Em seus 100 dias de governo, Dilma busca alinhamento com EUA
Por Deutsche Welle
Primeira mulher a presidir o Brasil, Dilma Rousseff completa neste
domingo 100 dias de um mandato que, segundo recente pesquisa de opinião,
conta com a aprovação de 73% da população brasileira. Considerada mais
discreta e mais pragmática que seu antecessor e mentor, o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma vem aos poucos definindo seu próprio
estilo de governar.
Apesar do pouco tempo de comando e de ter mantido vários nomes da
gestão anterior, as primeiras diferenças, segundo analistas, já começam a
ser sentidas, especialmente na política externa. Se com Lula o Brasil
arriscou ser protagonista em alguns episódios internacionais – em boa
parte deles sem sucesso, como no asilo ao então presidente hondurenho
Manuel Zelaya, deposto pelos militares – a nova presidente vem mostrando
ser mais sensível a críticas e favorável a uma maior atuação dos
diplomatas.
Na avaliação do cientista político Carlos Pio, da Universidade de
Brasília, o ex-presidente ocupou-se demais em “acalmar os grupos mais à
esquerda da legenda”, o que teria resultado em confronto direto com os
Estados Unidos. A defesa de Lula por uma solução diplomática na questão
iraniana é o caso mais emblemático, exemplifica Pio.
A mudança de posição (no governo Dilma) ficou clara com a votação
brasileira a favor da resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU,
desfavorável ao Irã (no final de março). Isso marcou uma inversão de
postura”, ressalta o cientista político Christian Lohbauer, integrante
do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade de São
Paulo.
– Este governo também deve adotar, ao que tudo indica, um leve
distanciamento de regimes bolivarianos na América do Sul, com os quais
Lula manteve alinhamento. Mas também não deve abandonar a política de
protagonismo no continente – avalia Lohbauer.
Aproximação
com os EUA
com os EUA
A visita ao Brasil do presidente norte-americano, Barack Obama,
também foi percebida como um sinal claro de que as relações políticas e
econômicas entre os dois países devem ficar mais afinadas. A diplomacia
brasileira sempre tentou preservar a independência com relação aos
Estados Unidos, mas na era Lula a postura do Itamaraty bateu de frente
com a maior economia do mundo.
A política conduzida pelo atual ministro das Relações Exteriores,
Antonio Patriota, no entanto, visa retomar os bons laços. Em meio aos
afagos do presidente norte-americano ao Brasil, Dilma pediu, durante a
visita, uma parceria “entre iguais” e ressaltou a importância de se
“prosseguir nas discussões para que a relação Brasil e Estados Unidos
tenha resultados ainda mais positivos”. O objetivo é estreitar as
relações econômicas e reduzir o saldo desfavorável ao Brasil na balança
comercial, que atualmente chega a 8 bilhões de dólares.
Da mesma maneira, não surpreendeu a abstenção do Brasil – junto com
China, Rússia, Índia e Alemanha – na votação do Conselho de Segurança da
ONU, no mês passado, que decidiu sobre o uso da força militar na Líbia.
– Na retórica, a diplomacia brasileira sempre defendeu a democracia.
Mas na prática, ela tradicionalmente se abstém de qualquer tipo de
medida que afete a soberania dos governos nacionais, inclusive nos casos
de governos autoritários – afirma Pio.
Na busca pela
continuidade
continuidade
Eleita em segundo turno em outubro do ano passado com 55,7 milhões de
votos – cerca de 56% dos votos válidos – a grande bandeira de campanha
da economista Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto era a continuidade.
Já neste início de sua gestão, ela lançou a marca “Brasil, país rico é
um país sem pobreza” como forma de ratificar seu compromisso com as
políticas sociais e econômicas conduzidas por Lula e que renderam a ele,
ao final de oito anos no poder, uma aprovação recorde de 87%.
No campo econômico, no entanto, Dilma já enfrenta dificuldades para
seguir com o projeto do antecessor. Até agora não foi apontada uma
solução para conter os gastos públicos e, com isso, preservar pelo menos
parte do anunciado corte de R$ 50 bilhões do orçamento em programas de
investimento.
Além disso, a valorização do real frente ao dólar, prejudicando a
competitividade dos produtos nacionais e ajudando a desestabilizar a
balança comercial, e a previsão de aumento da inflação acima das metas
estipuladas tornaram-se fortes pontos de crítica da oposição.
Apesar das declarações da presidente de que “não vai negociar com a
inflação”, na tentativa de acalmar a população, alguns analistas afirmam
não haver um grande empenho do governo em conter a alta de preços, como
se via na gestão anterior.
– O Banco Central tem se mostrado não tão forte na defesa do ajuste
fiscal nem suficientemente intolerante com relação à inflação – diz Pio.
Na avaliação dele, o Banco Central dá sinais de que vai tolerar uma
taxa acima da meta, o que seria injustificável.
Fama de durona
A fama de durona e a conhecida personalidade forte de Dilma, que
militou contra a ditadura brasileira – chegando a ser presa e torturada
pelo regime militar – tem sido suavizada pelas aparições em programas
femininos de televisão e pela presença em exposições artísticas e
apresentações culturais.
– Ela tem se mostrado mais uma boa administradora do que uma
política. E, com certeza, tem personalidade própria – afirma o sociólogo
Thomas Fatheuer, consultor e ex-diretor do escritório da Fundação
Heinrich Böll, ligada ao Partido Verde alemão.
Em sua avaliação, a presidente tem mantido as linhas gerais do
governo Lula, tanto nos avanços na área social quanto nas lacunas ainda
existentes em algumas questões de sustentabilidade. Por ter sido
ministra de Minas e Energia de Lula, Fatheuer diz ser “um pouco
decepcionante” a falta de posicionamento claro do governo brasileiro
quanto ao uso da energia nuclear e à construção da usina de Angra 3.
– Esperava uma mudança na posição do novo governo. Dilma conhece
muito bem a questão da energia nuclear, e quando era ministra barrou um
pouco o uso, sobretudo por achar esta energia muito cara – disse.