Por Flávio Aguiar
Site de bordel promete "mulheres e bebidas" por € 99: polêmica deflagrou operações policiais (Foto: Reprodução sueddeutsche.de)
Há uma polêmica enorme nos jornais alemães. O tema chama-se “Flatrate Bordell”. O que é isso? É uma “Freudenhaus” – literalmente “casa do prazer ou da alegria” – como na Alemanha se chamam essas casas, que cobram um preço único (“Flatrate”, “Pauschaltarif”, em alemão) do freguês, pelo direito de lá ficar a noite inteira. O preço inclui mulheres, comida e bebida, o quanto o freguês quiser e puder, e varia de € 70 a € 100 por até 16 horas.
Esse tipo de casa, que, ao que parece, foi inventada na Alemanha por uma empresária romena, levantou poeira nos jornais, entre autoridades, organizações de direitos humanos, jornalistas, empresários do ramo, juristas, com posições contra e a favor, a partir de uma ampla gama de valores, que vão desde um moralismo conservador até as preocupações trabalhistas implicadas, passando, é claro, pela situação mais ou menos precária quanto a direitos e tratamento das “Sexarbeiterinnen” (“trabalhadoras do sexo”), denominação mais respeitosa com que se chamam as prostitutas, ou “Huren”, como se diz vulgarmente por aqui.
A polêmica ganhou tal amplitude que uma associação de casas do gênero (“Dona Carmen”) divulgou uma matéria paga em sua defesa, em dois dos principais jornais alemães (o Frankfurter Rundschau e o Süddeutscher Zeitung), assinada por 77 “Sexarbeiterinnen”, ao custo de aproximadamente € 25 mil (cerca de R$ 72 mil).
A polêmica também deflagrou algumas batidas da polícia nessas casas. Pelo menos duas foram fechadas, mas não pelo “Flatrate”, e sim por irregularidades quanto às normas para esse tipo de casa. Mas a pressão teve efeitos: uma dessas casas (Calígula – que nome!) em avenida no bairro onde moro (Schöneberg), que anunciava com estardalhaço o “Flatrate” a € 99 por noite, retirou o anúncio da fachada, embora o tenha mantido em seu site na internet.
Um ponto interessante foi levantado por uma porta-voz da Hydra, uma organização fundada por mulheres (algumas delas prostitutas, outras não) para lutar contra o preconceito e pelos direitos das prostitutas. A preocupação manifesta era de que isso podia significar uma quebra de preços, com o peso disso recaindo, é claro, sobre as mulheres trabalhadoras. Ou seja, a crise financeira mundial e seus desdobramentos chegaram também a esse ramo de trabalho.
Em Berlim, assim como em outras cidades, há um processo espantoso de ofertas e liquidação em lojas de todo o tipo, numa espiral deflacionária inquietante. As que não estão quebrando vêem-se obrigadas a também rebaixar seus preços diante dessa “concorrência falimentar”. O “Flatrate” seria, assim, uma resposta também a esse encurtamento generalizado dos meios de pagamento disponíveis. Um dos argumentos oferecidos pelos proprietários e gerentes de tais casas é que nelas as mulheres têm uma renda fixa garantida – de € 100 a € 200 por noite – independentemente do número de fregueses que as frequentem.
A Hydra (www.hydra-ev.org) foi fundada em 1980 e, desde 1985, recebe verbas públicas, oferecendo todo o tipo de apoio às “Sexarbeiterinnen”, e também a homens. Segundo a associação, há 400 mil mulheres trabalhando no ramo na Alemanha (um pouco menos do que 1% da população economicamente ativa). Desde 2002 o “Sexarbeit” (“trabalho com sexo”) é uma profissão reconhecida, dando direito à seguridade social sob a forma de seguro-saúde, seguro-desemprego e aposentadoria. As mulheres têm também o direito assegurado legalmente de escolha do lugar onde exercer a profissão, do tempo de trabalho, bem como de com quem exercê-la e também sobre o que fazer e o que não fazer, e isso inclui as casas “Flatrate”.
Mas na prática a realidade é mais complicada, e mais difícil. Para começo de conversa, segundo a mesma Hydra, metade das 400 mil mulheres são estrangeiras. Uma grande parte delas vêm do leste europeu, onde grassa o desemprego, potenciado pela crise. Outras vêm da América Latina, Ásia e África. Desse contingente de 200 mil, um grande número está na Alemanha em condições ilegais. Essas mulheres são refratárias a buscar o amparo legal, pois isso pode lhes custar a permanência no país ou até na União Européia. Elas passam a ser dependentes dos seus “chefes” e “chefas” para tudo, até em termos de cuidados médicos, o que se aproxima da condição que no Brasil chamaríamos de “moderno trabalho escravo”. Por isso um dos esforços da Hydra, além do de assistir às mulheres que queiram continuar na profissão, é o de oferecer ajuda a quem quiser buscar outro tipo de trabalho. Não se trata de moralismo, mas de assegurar um direito: a liberdade.