segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Antes de ser Agro, sou Bio!



ESCRITO POR REUBER BRANDÃO no CORREIO DA CIDADANIA  

   
Ninguém é contra o agro. Sempre achei esse tema extremante bobo e, por isso mesmo, sem graça para merecer um texto. No entanto, as falácias colocadas por setores do agronegócio, repetidas pelo movimento “Sou Agro”, me levaram a escrever o presente artigo.

Para começo de conversa, ninguém com um mínimo de sanidade mental nega a relevância, a beleza e a importância das atividades agrícolas. Não é esse o ponto. A agricultura e a pecuária são atividades imprescindíveis para toda a humanidade. A produção e a segurança no fornecimento de alimentos permitiram o crescimento das cidades e das sociedades. A pecuária afetou profundamente nossa resistência a doenças, garantiu a proteína na dieta, permitiu formar cavalarias, criou modalidades esportivas. A agricultura contribuiu com a segurança alimentar, permitiu a domesticação de diversas variedades de plantas e influenciou profundamente a cultura de muitos povos. Nos dias atuais, diversos produtos da agropecuária são relevantes artigos de exportação que ajudam, e muito, a fazer com que a balança comercial brasileira obtenha resultados positivos. Os benefícios da agricultura são muitos e conspícuos.

A agricultura e a pecuária têm ares de milagres. Trabalhar a terra, acompanhar o crescimento das plantas e dos animais, produzir alimentos, sentir o sol no rosto e o sal do suor na boca. Esperar a chuva na hora certa. Sofrer e se alegrar com o trabalho... Sem dúvida, o proprietário rural é um guerreiro valoroso. E, muitas vezes, parece que as regras e as normas governamentais existem mais para atrapalhar do que para ajudar aqueles que tanto trabalham para gerar alimentos.

Como alguns setores da sociedade brasileira se atrevem a contestar a agropecuária? Logo a agropecuária que tanto faz pelo país, que ajudou a ocupar regiões onde antes só havia mato e bichos! Logo a agropecuária, que produz as matérias-primas que todos os brasileiros (e o mundo) usam, demandam e necessitam! Se você almoçou hoje, agradeça a um agro! Se você usou roupas, agradeça a um agro. Se você andou de carro, agradeça a um agro. Se você está hoje de ressaca por conta do churrasco de ontem, agradeça a um agro! Mais que isso, se você fez alguma dessas coisas, você é agro!

Este é o ponto no qual quero chegar. O Movimento Sou Agro é muito bem feito, é muito rico e tem grande aceitação no público em geral. No entanto, muitos dos argumentos usados para sensibilizar a sociedade são ingênuos, falaciosos e também perigosos, que em nada melhoram a relação da agricultura com a população ou com os outros setores produtivos da sociedade.

Só sou Agro porque existe o Bio

A produção de bens de consumo não é exclusividade da agricultura. Na verdade, a maior parte dos produtos derivados de produtos agrícolas só chega a nós porque outros setores produtivos desenvolveram a tecnologia necessária ao seu beneficiamento e transformação. Não é porque uso o vaso sanitário que sou Deca, tampouco sou Sony porque ouço músicas ou sou Intel porque digito no teclado do meu computador. Dizer que todo brasileiro é agro porque consome um produto derivado de algo produzido em uma fazenda é desmerecer a complexidade da nossa sociedade, é desconhecer o intricado caminho da produção, bem como o papel dos diferentes atores nesse processo. É muita presunção acreditar que apenas a agricultura é relevante na sociedade brasileira. Se um carro usa etanol, não foi a agricultura que desenvolveu o motor que utiliza esse combustível, tão pouco os teares que produzem os tecidos. A própria agricultura depende fortemente de outras indústrias, como a química, sem as quais a atividade agrícola pode se tornar inviável.

Se este argumento é válido, somos todos Bio, afinal de contas respiramos gases produzidos por organismos fotossintetizantes que independem do nosso cultivo. O melhoramento de variedades agrícolas depende do conhecimento acerca do patrimônio genético da natureza. A fertilidade e estrutura do solo dependem fortemente dos micro-organismos envolvidos na ciclagem de nutrientes e na formação da matéria orgânica. Populações de animais daninhos são eficientemente controlados por predadores naturais. Um morcego insetívoro ingere diariamente o seu próprio peso em mariposas e outros insetos que se alimentam de culturas agrícolas. A produtividade de diversos cultivares, notadamente de frutas, depende de polinizadores. Na verdade, a agricultura é o setor produtivo que mais depende de serviços ambientais para ser viável. Sem água, sem polinizadores, sem condições climáticas propícias, não existe maquinário, insumo ou reza brava que funcione... Se é agro, é bio, antes de mais nada. É uma pena que ainda existam grupos que não consigam entender o óbvio ululante.

Sou Agro, sou falacioso...

O Movimento Agro reúne alguns dos grupos mais poderosos da agropecuária brasileira. Grupos que tradicionalmente se beneficiam de vultosos financiamentos de bancos públicos. Grupos que representam proprietários de grandes nacos do território nacional. 

O objetivo do Movimento Agro é, aparentemente, trivial. É buscar apoio social entre as pessoas que moram nos ambientes urbanos e que podem não entender a importância da agricultura na suas vidas. Bancado por grandes grupos, contrataram artistas globais “simpáticos” e conhecidos da população urbana para convencer que a agricultura praticada por eles é linda... Hum...

Segundo dados dos censos agropecuários, mais de 80% das propriedades rurais do Brasil são caracterizadas como familiares. No entanto, a despeito da grande superioridade numérica, esse tipo de fazenda ocupa menos de um quarto da superfície total das fazendas brasileiras. Ou seja, menos de 20% dos fazendeiros brasileiros detêm 3/4 das terras agrícolas do país. Mesmo assim, as propriedades rurais familiares são responsáveis por 70% da produção brasileira de alimentos e empregam muito mais que os grandes proprietários.

Desta forma, é claro que existe um grande conflito social no Brasil. De um lado, pequenos proprietários que trabalham muito, produzem com mais qualidade e investem na mão de obra e na diversificação de produtos. De outro lado, grandes proprietários que vivem de financiamentos públicos, produzem em vastas monoculturas, investem em maquinário e têm dinheiro para montar enormes peças midiáticas visando atingir um público específico.

Desta forma, tenho dúvidas que esse Agro realmente cresça forte e saudável. Esse Agro me parece ser o mesmo que acredita que “desenvolver” é fagocitar territórios inteiros e rapidamente convertê-los em paisagens monótonas, mantidas à custa de muita química e muita água. Que não consegue entender que os serviços ambientais são bens comuns, que não devem ser privatizados ou degradados. Uma agricultura que tenta convencer que é mais valiosa que a natureza, que a conservação de nascentes, que a manutenção de reservas legais. Que visa ocupar as áreas de proteção permanente, que ambiciona incorporar todas as fatias de terra do Brasil ao seu “modelo” de produção, de desenvolvimento, de crescimento. Uma agricultura baseada no abandono de terras degradadas para adquirir novas terras nas fronteiras agrícolas, que também serão abandonadas no futuro. Uma agricultura que deixou para trás mais de 300 mil hectares degradados e improdutivos apenas no bioma Cerrado. Um modelo arcaico de agricultura depredatória, que repete uma lógica criada nos anos 70, onde alguns acreditavam que o único destino do Brasil era se tornar o celeiro do mundo. 

Sou Agro, sou perigoso?

A história é rica em exemplos onde grupos humanos que se consideravam, por alguma razão obscura, superiores ou melhores que outros grupos humanos, causaram grandes conflitos, muitos dos quais resultaram em guerras e massacres. Argumentos vazios e falaciosos, agindo sobre as emoções das pessoas, levaram ao massacre de judeus na Europa nos anos 40, no assassinato de tutsis pelos hutus em Ruanda, no extermínio de albaneses pelos sérvios no Kosovo. 

A agricultura é importante e realmente deve ser valorizada, mas todo cidadão brasileiro possui direitos e deveres. É normal acreditarmos que nosso trabalho é importante, que nosso trabalho engrandece, mas nunca devemos minimizar a importância do trabalho alheio, por menos que o entendamos. O Movimento Agro é proselitista e visa criar a sensação de que apenas a agricultura cresce no Brasil, que todo brasileiro deve algo a eles. Qual é o objetivo final do Movimento Agro? Criar na sociedade a sensação de que a agricultura não deve ser fiscalizada? Que a legislação ambiental agride a bela agricultura e que certas leis, como o Código Florestal, apenas servem para punir o nobre, trabalhador e essencial fazendeiro? Calma lá...

Realmente espero que o objetivo deste movimento não seja esse. No sítio do movimento lemos que “o Brasil pode perfeitamente ser a potência dos alimentos, da energia limpa e dos produtos advindos da combinação da ciência com a nossa megabiodiversidade” e que o “setor gera benefícios para toda a sociedade para pautar o futuro do Brasil com base no desenvolvimento sustentável”. Espero que a supracitada combinação de ciência com “megabiodiversidade” não seja entendida pelo movimento apenas como a produção de organismos geneticamente modificados, visando somente a produtividade agrícola, mas sim a conservação da biodiversidade e dos processos ecológicos-evolutivos responsáveis por sua manutenção, nem que o tão batido “desenvolvimento sustentável” seja apenas o sustento do desenvolvimento agrícola.

A agropecuária e a conservação podem andar juntas!

 
Gado curraleiro, no Nordeste, também chamado de Pé Duro. Ele foi 
substituído pelo zebuíno criado em sistema de monocultura. 
Foto: www.nordesterural.com.br



A questão da agropecuária vai muito além do Movimento Sou Agro. A maior parte do território brasileiro está nas mãos de proprietários rurais. Existem mais de 5 milhões de fazendas espalhadas por todo o território nacional. É impossível fazer conservação de biodiversidade no Brasil sem o apoio dos agricultores, da mesma forma que a conservação necessita trazer benefícios para quem está no campo. O Brasil, país detentor da maior biodiversidade do planeta, também é uma potência agrícola. Essa é a maior prova de que não existe nada de errado em produzir e conservar. Produzir de verdade e conservar de verdade. Não existe incompatibilidade nisso.

A agricultura e a pecuária, como diversas outras atividades, sempre dependeram de serviços ambientais e do meio ambiente equilibrado para seu sucesso. A agricultura depende da oferta de água, depende da polinização, depende da conservação do solo, depende de um clima previsível. Conheço muitos proprietários rurais que percebem isso e entendem que podem compatibilizar a produção agrícola com a preservação dos processos ecológicos (e dos organismos que os mantêm) em suas propriedades. Nunca houve incompatibilidade entre produção e conservação. A quem interessa alimentar essa celeuma? Certamente não interessa à sociedade brasileira.

Para garantir que a conservação e a produção andem juntas, é necessário, antes de tudo, seriedade na ocupação do território. Isso significa não apenas planejamentos patrocinados pelos governos em grandes escalas territoriais, mas também na ocupação do solo nas fazendas. A preocupação com a conservação do solo, a manutenção das matas ribeirinhas, o cuidado com a água e a vegetação é uma prova do respeito do proprietário com sua própria terra, com a sustentabilidade da terra que ele vai deixar para os seus filhos. 

O agro que respeita será recompensado

A economia está mudando. Os mecanismos econômicos de pagamento por serviços ambientais estão sendo refinados e em pouco tempo estarão operando. Proprietários que contribuem com a conservação destes serviços podem receber receitas relevantes pelo simples fato de terem conservado atributos ambientais em suas propriedades. Diversos serviços podem ser explorados nas propriedades rurais onde existam atributos ambientais relevantes. Basta que proprietários empreendedores e conscientes atuem em tais oportunidades. O preconceito de algumas poucas pessoas dos diferentes setores (conservacionista e agrícola) em nada contribui para a percepção de tais oportunidades.

Certas abordagens de pesquisa, como o estabelecimento de “Parques do Pleistoceno”, podem demonstrar a importância da pecuária em pastagens nativas no Brasil e, porque não, na relevância do gado para o aumento da diversidade vegetal e o controle de incêndios florestais? O agronegócio contribuiu fortemente para que raças de gado nacionais, como o robusto, leve e manejável caracu e os resistentes curraleiros, os quais se adaptam às pastagens nativas e a uma enormidade de fontes de alimento, fossem substituídos por zebuínos criados em sistemas de monoculturas de gramíneas exóticas. É esse o Brasil que cresce saudável? 

O Brasil é um país agrícola. Todo brasileiro reconhece a importância da agricultura. No entanto, o brasileiro reconhecerá cada vez mais a importância dos agricultores que entendem e contribuem para a conservação do patrimônio natural do Brasil, que enxergam o futuro e pensam nos filhos dessa terra.

(Este texto contou com excelentes sugestões de Fernando Fernandez.)

Reuber Brandão é biólogo e doutor em ecologia, leciona manejo de fauna e manejo de áreas protegidas na Universidade de Brasília. Estuda répteis e anfíbios com paixão. Analista Ambiental do IBAMA entre 2002 e 2006.

http://www.oeco.com.br/reuber-brandao/25304-antes-de-ser-agro-sou-bio

Os escravistas contra Lula



Em meio ao debate sobre a crise econômica internacional, Lula chegou a França. Seria bom que soubesse que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, deveria pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria guardar recato. No Brasil, a casa grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terras e escravos. Assim, Lula, agora, silêncio, por favor. Os da casa grande estão bravos. O artigo é de Martín Granovsky, do Página/12.Via PATRIA LATINA


Podem pronunciar “sians po”. É, mais ou menos, a fonética de “sciences politiques”. E dizer Sciences Po basta para referir o encaixe perfeito de duas estruturas: a Fundação nacional de Ciências Políticas da França e o Instituto de Estudos Políticos de Paris. Não é difícil pronunciar “sians po”. O difícil é entender, a esta altura do século XXI, como as ideias escravocratas seguem permeando os integrantes das elites sul-americanas. Na tarde desta terça, Richar Descoings, diretor da Sciences Po, entregará pela primeira vez o doutorado Honoris Causa a um latino-americano: o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Descoings falará e, é claro, Lula também.

Para explicar bem sua iniciativa, o diretor convocou uma reunião em seu escritório na rua Saint Guillaume, muito perto da igreja de Saint Germain des Pres. Meter-se na cozinha sempre é interessante. Se alguém passa por Paris para participar como expositor de duas atividades acadêmicas, uma sobre a situação política argentina e outra sobre as relações entre Argentina e Brasil, não está mal que se meta na cozinha de Sciences Po. 
Pareceu o mesmo à historiadora Diana Quattrocchi Woisson, que dirige em Paris o Observatório sobre a Argentina Contemporânea, é diretora do Instituto das Américas e foi quem teve a ideia de organizar as duas atividades acadêmicas sobre a Argentina e o Brasil, das quais também participou o economista e historiador Mario Rapoport, um dos fundadores do Plano Fênix há dez anos. 
Naturalmente, para escutar Descoings foram citados vários colegas brasileiros. O professor Descoings quis ser amável e didático. Sciences Po tem uma cátedra de Mercosul, os estudantes brasileiros vão cada vez mais para a França, Lula não saiu da elite tradicional do Brasil, mas chegou ao máximo nível de responsabilidade e aplicou planos de alta eficiência social.

Um dos colegas perguntou se era correto premiar alguém que se jacta de nunca ter lido um livro. O professor manteve sua calma e o olhou assombrado. Talvez saiba que essa jactância de Lula não consta em atas, ainda que seja certo que não tem título universitário. Certo também é que, quando assumiu a presidência, em 1° de janeiro de 2003, levantou o diploma que os presidentes recebem no Brasil e disse: “É uma pena que minha mãe morreu. Ela sempre quis que eu tivesse um diploma e nunca imaginou que o primeiro seria o de presidente da República”. E chorou. 
“Por que premiam a um presidente que tolerou a corrupção?” – foi a pergunta seguinte.

O professor sorriu e disse: “Veja, Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões apressadas. Deixa para o balanço histórico esse assunto e outros muitos importantes, como a instalação de eletricidade em favelas em todo o Brasil e as políticas sociais”. E acrescentou, pegando o Le Monde: “Que país pode medir moralmente hoje outro país? Se não queremos falar destes dias, recordemos como um alto funcionário de outro país teve que renunciar por ter plagiado uma tese de doutorado de um estudante”. Falava de Karl-Theodor zu Guttenberg, ministro de Defesa da Alemanha até que se soube do plágio.

Mais ainda: “Não desculpamos, nem julgamos. Simplesmente não damos lições de moral a outros países”.
Outro colega perguntou se estava bem premiar alguém que, certa vez, chamou Muamar Kadafi de “irmão”.Com as devidas desculpas, que foram expressadas ao professor e aos colegas, a impaciência argentina levou a perguntar onde Kadafi havia comprado suas armas e que país refinava seu petróleo, além de comprá-lo. O professor deve ter agradecido que a pergunta não tenha mencionado com nome e sobrenome França e Itália. 
Descoings aproveitou para destacar Lula como “o homem de ação que modificou o curso das coisas”, e disse que a concepção de Sciences Po não é o ser humano como “uns ou outros”, mas sim como “uns e outros”. Marcou muito o “e”, “y” em francês.
Diana Quattrocchi, como latino-americana que estudou e se doutorou em Paris após sair de uma prisão da ditadura argentina graças à pressão da Anistia Internacional, disse que estava orgulhosa que Sciences Pos desse o Honoris Causa a um presidente da região e perguntou pelos motivos geopolíticos.“Todo o mundo se pergunta”, disse Descoings. “E temos que escutar a todos. O mundo não sabe sequer se a Europa existirá no ano que vem”.
Na Sciences Po, Descoings introduziu estímulos para o ingresso de estudantes que, supostamente, estão em desvantagem para serem aprovados no exame. O que se chama discriminação positiva ou ação afirmativa e se parece, por exemplo, com a obrigação argentina de que um terço das candidaturas legislativas devam ser ocupadas por mulheres.

Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa a Lula fazia parte da política de ação afirmativa da Sciences Po. Descoings observou-o com atenção antes de responder. “As elites não são só escolares ou sociais”, disse. “Os que avaliam quem são os melhores são os outros, não os que são iguais a alguém. Se não, estaríamos frente a um caso de elitismo social. Lula é um torneiro mecânico que chegou à presidência, mas segundo entendi não ganhou uma vaga, mas foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas”.

Como Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff na Assembleia Geral das Nações Unidas, Lula vem insistindo que a reforma do FMI e do Banco Mundial está atrasada. Diz que esses organismos, tal como funcionam hoje, “não servem para nada”. O grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) ofereceu ajuda para a Europa. A China sozinha tem o nível de reservas mais alto do mundo. Em um artigo publicado no El País, de Madri, os ex-primeiros ministros Felipe González e Gordon Brown pediram maior autonomia para o FMI. Querem que seja o auditor independente dos países do G-20, integrado pelos mais ricos e também, pela América do Sul, pela Argentina e pelo Brasil. Ou seja, querem o contrário do que pensam os BRICS.
Em meio a essa discussão, Lula chega a França. Seria bom que soubesse que, antes de receber o doutorado Honoris Causa da Sciences Po, deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um trabalhador metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma casualidade chegou ao Planalto, agora deveria guardar recato. No Brasil, a casa grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terras e escravos. Assim, Lula, agora, silêncio, por favor. Os da casa grande estão bravos.

Tradução: Katarina Peixoto


Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula - divulgação

“Carta às Esquerdas”, por Boaventura de Souza Santos


Por mgsantos


Boaventura de Sousa Santos no AlmanaqueFSM

Não ponho em causa que haja um futuro para as esquerdas mas o seu futuro não vai ser uma continuação linear do seu passado. Definir o que têm em comum equivale a responder à pergunta: o que é a esquerda? A esquerda é um conjunto de posições políticas que partilham o ideal de que os humanos têm todos o mesmo valor, e são o valor mais alto. Esse ideal é posto em causa sempre que há relações sociais de poder desigual, isto é, de dominação. Neste caso, alguns indivíduos ou grupos satisfazem algumas das suas necessidades, transformando outros indivíduos ou grupos em meios para os seus fins. O capitalismo não é a única fonte de dominação mas é uma fonte importante. Os diferentes entendimentos deste ideal levaram a diferentes clivagens. As principais resultaram de respostas opostas às seguintes perguntas. Poderá o capitalismo ser reformado de modo a melhorar a sorte dos dominados, ou tal só é possível para além do capitalismo? A luta social deve ser conduzida por uma classe (a classe operária) ou por diferentes classes ou grupos sociais? Deve ser conduzida dentro das instituições democráticas ou fora delas? O Estado é, ele próprio, uma relação de dominação, ou pode ser mobilizado para combater as relações de dominação? As respostas 2 opostas as estas perguntas estiveram na origem de violentas clivagens. Em nome da esquerda cometeram-se atrocidades contra a esquerda; mas, no seu conjunto, as esquerdas dominaram o século XX (apesar do nazismo, do fascismo e do colonialismo) e o mundo tornou-se mais livre e mais igual graças a elas. Este curto século de todas as esquerdas terminou com a queda do Muro de Berlim. Os últimos trinta anos foram, por um lado, uma gestão de ruínas e de inércias e, por outro, a emergência de novas lutas contra a dominação, com outros actores e linguagens que as esquerdas não puderam entender. Entretanto, livre das esquerdas, o capitalismo voltou a mostrar a sua vocação anti-social. Voltou a ser urgente reconstruir as esquerdas para evitar a barbárie. Como recomeçar? Pela aceitação das seguintes ideias. Primeiro, o mundo diversificou-se e a diversidade instalou-se no interior de cada país. A compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão ocidental do mundo; não há internacionalismo sem interculturalismo. Segundo, o capitalismo concebe a democracia como um instrumento de acumulação; se for preciso, redu-la à irrelevância e, se encontrar outro instrumento mais eficiente, dispensa-a (o caso da China). A defesa da democracia de alta intensidade é a grande bandeira das esquerdas. Terceiro, o capitalismo é amoral e não entende o conceito de dignidade humana; a defesa desta é uma luta contra o capitalismo e nunca com o capitalismo (no capitalismo, mesmo as esmolas só existem como relações públicas). Quarto, a experiência do mundo mostra que há imensas realidades não capitalistas, guiadas pela reciprocidade e pelo cooperativismo, à espera de serem valorizadas como o futuro 3 dentro do presente. Quinto, o século passado revelou que a relação dos humanos com a natureza é uma relação de dominação contra a qual há que lutar; o crescimento económico não é infinito. Sexto, a propriedade privada só é um bem social se for uma entre várias formas de propriedade e se todas forem protegidas; há bens comuns da humanidade (como a água e o ar). Sétimo, o curto século das esquerdas foi suficiente para criar um espírito igualitário entre os humanos que sobressai em todos os inquéritos; este é um património das esquerdas que estas têm vindo a dilapidar. Oitavo, o capitalismo precisa de outras formas de dominação para florescer, do racismo ao sexismo e à guerra e todas devem ser combatidas. Nono, o Estado é um animal estranho, meio anjo meio monstro, mas, sem ele, muitos outros monstros andariam à solta, insaciáveis à cata de anjos indefesos. Melhor Estado, sempre; menos Estado, nunca. Com estas ideias, vão continuar a ser várias as esquerdas, mas já não é provável que se matem umas às outras e é possível que se unam para travar a barbárie que se aproxima.

domingo, 2 de outubro de 2011

Foto-levitação: pés, para que os quero?

 Foto levitação: pés, para que os quero?



“Pés, para que os quero, se tenho asas para voar?”
A frase célebre é da pintora mexicana Frida Kahlo. Mas parece que o espírito da coisa foi totalmente incorporado pela fotógrafa (e pintora) russa Anka Zhuravleva em sua série Gravidade Distorcida.
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(Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa)

Na série, a russa desafia as leis da física e exibe pessoas levitando em pleno ar. Em geral, as fotos passam uma sensação idílica de paz e sonho.

 Foto levitação: pés, para que os quero?
(Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa)

 Foto levitação: pés, para que os quero?
(Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa)
 Foto levitação: pés, para que os quero?
Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa

 Foto levitação: pés, para que os quero?
(Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa)

Tão intrigante quanto as fotografias é a própria história de Anka. Ela sempre estudou artes, por influência de sua mãe, que também era artista. Mas, na adolescência, ficou repentinamente ófã – seus pai faleceram em um intervalo de menos de dois anos – e seu mundo virou de cabeça para baixo.
Anka começou a viver no submundo de Moscou. Sempre bebendo muito, trabalhou como tatuadora e cantou numa banda de rock. Também fez alguns trabalhos como modelo, aparecendo nua na Playboy russa e em outras revistas masculinas.
Em 2001, ela conheceu o músico Alexander Zhuravlev, em São Petersburgo. Apaixonou-se e imediatamente mudou-se para a casa dele. Desde então, os dois vivem em harmonia – Alexander incentiva a produção artística de Anka, e ambos convivem comn diversos intelectuais e artistas da Rússia.

 Foto levitação: pés, para que os quero?
(Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa)

 Foto levitação: pés, para que os quero?
(Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa)

 Foto levitação: pés, para que os quero?
Foto: Anka Zhuravleva / Site da Fotógrafa

Você pode conferir mais trabalhos de Anka – inclusive suas pinturas, de tinta a óleo – acessando o site da artista.
 
Viciada em todo e qualquer tipo de arte. Tudo que tem são vinte e dois anos, um violão com uma corda constantemente arrebentada, e centenas de dúvidas. Ama Tchekov, Nirvana e cinema iraniano. Uma metamorfose ambulante, uma pedra no caminho – ou, resumindo tudo, uma gaivota.

Obra Prima de Luis Bunuel - Simão do Deserto - completo e legendado

Chile mostra esgotamento do modelo 'privatista' de educação superior, diz pesquisador

Do sitio OPERAMUNDI

A série de protestos ocorridos no Chile nos últimos quatro meses, em que estudantes pedem a reforma do sistema educacional e a volta do ensino superior gratuito, demonstra o esgotamento de um modelo “privatista” de educação universitária que foi implantado em alguns países nas últimas décadas. Essa á a opinião do pesquisador Fabio Betioli Contel, que lança, ao lado da socióloga Manolita Correia Lima, o livro Internacionalização da educação superior (Alameda Editorial, 536 páginas, R$ 68,00).
Efe

Mercantilização do ensino, como demonstram protestos no Chile e na Inglaterra, dá sinais de exaustão

Na obra, os autores criticam o modelo definido por critérios mercadológicos — que levou, por exemplo, aos protestos contra o aumento das taxas anuais de empréstimo estudantil nas universidades inglesas — e defendem uma “universalização cooperativa”.
“O que nosso livro preconiza é uma forma de organização da internacionalização oposta a este modelo privatista”, diz Contel, em entrevista concedida ao Opera Mundi por email. “É preciso criar solidariedades regionais com pautas voltadas para interesses públicos nacionais, e que sejam ao mesmo tempo estratégicos para o desenvolvimento dos países latinoamericanos como um todo”, defende.
O livro analisa diversos períodos de implementação de políticas de intercâmbio de conhecimento em sete países (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Austrália, Canadá, França, Brasil e Chile). “A internacionalização é um dado que faz parte do DNA das universidades, já que o conhecimento –meio e fim das universidades– tende ao universalismo; por isso a internacionalização em moldes cooperativos não só é desejável, como necessária, se quisermos construir uma globalização solidária”, comenta Contel.
Os dois pesquisadores avaliam que a principal causa dessa internacionalização desigual e hierárquica existente hoje entre as universidades dos países ricos e as nações subdesenvolvidas é que seus critérios são eminentemente mercadológicos, definidos por organismos comerciais e financeiros, como a OMC e o Banco Mundial. “Obviamente não podemos esperar do Banco Mundial soluções de caráter universal. Nenhuma instituição financeira vinculada a interesses dos países centrais pode ajudar na consolidação de sistemas nacionais de ensino superior nos países periféricos”, afirma o geógrafo. “Pelo contrário, sua ação é em grande parte determinada por raciocínios eminentemente contábeis, tendo nos mecanismos de mercado o grande elemento de definição das políticas”, observa.
Contel afirma ainda que uma internacionalização não subordinada seria possível se governos e dirigentes universitários de países como o Brasil tivessem vontade política para “aumentar as solidariedades acadêmicas”, o que seria favorecido pelas relações acadêmicas sul-sul, menos hierarquizadas que os intercâmbios norte-sul. “Isto significa trabalhar para a criação de redes de pesquisa regionais sólidas, de revistas indexadas que dêem maior visibilidade a esta produção, e instalação de programas de cooperação universitária de longo prazo”, diz.
Na relação acadêmica com os países centrais, os autores defendem uma postura pragmática das políticas de internacionalização a serem implementadas nos países periféricos, com o objetivo de suprir carências em áreas específicas de acordo com os projetos nacionais e regionais destes países. Além disso, “é preciso fazer com que o investimento em pesquisa aplicada “saia” das universidades públicas, e seja financiado também pelas empresas dos países semi-periféricos”, afirma Fabio Contel.

Assimilação

Questionado sobre as implicações do processo de internacionalização hoje em vigor sobre a mão-de-obra formada nos países periféricos, Fábio acrescenta que “ainda que uma formação acadêmica que contemple um estágio no exterior soe interessante do ponto de vista individual, pode ter consequências indesejáveis para o país de origem do estudante”.
“Ao regressar do período de estudos — quando regressam — os alunos emigrados trazem consigo, em primeiro lugar, o aprendizado da língua do país hospedeiro que, por sua vez, traz embutido padrões culturais, estéticos e de comportamento típicos do país hospedeiro. Em segundo lugar, a imersão no sistema cultural do país hospedeiro interfere também nas referências políticas e na formação ideológica do estudante que, ao retornar, acaba funcionando como uma espécie de ‘embaixador’ informal dos países hospedeiros”, critica.
Contel destaca que esse processo de “assimilação” pode ser ainda mais perverso em nações de descolonização recente, como é o caso da maior parte dos países africanos e do sudeste asiático.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A arte de desaprender


Assim como há escolas e cursos para aprender, deveria também existir para ensinar a desaprender

Frei Betto no BrasilDeFato

Apresentou-se à porta do convento um médico interessado em tornar-se frade. O prior encarregou o mestre de noviços de atendê-lo.
― Caro doutor – disse o mestre – o prior envia-lhe esta lista de perguntas. Pede que tenha a bondade de respondê-las de acordo com os seus doutos conhecimentos.
O jovem médico, acomodado no parlatório, tratou de preencher o questionário. Em menos de uma hora devolveu-o ao mestre. Este levou o papel ao prior e retornou quinze minutos depois:
― O prior reconhece que o senhor demonstra grande conhecimento e erudição. Suas respostas são brilhantes. Por isso pede que retorne ao convento dentro de um ano.
O médico estampou uma expressão de desapontamento:
― Ora, se respondi corretamente todas as questões – objetou – por que retornar dentro de um ano? E se eu tivesse dado respostas equivocadas, o que teria sucedido?
― O senhor teria sido aceito imediatamente e, na próxima semana, já estaria entre os noviços.
― Então, por que devo retornar em um ano?
― É o prazo que o prior considera adequado para que o senhor possa desaprender conhecimentos inúteis.
― Desaprender? – surpreendeu-se o médico.
― Sim, desaprender. Entrar na vida espiritual é como empreender uma viagem: quanto mais pesada a bagagem, mais lentamente se cobre o percurso. Na sua há demasiadas coisas substantivamente inúteis.
E o doutor partiu sob promessa de retornar dentro de um ano, o que de fato sucedeu.
Assim como há escolas e cursos para aprender, deveria também existir para ensinar a desaprender. Quantas importantes inutilidades valorizamos na vida! Quantos detalhes sugam nossas preciosas energias e consomem vorazmente o nosso tempo! Quantas horas e dias perdemos com ocupações que em nada acrescentam às nossas vidas; pelo contrário, causam-nos enfado e nos sobrecarregam de preocupações.
Precisamos desaprender a considerar os bens da natureza produtos de uso próprio, ainda que o nosso uso perdulário se traduza em falta para muitos. Desaprender a valorizar um modelo de progresso que necessariamente não traz felicidade coletiva e uma economia cuja especulação supera a produção. Desaprender a olhar o mundo a partir do próprio umbigo, como se o diferente merecesse ser encarado com suspeita e preconceito.
O desaprendizado é uma arte para quem se propõe a mudar de vida. Nessa viagem, quanto menos bagagem e mais leveza, sobretudo de espírito, melhor e mais rápido se alcança o destino. Vida afora, carregamos demasiadas cobranças, mágoas, invejas e até ódios, como se toda essa tralha fizesse algum mal a outras pessoas que não a nós mesmos.
O que nos encanta nas crianças com menos de cinco anos é a interrogação incessante, o interesse pela novidade, o espírito despojado. Era isso que sinalizou Jesus quando alertou a Nicodemos ser preciso nascer de novo, sem retornar ao ventre materno, e tornar-se criança para ingressar no Reino de Deus.
O médico candidato a noviço comprovou ser bem informado, mas ignorava a distinção entre cultura e sabedoria. Soube elencar as mais célebres telas da pintura universal, sem no entanto ter noção do que significam e por que o artista fez isto e não aquilo. Conhecia todas as doenças de sua especialidade, sem a devida clareza de como se relacionar com o doente.
A humanidade não terá futuro promissor se não desaprender a promover guerras e a considerar a pobreza mero resultado da incapacidade individual. Urge desaprender a valorizar o supérfluo como necessário e a ostentação como sinal de êxito. Desaprender a perder tempo com o que não tem a menor importância e se dedicar mais nos cuidados do corpo que do espírito.
A vida espiritual é um contínuo desaprender de apegos e ambições, vaidades e presunções. A felicidade só conhece uma morada: o coração humano. Eis aí milhões de viciados em drogas a gritar a plenos pulmões terem plena consciência de que a felicidade resulta de uma experiência interior, de um novo estado de consciência. Como não aprenderam a abraçar a via do absoluto, enveredaram pela do absurdo.
E convém aprender: no amor mais se desaprende do que se aprende.

Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.

Escândalo de venda de armas dos EUA a traficantes mexicanos abala governo Obama

do PLANO BRASIL
http://msnbcmedia3.msn.com/j/afp/dv_to_getty_2617324_0.grid-6x2.jpg
O objetivo era investigar o tráfico de armas dos Estados Unidos para organizações criminosas mexicanas. Mas a operação “Fast and Furious” (Velozes e Furiosos), orquestrada pelo ATF (Departamento de Álcool, Tabaco e Armas de Fogo dos EUA, na sigla em inglês), em 2009, acabou sendo um enorme fracasso. E, após recentes revelações de congressistas norte-americanos, tem potencial para se tornar um dos maiores escândalos da administração de Barack Obama.


A ideia era vender, de forma controlada, armas norte-americanas de alto calibre a membros de cartéis de drogas. Com isso, os agentes de segurança dos EUA esperavam rastrear o armamento no México até os chefões do tráfico e desarticular as sofisticadas redes de criminosos. Só que o plano não saiu como o esperado: cerca de duas mil armas sumiram do radar dos EUA e hoje circulam livremente em território mexicano.

Grande parte das armas oriundas da operação da ATF, instituição cujas ligações com o lobby de produtores de armas norte-americanos são investigadas, foi vinculada com mais de 200 delitos no México, entre eles o assassinato do agente da Patrulha da Fronteira Brian Terry, em 14 de dezembro de 2010, morto com um AK-47.

A pergunta que as autoridades nos EUA e no México agora se fazem é: de quem é a culpa? Com o passar dos meses, seguem saindo elementos cada vez mais assombrosos, que revelam aspectos inquietantes da operação. Agentes da ATF admitiram a periculosidade da falha, acusando superiores de terem tomado decisões incorretas. Porém, nesta terça-feira (27/09), o tema ganhou novo fôlego com revelações feitas por uma comissão investigadora do Congresso dos EUA sobre o caos entre a ATF e a DEA (Força Administrativa de Narcóticos, na sigla em inglês) e o FBI.

Segundo as investigações dos congressistas, a falta de comunicação entre as agências federais aconteceu e foi documentada. A DEA e o FBI, em particular, haviam ocultado da ATF a identidade do mais importante comprador de armas em Ciudad Juarez – um dos principais alvos da operação – e de um dos principais informantes das duas agências, cujo nome em código era CI #1 (Informante Confidencial Número 1).

O agente John Dodson foi instruído a comprar quatro unidades de AK-47 em dinheiro e ainda recebeu uma carta do supervisor, David Voth, o autorizando a vendê-las para criminosos mexicanos. Essencialmente, os contribuintes norte-americanos pagaram pelo armamento de traficantes mexicanos.



Acordo com traficantes?



A notícia chega justamente depois da declaração, da emissora Fox News, de que há documentos que atestam que o governo dos EUA, utilizando dinheiro público, comprou armas no arsenal Lone Wolf, no estado do Arizona, que foram entregues a traficantes mexicanos e acabaram nas mãos de integrantes do Cartel de Sinaloa, liderado por Joaquín “El Chapo” Guzmán.

Segundo declarações de Vicente Jesús Zambada Niebla, filho do número dois do Cartel de Sinaloa, Ismael El Mayo Zambada, e atualmente preso nos EUA, a situação é muito mais complexa e teria características ainda mais obscuras. Através de seu advogado, Vicente disse que a operação “Velozes e Furiosos” seria parte de um acordo mais amplo, com a DEA e o FBI como protagonistas e com a aprovação do Departamento de Justiça, que teria oferecido imunidade aos integrantes do Cartel de Sinaloa em troca de informações sobre outros cartéis.

A defesa de Vicente, ex-encarregado da logística do cartel, se baseia na afirmação de que ele atuava como agente dos EUA quando cometeu os delitos pelos quais é acusado, em nome do Departamento de Justiça dos EUA, da DEA, da Segurança Nacional e do FBI. Washington não negou que o filho de Mayo Zambada foi apoiado pelo Departamento de Justiça.

Com as novas revelações, o governo Obama enfrenta uma avalanche de críticas direcionadas a uma história que parece ainda não ter mostrado todas as facetas. Articulistas de jornais e intelectuais norte-americanos exigem que a opinião pública saiba quais são as verdadeiras relações relações entre o gabinete presidencial e os cartéis, considerando também a batalha declarada pela Secretário de Estado, Hillary Clinton, contra o “narcoterrorismo” e “narcoinsurreição”.

Certo é que os parentes de Brian Terry querem justiça e pretendem ir quem é responsável pela morte do policial.

Fonte: OperaMundi

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Elegância em zona de conflito: quem é o fotógrafo dos dândis congoleses?


 
Fotografia tirada por Baudouin Mouanda para a série La Sapologie, de 2008  

Em movimento, mesmo caladas, as pessoas dizem muito sobre si mesmas. As mãos no bolso ou fora deles, os passos curtos ou as longas jornadas das pernas combinadas com o movimento dos braços; o sorriso de esguelha, o olhar de viés, o bom humor, as roupas. No conjunto de gestos corporais e vestimenta, uma pessoa é, sozinha, um mundo bem interessante. Algumas mais, outras menos. Baudouin Mouanda, fotógrafo, teve seu olhar fisgado por um grupo dessas pessoas “mais” quando entrou num metrô de Paris, em 2007.  Eram três homens vestidos com exuberância, roupas bem cortadas, e uma elegância “proposital” nos gestos. “As pessoas (no metrô) estavam cada uma em uma posição, eu li nos olhos de alguns o estresse. Aquilo me impressionou. Vi naquilo uma canção que não era ruim, mas mal usada. De repente, três sapeurs entraram no metrô e começaram a conversar em uma língua que eu compreendia perfeitamente, o lari. Disseram ‘olhe como eles são tristes; bem, deveríamos desviar a atenção deles`. Apenas gesticulando com seus trajes, conseguiram o que queriam. E, na estação seguinte, onde os sapeurs deveriam descer, os passageiros não queriam deixar que eles fossem embora. Enfim, todo mundo estava alegre”, contou Mouanda, de 30 anos, nascido em Congo-Brazzaville, país vizinho à República Democrática do C
Os sapeurs, homens pertencentes ao movimento da SAPE (Société des Ambianceurs et des Personnes Élégantes, Sociedade das Pessoas Divertidas e Elegantes), são dândis congoleses. Dedicam seus dias, bom gosto e dinheiro à compra de roupas finas ou extravagantes de grifes famosas. Eles as vestem e saem às ruas das vilas de Brazzaville, Paris, Londres, Bruxelas ou de qualquer outro lugar onde haja uma comunidade congolesa e desfilam sua elegância pensada para rivalizar com outros sapeurs. Todos exibem seus melhores tecidos, cortes e cores embalados em gestos quase rococós. 

O contraste entre a opulência da vestimenta dos sapeurs com a pobreza material de algumas vilas africanas é justamente o que explica a existência da SAPE, cuja origem (ainda discutida) remonta às guerras civis ocorridas no Congo-Brazzaville. “O que me inspirou a ir até eles foi o fato de terem uma mensagem de solidariedade que construíram, de paz, visto que o país saía de uma grande crise política e era necessário reaprendermos a viver juntos e esquecermos os momentos difíceis”, explica Mouanda. Como catalisadora de desejos, sonhos e aspirações de bem-estar, a moda ajudou (e ajuda) a içar parte dos congoleses dos trapos sociais que sobram das guerras.
 

Baudouin Mouanda 
 
O movimento constante das fotos de Mouanda é registrado na série La Sapologie, no Congo-Brazzaville 

Baudouin Mouanda já exibiu sua série de fotos sobre a SAPE em alguns países – inclusive no Brasil – e chegou em julho desse ano com sua primeira mostra individual na capital inglesa, quando concedeu essa entrevista ao Opera Mundi. Apesar de muito jovem ainda – e de ter começado a fotografar ainda menino – Mouanda, talvez pelas três guerras civis que viveu, desenvolveu um olhar agudo para os traços antropológico-sociais da África que conhece. 

É verdade que o Sr. estudou jornalismo? 
 
Estudei direito na Universidade de Brazzaville. Graças a esse estudo, pude ganhar um olhar crítico da fotografia, unindo as duas correntes, interrogando o que é o Direito e o que exatamente é a fotografia, mas sem esperar respostas universais. Em vez disso, buscava questões de relação com a minha sociedade. Isso me fez reparar no serviço da Embaixada da França no Congo em 2006, com a concessão de uma bolsa de estudos no CPFJ (Centre de Formation Professionnel des Journalistes, Centro de Formação Profissional de Jornalistas), em Paris, e foi assim que me vi jornalista, com minha reportagem sobre as sequelas da guerra. E, hoje em dia, tenho orgulho porque adoro aquele meio, ele faz despertar a consciência. 

Quando o Sr. começou a tirar fotos, o Congo-Brazzaville estava em meio a uma guerra civil. Como isso influenciou suas fotos? 
 
Brazzaville passou por três guerras civis: em 1993, 1997 e 1998. Foi durante a primeira que fui impedido de ir à escola e fiquei sem estudar por dois anos. E foi graças à câmera do meu pai que comecei a fotografar. Em seguida, quando tudo voltou ao normal, ele me propôs voltar às aulas e me ofereceu sua câmera russa, uma Zenith 11, com a condição de que eu entrasse na faculdade. Foi aí que ganhei a aposta: sabia que meu pai era um homem de palavra. Mas ele queria que eu fosse advogado.  


Onde, quando e como foi o seu primeiro contato com os sapeurs? 
 
Há muito tempo em Brazzaville, no início de 2001, no fim da guerra. O que me inspirou a ir até eles foi o fato de terem uma mensagem de solidariedade, paz, visto que o país saía de uma grande crise política e era necessário reaprendermos a viver juntos e esquecermos os momentos difíceis. 

O que chamou sua atenção? 
 
A diversão que anda de mãos dadas com os trajes deles, que cria o espetáculo. Certa manhã de 2001, em Paris, entrei no metrô e as pessoas estavam cada uma em uma posição – li nos olhos de algumas estresse. Aquilo me impressionou. De repente, três sapeurs entraram no metrô e começaram a conversar em lari, uma língua que eu compreendo perfeitamente. Disseram: “Olhe como são tristes. Deveríamos desviar a atenção deles”. Gesticulando com seus trajes, conseguiram o que queriam. E, na estação seguinte, onde os sapeurs deveriam descer, os passageiros não queriam deixar que eles fossem embora. Todos estavam alegres. 

Baudouin Mouanda 
 
As guerras civis em Brazzaville, em 1993, 1997 e 1998, contribuíram para o empobrecimento do país (série Délestage, de 2010) 

Quando e como o Sr. reparou que poderia fazer um trabalho fotográfico com  os sapeurs? 
 
Nas festas da comunidade africana. Lá reparei no que havia deixado em Brazzaville e em como o movimento da SAPE estava ganhando terreno. Enquanto falávamos de festas, batizados, não pensávamos em comer, mas no combate das vestimentas. Vestir-se sem estar com os olhos fechados, ou seja, saber escolher as cores. Naquele momento, os convidados não vinham somente para beber, mas esperava-se também viver um espetáculo e isso que me levou a seguir o movimento em seu verdadeiro reduto, Brazzaville.  

Vejo que suas fotos dos sapeurs têm muito movimento. É proposital? 
Exatamente, adoro fotografá-los em movimento porque é mais natural do que vê-los posando. Isso não corresponde às verdadeiras imagens que temos dos sapeurs. Em pleno movimento, é muito fácil entender o jogo deles, saber o que é sapeur e o que não é, ter argumentos para defender melhor sua classificação de vestimentas sem buscar briga. Dá vontade de ficar e é o que faz o espetáculo.  

O que define um sapeur? 
Saber brincar com as cores, vestir-se com um bom olho, sem se enganar nas escolhas que fazem quando saem às ruas para se defenderem de seus adversários. Ter um bom conhecimento das grandes marcas de roupas e sapatos, o que demanda muito dinheiro. Mas ser sapeur não é somente um sinônimo de riqueza.


De onde eles vêm? 
 
De toda parte. Brazzaville, capital do Congo, é o reduto, mesmo que hoje se fale da República Democrática do Congo. Um sapeur que vive na Europa não pode ser considerado sapeur se não fizer uma viagem a Brazzaville para obter o diploma dos códigos, como dizem os sapeurs. 

Há algum tipo de competição entre eles? 
Sim, com frequência organizadas para grandes festas, assim como as competições para eleger o melhor sapeur do ano, e também do dia, como é o caso dos encontros de um bairro com outro, como Bacongo, Poto Poto, Ouénzé e Talangaï, os arrondissements mais conhecidos do movimento. 

A África é o principal objeto do seu trabalho ou suas inspirações são a cultura e a sociedade, independentemente do país ou das pessoas que fotografa? 
 
A África não é o único cruzamento de inspirações, sou livre para trabalhar onde quer que eu esteja. Os fatos sociopolíticos são frequentemente minhas fontes de reflexão, que me permitem não limitar, mas, em vez disso, ser um porta-voz do olhar sobre a sociedade, possibilitando que eu chame atenção para a minha escrita fotográfica. Daí o interesse de criar um coletivo de fotógrafos em Brazzaville, chamado Collectif Elili, formado por jovens estudantes e funcionários para divulgar suas criações na região cujo talento não precisa mais ser provado.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Geração sem futuro



Revoltas no Chile, em Israel e em Londres são uma resposta da juventude ao quadro de devastação social legado por décadas de neoliberalismo. Pela primeira vez em um século, na Europa, as novas gerações têm um nível de vida inferior ao de seus pais

por Ignacio Ramonet no LEMONDE-BRASIL
“O mundo só será salvo, caso tenha
salvação, pelos insubmissos”
André Gide
 (Protesto contra a austeridade econômica em frente ao Parlamento grego)

Primeiro foram os árabes, depois os gregos, logo os espanhóis e os portugueses, seguidos pelos chilenos e israelenses. E, em agosto, com muito barulho e fúria, os britânicos. Jovens do mundo todo espalham uma epidemia de indignação, semelhante à que percorreu o planeta – da Califórnia a Tóquio, passando por Paris, Berlim, Madri e Praga – nos anos de 1967 e 1968 e mudou os costumes da sociedade ocidental. Naquela época, tempos prósperos, a juventude pedia para ocupar o próprio espaço com mais liberdade.
Hoje é diferente. O mundo está pior e as esperanças esmoreceram. Pela primeira vez em um século, na Europa, as novas gerações têm um nível de vida inferior ao de seus pais. O processo globalizador neoliberal brutaliza os povos, humilha os cidadãos e despoja os jovens de futuro. E a crise financeira, com suas “soluções” de austeridade contra a classe média e os mais humildes, piora o mal-estar geral. Os Estados democráticos estão renegando os próprios valores. Em tais circunstâncias, a submissão e o acatamento da ordem são absurdos.
Por outro lado, as explosões de indignação e protesto resultam normais em função da conjuntura, e vão multiplicar-se. A violência está crescendo, apesar dos levantes terem diferente formato em Tel Aviv, Santiago do Chile ou Londres. A impetuosa explosão inglesa se diferencia dos outros protestos juvenis – em geral pacíficos, embora com enfrentamentos pontuais em Atenas, Santiago e outras capitais – pelo grau de violência utilizado.
Outra diferença essencial: os amotinados ingleses, talvez pelo pertencimento de classe, não verbalizaram seu descontentamento. Nem colocaram seu furor a serviço de uma causa política ou da denúncia da desigualdade concreta. Nessa guerrilha urbana, nem sequer saquearam os bancos com ira sistemática. Deram a (lamentável) impressão de que a raiva pela condição de despossuídos e frustrados tinha como único foco as vitrines repletas de maravilhas do mundo do consumo. De qualquer forma, como tantos outros “indignados”, esses esquecidos pelo sistema – que já não pode oferecer-lhes um lugar na sociedade, um futuro – expressavam o desespero.
Um aspecto particular do neoliberalismo que incomoda muito, do Chile a Israel, é a privatização dos serviços públicos, pois significa um roubo manifesto do patrimônio da população. Para os que não possuem nada, deveria existir a escola pública, o hospital público, o transporte público, gratuitos ou subvencionados pela coletividade. Quando esses direitos básicos e inalienáveis são privatizados, não se configura apenas o roubo dos bens da cidadania (pois foram custeados com impostos), mas também a destituição do único patrimônio das camadas mais pobres. Trata-se de uma dupla injustiça, e uma das raízes da onda de ira atual.
Com relação à fúria dos manifestantes, uma testemunha dos levantes de Tottenham declarou: “O sistema não cessa de favorecer os ricos e massacrar os pobres. Há cortes nos serviços públicos, as pessoas morrem nas salas de espera dos hospitais depois de terem esperado um médico horas a fio”.1
No Chile, há três meses, milhares de estudantes apoiados por uma parte importante da sociedade reivindicam a estatização da educação, privatizada durante a ditadura neoliberal do general Pinochet (1973-1990). Exigem, ademais, que o direito a uma educação pública de qualidade seja garantido pela Constituição. E explicam que, como está, “a educação já não é um mecanismo de mobilidade social. Ao contrário: é um sistema que reproduz as desigualdades sociais”.2 Para que os pobres continuem sendo pobres...
Em Tel Aviv, no dia 6 de agosto, com o grito de ordem “O povo quer justiça social!”, cerca de 300 mil pessoas se manifestaram em apoio ao movimento dos jovens “indignados” que pedem mudanças nas políticas públicas do governo neoliberal de Benyamin Netanyahou.3 Um estudante declarou: “Quando o salário de alguém que trabalha não dá nem para cobrir os gastos com alimentação, é porque o sistema não funciona. E isso não é um problema individual, é um problema do governo, e coletivo”.4
O suicídio social

Desde a década de 1980 e da influente economia de Ronald Reagan, o modelo adotado pelo governo desses países – em especial o dos Estados europeus hoje debilitados pela crise da dívida – é o mesmo: redução drástica dos gastos públicos, cortes particularmente brutais no orçamento social. Um dos resultados dessa política foi o crescimento vertiginoso do desemprego entre os jovens (na União Europeia, 21%, e na Espanha, 42,8%). Esses números indicam a impossibilidade de toda uma geração entrar na vida ativa. Trata-se de um suicídio social.
Em vez de reagir, os governos, assustados pelas quedas recentes das bolsas de valores, insistem em satisfazer as necessidades dos mercados e dos bancos a qualquer custo, quando o que deveriam fazer, e de uma vez só, era desarmar os mercados,5 obrigá-los a uma regulamentação mais rígida. Até quando aceitaremos que a especulação financeira imponha seus critérios para as políticas públicas e a representação política? Que sentido tem essa democracia? Para que serve o voto dos cidadãos se, finalmente, quem manda são os mercados?
No próprio seio do modelo capitalista existem alternativas realistas, defendidas e respaldadas por especialistas reconhecidos internacionalmente. É possível citar, de cara, dois exemplos concretos. Primeiro: o Banco Central Europeu (BCE) poderia se converter em Banco Central de verdade e emprestar dinheiro (com condições definidas) aos Estados da Zona do Euro para que estes financiem seus gastos. Hoje, essa atuação está proibida ao BCE, o que obriga os Estados a recorrer aos juros astronômicos dos mercados. Essa medida acabaria com a crise da dívida. Segundo: parar de prometer e exigir, de fato, a Taxa sobre Transações Financeiras (TTF). Com o módico imposto de 0,1% sobre o intercâmbio de ações e o mercado de capitais, a União Europeia poderia obter, por ano, entre 30 e 50 bilhões de euros, o suficiente para financiar com folga os serviços públicos, restaurar o Estado de Bem-Estar Social e oferecer um futuro mais esperançoso às novas gerações.
Ou seja, as soluções técnicas existem. Mas onde está a vontade política?
Ignacio Ramonet
é jornalista, sociólogo e diretor da versão espanhola de Le Monde Diplomatique.


Ilustração: Pascal Rossignol/ Reuters

Libération, Paris, 15 ago. 2011.
Le Monde, Paris, 12 ago. 2011.
3  De acordo com pesquisa de opinião, as reivindicações dos “indignados” israelenses contam com 88% de aprovação dos cidadãos (Libération, op. cit.).
Le Monde, Paris, 16 ago. 2011.
5          Ignacio Ramonet, “Desarmar a los mercados” [Desarmar os mercados], Le Monde diplomatiqueem espanhol. Dezembro de 1997.