sector energético na América Latina varia muito: Na Venezuela, o governo de Chavez, com o apoio dos sindicatos dos trabalhadores petrolíferos, alargou a propriedade pública e distribuiu as receitas do petróleo através de subsídios à alimentação, de programas de saúde universal e de educação pública. No outro extremo, na Colômbia, com o presidente Uribe, as empresas petrolíferas privadas estrangeiras têm um controlo cada vez maior, os lucros são repatriados para os países imperialistas ou retirados do país pela elite interna, as receitas governamentais subsidiam a oligarquia e os esquadrões da morte, apoiados pelo governo, e os militares, para assassinarem e ameaçarem os dirigentes sindicais e comunitários.
Entre estes dois extremos da esquerda nacionalista e da direita neo-fascista, existem outras variantes: social-democrata, liberal social e neo-liberal.
A Bolívia e o Equador, com Evo Morales e Rafael Correa, representam a posição social-democrata, propondo 'parcerias' entre o 'estado' e as empresas petrolíferas capitalistas estrangeiras, que partilham os lucros da exploração do petróleo bruto. As empresas estrangeiras continuam a controlar a maior parte ou toda a refinação e comércio e o governo social-democrata teve que estabelecer os seus próprios 'sistemas de comercialização'.
As políticas 'liberais sociais' encontram-se no Brasil e na Argentina, onde as principais companhias petrolíferas são 'estatais' apenas no nome, já que são transaccionáveis nos mercados de acções da América Latina e da Wall Street. As receitas estatais são distribuídas em proporção desigual, o grosso é para subsidiar o sector agro-mineral e o quinhão mínimo para financiar programas sociais – incluindo programas básicos contra a pobreza.
As políticas neoliberais encontram-se no México e no Peru, onde as antigas empresas petrolíferas e os recursos energéticos, inicialmente de propriedade pública, foram entregues a empresas petrolíferas e energéticas estrangeiras. No México foi apenas a militância do Sindicato dos Trabalhadores de Electricidade (SME) que impediu o governo de privatizar a sua indústria estratégica. Com os regimes neo-liberais as receitas do petróleo e da energia foram distribuídas quase exclusivamente pela classe dominante estrangeira e interna e apenas alguns 'incentivos' destinados aos trabalhadores, camponeses e comunidades índias sob a forma de “programas de pobreza” de subsistência. Os regimes neo-liberais desinvestem e espoliam as empresas públicas, reduzindo a sua capacidade de produção e deixando-as endividadas, com uma tecnologia obsoleta e uma capacidade reduzida para cumprir as suas obrigações ultramarinas.
O impacto da explosão económica e da recessão global (2003-2009)
O desempenho e a propriedade do sector energético são influenciados pela luta de classes interna, pela situação da economia mundial e pela subida e declínio do imperialismo americano. A crise do neoliberalismo e as rebeliões populares entre 1999-2005 marcaram o final da fase principal da privatização em grande escala em muitos países da América Latina. O derrube dos governos de De la Rua na Argentina, de Sanchez de Losada na Bolívia (Abril de 2002) e o lockout patronal (Dezembro 2002 – Fevereiro 2003) levaram os movimentos de massas radicais a estabelecer uma nova agenda. A re-nacionalização do sector energético — petróleo, sector eléctrico, minas e outros sectores estratégicos.
Mas as rebeliões populares, com excepção da Venezuela, não conduziram a governos de trabalhadores-camponeses. Pelo contrário, as alianças, encabeçadas pela classe média centro-esquerda, com as classes populares levaram a algumas reformas parciais. Na Bolívia, Evo Morales reforçou o papel do estado em parceria com 42 companhias de petróleo e gás de propriedade estrangeira. Na Argentina, Kirchner fundou uma companhia estatal mas recusou-se a renacionalizar a YPF/Repsol. No Equador, Correa aumentou os impostos às empresas petrolíferas, mas as companhias multinacionais estrangeiras continuam a produzir 57% do petróleo. No Brasil, Lula recusou-se a renacionalizar as empresas privatizadas – e a maior parte das acções da Petrobrás manteve-se na mão de investidores privados.
A principal luta contra a exploração das companhias energéticas e mineiras no Peru, na Colômbia, no Equador e no Chile foi travada pelos movimentos índios que, nalguns casos, foram apoiadas por trabalhadores petrolíferos e organizações camponesas. A razão é óbvia. As companhias energéticas não andavam apenas a explorar a mão-de-obra, andavam a destruir a sua economia e as suas condições de vida através da contaminação maciça pelo ataque ao seu ambiente tradicional.
No Brasil, a promoção de Lula, em grande escala e a longo prazo, de gigantescas plantações de açúcar multinacionais e de refinarias para produção de etanol expulsou milhares de pequenos agricultores e comunidades índias e intensificou a exploração dos trabalhadores rurais. O movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST) e outros movimentos rurais sociais, aliados a Lula, envolveram-se em lutas defensivas. Mas, sem aliados urbanos, não conseguiram derrotar a aliança de Lula e da agro-indústria.
Trabalhadores urbanos e sindicatos
A principal força motora das rebeliões populares contra o neoliberalismo varia nos diversos países e nas diversas épocas.
No Equador, os trabalhadores petrolíferos, mineiros e fabris, juntaram-se aos movimentos de massas camponeses para derrubar Noboa no início da década. Na Argentina, os trabalhadores desempregados e a classe média encabeçaram a luta para derrubar De la Rua. Na Venezuela, os trabalhadores petrolíferos correram com uma minoria que apoiava o lockout patronal e a maioria assumiu o controlo e pôs os poços a funcionar em apoio ao presidente Chavez. Mas durante toda essa década os trabalhadores do sector energético organizaram-se e defenderam militantemente o seu sector económico, opondo-se à privatização e protegendo os seus padrões de vida através da luta de massas. No entanto, a sua presença nas rebeliões populares foi reduzida. Em muitos casos as direcções dos sindicatos da energia apoiaram os regimes centro-esquerda a fim de garantir concessões salariais e protecção no trabalho. Quando muito, os sindicatos da energia envolveram-se em manifestações de solidariedade com a luta de massas dos camponeses, índios e desempregados.
Paradoxalmente, a forte e militante organização dos sindicatos da energia conduziu a ganhos económicos e reformas sectoriais, que provocaram ilhas de abastança profundamente segregadas no meio de uma massa de pobres urbanos e rurais. A década passada testemunhou o declínio dos trabalhadores petrolíferos enquanto vanguarda nas rebeliões populares. Houve outras classes que ocuparam o seu lugar. Isto criou um perigo estratégico porque, no decurso das privatizações em grande escala do sector energético, os trabalhadores vão deixar de contar com o apoio do resto da classe trabalhadora e dos camponeses.
Embora a exploração do petróleo no Amazonas crie 'empregos para os trabalhadores petrolíferos', destrói o meio de vida das comunidades índias e instala um conflito mortal entre as empresas petrolíferas e os seus trabalhadores contra a massa de artesãos, pequenos agricultores e comunidades índias dependentes da agricultura, da pesca e do artesanato na proximidade das operações petrolíferas e mineiras.
A recessão mundial e o sector energético
A crise mundial não pode ser resolvida apenas com greves e protestos. Nem sequer a renacionalização, por si só, pode criar a base para uma recuperação nacional. A única alternativa que os trabalhadores da energia têm é uma 'revolução político-cultural' em que repensem a sua estratégia básica e passem para além de lutas sectoriais.
A actual repressão, profunda e prolongada, só pode ser combatida a nível político-nacional – virando-se para a formação de uma ampla aliança política de massas com as classes populares e com uma estratégia de conquista do poder estatal. Face ao colapso do capitalismo, a luta sindical deixa de ter eficácia. Os sindicatos só podem ter êxito se fizerem uma viragem decisiva para os movimentos anti-capitalistas – uma viragem para uma adesão explícita ao socialismo.
Actualmente toda a classe capitalista se apoderou do controlo do estado, especificamente do erário público, para financiar a sua sobrevivência e recuperação à custa dos trabalhadores, camponeses, índios e pobres urbanos. À medida que a crise se aprofundar, a rebelião de massas urbana e rural vai de novo quebrar os laços da hegemonia burguesa. Vai levantar-se a questão: Os trabalhadores da energia farão parte duma solução socialista ou do problema capitalista? Voltarão os trabalhadores da energia a fazer parte da vanguarda ou manter-se-ão na retaguarda? O que é perfeitamente claro é que os trabalhadores da energia ocupam uma posição estratégica no sistema capitalista mundial – sem petróleo nada mexe, sem electricidade os banqueiros não podem calcular os seus lucros e os investidores não podem ler os seus pagamentos de dividendos.
O sistema capitalista na sua totalidade nunca admitiu hoje na vida real que é um sistema falhado – nem na produção de bens e serviços, nem na oferta de crédito e financiamento, nem na utilização de mão-de-obra.
Ocorre-nos ao espírito a conhecida frase de Karl Marx – 'Um espectro assombra a classe capitalista: A chegada da revolução socialista'.
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=14428 .
Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .