– Todos quem Cara Pálida?
“A expressão «todos cometeram crimes» é cínica, covarde e revela o inteiro teor dos golpistas. Todos quem cara pálida? Desde quando resistir a golpes de estados, a violência e a boçalidade de regimes totalitários, é crime?
Existe ainda um longo caminho a ser trilhado na luta popular. Para que se conheça esse rio de sangue de milhares de brasileiros vítimas de 1964 e que permanece com seu curso oculto e escondido na costumeira covardia que é marca registrada de golpistas em qualquer lugar do mundo. Como desaparecidos, portanto ocultos, estão os corpos de brasileiros que tombaram na luta contra a ditadura. E órfãs as suas famílias. É a história do Brasil, logo, o povo brasileiro.
Essa história não pode ficar insepulta. Muitos dos seus protagonistas, do lado da ditadura, estão vivos e ativos…”Laerte Braga* - Odiario.info
Em abril de 1964 militares comandados pelo general Vernon Walthers e subordinados no todo ao embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, com apoio da IV Frota daquele país, em águas territoriais brasileiras, depuseram o presidente constitucional do Brasil João Goulart e tomaram de assalto o poder. Iniciava-se um período de vinte anos de ditadura cruel e sanguinária, num processo de transformação do Brasil em colônia de interesses dos grandes grupos econômicos que controlam o mundo a partir de Washington e Wall Street.
O Brasil foi um dos muitos países latino-americanos onde os EUA compraram parte expressiva das forças armadas para sustentar ditaduras de extrema-direita. Esse tipo de ação aconteceu na África e na Ásia e obedecia à chamada doutrina de segurança nacional formulada numa comissão conhecida como Tri-lateral (AAA – América, África e Ásia). Da comissão, entre agências do governo dos EUA, faziam parte fundações como a FORD e a ROCKFELLER, representando interesses de grupos privados. A Fundação FORD hoje tenta controlar a Conferência Nacional de Comunicação convocado no Brasil para dezembro.
Quer ajudar a manter o monopólio da mentira, a chamada grande mídia.
Um ano após o golpe militar eleições para governador de dois dos maiores estados brasileiros, Minas e o antigo estado da Guanabara, mostraram que os ditadores não conseguiriam manter a farsa democrática que revestiu o golpe e foram extintos partidos políticos, imposto o bi-partidarismo, as eleições indiretas para governos estaduais, criados mecanismos para o controle do Parlamento e de assembléias legislativas e acelerado o processo que montou um impressionante aparelho repressivo, sem o qual a ditadura não teria conseguido sobreviver.
Milhares de resistentes foram presos, outros se buscaram asilo em países mundo afora e muitos torturados, estuprados e assassinados em prisões brasileiras. São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife eram os principais centros de tortura.
O aparelho repressivo foi montado numa espécie de complexo entre militares, policiais estaduais sob controle de Brasília e empresa privada. Um deles, a OBAN – OPERAÇÃO BANDEIRANTES – teve a participação de empresas como a Mercedes Benz, a Supergasbras, jornais como a FOLHA DE SÃO PAULO (emprestava seus veículos para o transporte de presos torturados e que eram assassinados e desovados em partes da capital paulista e do seu entorno).
O DOI/CODI, departamento e centro de operações repressivas, que juntava todo o conjunto das forças ditatoriais na área, mais tarde, sob a coordenação do governo dos Estados Unidos, somou-se a aparatos semelhantes de países do chamado CONE SUL (BRASIL, ARGENTINA, URUGUAI e incluía também CHILE e PARAGUAI, todos sob ditaduras militares) na OPERAÇÃO CONDOR.
Líderes de oposição eram presos e assassinados, um deles em New York (Orlando Letelier, consultor da ONU e ex-chanceler do governo deposto de Salvador Allende, no Chile). Outros eram presos, torturados e entregues em seus países de origem, caso do major Joaquim Cerveira. Preso na Argentina, levado para o Uruguai e entregue ao DOI/CODI de São Paulo, então comandado pelo coronel Brilhante Ulstra, um dos mais covardes e sanguinários torturadores brasileiros. Cerveira oficialmente foi morto no Rio de Janeiro.
Dan Mitrione, que chegou a virar nome de rua no Brasil (não é mais), foi um dos agentes enviados pelos EUA para treinar e instruir torturadores no Brasil, no Chile, na Argentina e no Uruguai. Foi capturado por forças resistentes em Montevidéu, julgado e executado.
A anistia concebida e formulada pelo regime militar tinha um objetivo principal, já que percebida a repulsa do povo ao governo ditatorial e a impossibilidade mantê-lo por um tempo maior. O de evitar, no caso do Brasil, a prisão e o julgamento de torturadores, caso do próprio Brilhante Ulstra, ou de figuras consideradas dentro da caserna, sob controle dos golpistas, como «patriotas» e «democratas».
Se na Argentina, no Chile e no Uruguai os principais agentes da repressão foram presos e julgados, o próprio Pinochet foi preso no exterior e em seu país, no Brasil permanecem impunes. E escondidos. A história da repressão, da boçalidade do regime militar, do caráter abjeto dessas figuras, entre nós, tem sido revelada em pingos de conta gotas, arrancada a fórceps diante da intransigência de boa parte dos militares de deixar vir a público os documentos oficiais desse período.
E da obstinação que compromete a própria instituição forças armadas, em manter impunes os responsáveis por essa fase sombria e repugnante da história do Brasil.
Casos como o da estilista Zuzu Angel, morta em condições misteriosas depois de denunciar ao mundo o caráter despótico e sanguinário do regime (seu filho Stuart Angel foi preso, torturado e assassinado pelos militares) chegaram a virar filme e a comover a opinião pública do País. Ou o do jornalista Wladimir Herzog, do operário Fiel Filho, mortos já no chamado período de distensão, nas dependências do DOI/CODI de São Paulo.
O que, aparentemente, era um instrumento legal destinado a permitir a volta de brasileiros que estavam no exílio, ou o fim dos crimes contra a «segurança nacional», numa pressuposta condição de «maturidade do povo brasileiro», para tomar em suas mãos o seu destino através de uma nova constituição, eleições diretas para presidente e governos estaduais, fim da censura da imprensa, ou do caráter de imprensa oficial da ditadura, REDE GLOBO, era e continua sendo uma forma de garantir a impunidade de torturadores.
A expressão «todos cometeram crimes» não tem sentido e implica na admissão de crimes por parte da ditadura militar. Se o regime foi oriundo de um golpe contra instituições em pleno funcionamento, contra um governo legal, a resistência não se constitui crime e nem pode. A tortura, à luz do direito internacional, é crime hediondo e imprescritível.
E até porque a repressão começa no próprio golpe, no dia do golpe, com as prisões das principais lideranças de oposição, lideranças populares, e muitas vezes meros desafetos, em fatos que revelaram de imediato a natureza e os propósitos do golpe. As cassações em massa. Deputados, senadores, professores, cientistas de renome internacional, figuras como Celso Furtado, Oscar Niemeyer, foram postos à margem da «lei» da estupidez e da boçalidade dos que tomaram o poder.
A história não contada da guerrilha do Araguaia e da execução de guerrilheiros a sangue frio e depois de incontáveis sessões de tortura e todo o regime de horror montado contra populações da área na sanha repressiva dos homens e instrumentos da ditadura.
A anistia foi uma conquista da luta como um todo e os golpistas no poder trataram de estendê-la aos seus carrascos. De torná-la ampla, geral e irrestrita, palavras que na verdade, antes de se referirem a resistentes políticos, opositores, garantiam a impunidade a figuras da repressão em todo o processo.
Os trinta anos da lei da anistia nos remetem à necessidade de rediscutir esse período da nossa história. Trazer a público toda a inteira dimensão da violência que foi o golpe de 1964 e levar ao banco dos réus os torturadores.
Não como ação de vingança ou revanche, rótulos que esses “patriotas” costumam usar para esconder as práticas covardes e desumanas. Mas como exigência de algo maior, a História. Para que toda a prática estúpida e golpista dos militares responsáveis por 1964 seja pública. Para que não se repitam anos de horror e crueldade, para que se puna o crime da tortura em todos os seus espectros, origem e conseqüência, já que, em si, descaracteriza o ser humano como espécie racional.
A reação e a resistência ao golpe militar foi uma conseqüência legítima e uma luta de bravura, dada até a correlação de forças, como agora em Honduras, onde saem das catacumbas os “célebres” generais do patriotismo canalha atrelado a interesses de grupos econômicos.
Os trinta anos da lei de anistia sinalizam na necessidade de ruptura com o passado golpista e ditatorial e essa ruptura passa por revelar toda a inconseqüência bestial do regime. Do contrário permanecem impunes assassinos, estupradores, escondidos sob o manto de uma lei que não pode permitir que um período de barbárie vivido por uma Nação permaneça oculto e seja desconhecido de boa parte do seu povo.
A expressão «todos cometeram crimes» é cínica, covarde e revela o inteiro teor dos golpistas.
Todos quem cara pálida? Desde quando resistir a golpes de estados, a violência e a boçalidade de regimes totalitários, é crime?
Existe ainda um longo caminho a ser trilhado na luta popular. Para que se conheça esse rio de sangue de milhares de brasileiros vítimas de 1964 e que permanece com seu curso oculto e escondido na costumeira covardia que é marca registrada de golpistas em qualquer lugar do mundo. Como desaparecidos, portanto ocultos, estão os corpos de brasileiros que tombaram na luta contra a ditadura. E órfãs as suas famílias. É a história do Brasil, logo, o povo brasileiro.
Essa história não pode ficar insepulta. Muitos dos seus protagonistas, do lado da ditadura, estão vivos e ativos, caso do presidente do Senado José Sarney, dos ex-presidentes da República Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso (o falso preso político, cabo Anselmo com “patente” de general Anselmo) e continuam causando males ao Brasil e aos brasileiros.
* Laerte Braga é jornalista