sábado, 18 de agosto de 2012

Arca Russa (2002)


Sinopse:
 
Créditos:  Felipe Pucinelli
Um museu como um ser vivo, uma entidade que respira e tem personalidade própria. Sokúrov empresta alma ao colossal palacete do Hermitage, em São Petersburgo, um dos maiores museus do mundo. Arca Russa foi filmado em um único plano-seqüência, sem cortes, que dura 97 minutos e atravessa 35 salas do museu, transformando a tela de cinema em um quadro vivo por onde desfilam personagens importantes da história da Rússia: Pedro, o Grande; Catarina, a Grande; Catarina II, Nicolau e Alexandra.
Simbiose perfeita de cinema, história e artes plásticas, Arca Russa é uma experiência visual única e inesquecível.

Informações:

Título Original: Russkiy kovcheg
Direção: Aleksandr Sokurov
Origem: Rússia
Duração: 99 min
Idioma: Russo
Legendas: Português
Formato: avi
Tamanho: 1.3gb
Servidor: MediaFire

Link:

Senador Paim faz alerta: Governo vai propor flexibilizar a CLT



“Está em gestação processo para flexibilizar CLT”, alerta Paim

do Vermelho, sugerido pelo Marco Aurelio

Há pouco tempo, o senador Paulo Paim (PT-RS), na tribuna da casa legislativa de que faz parte, alertou: “Estou sabendo que o Poder Executivo pretende enviar ao Congresso Nacional proposta para mudar a legislação trabalhista e criar duas novas formas de contratação, a eventual e por hora trabalhada. Na prática, nós sabemos muito bem o que isso representa: a perda de direitos sociais para os trabalhadores”.
O alerta do senador Paim não é um delírio, ao contrário. No início deste mês, o jornal Valor Econômico veiculou notícia que a presidenta Dilma Rousseff “prepara para depois das eleições municipais a negociação com o Congresso de duas reformas: a da previdência, em troca do fim do fator previdenciário, e a que flexibiliza a legislação trabalhista, cujo anteprojeto está na Casa Civil e que deverá dar primazia ao que for negociado entre as partes sobre o legislado, ampliando a autonomia de empresas e sindicatos”.
“Tenho o dever e a obrigação de, a partir desta tribuna e utilizando os meios de comunicação desta Casa, fazer um alerta ao nosso país e à nossa gente. Está em plena gestação um processo para flexibilizar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a maior conquista social dos trabalhadores brasileiros. Da nossa parte, não aceitaremos, em hipótese alguma, a retirada ou a redução de direitos e de conquistas da classe trabalhadora, forjados na luta cotidiana!”, disse o senador em discurso.
E anunciou que fará mobilização “a fim de chamar a atenção de todos para o perigo que se avizinha. Não somos profetas do pessimismo e nem temos bola de cristal para prever o futuro. Porém, a história tem nos mostrado que devemos sempre vigiar”.
“O Ano da CLT”
O senador encerrou sua fala anunciando que apresentará proposta para que 2013 seja considerado “O Ano da CLT”. Paim afirmou que “não podemos fechar os olhos para a ideia que estão tentando vender para a sociedade e que eu considero um engodo. As possíveis mudanças na CLT não representam modernidade. Ao contrário, elas pretendem desmontar a CLT e acabar com direitos e conquistas dos trabalhadores”.
A CLT foi criada em 1º de maio de 1943, pelo então presidente Getúlio Vargas e, em novembro, começou a vigorar. Em 2013, completará 70 anos. Ela surgiu de novas demandas do país, que a partir de 1930 deixava de ter uma economia exclusivamente agrícola e passava a se tornar cada vez mais industrial.
“A mobilização popular e a contribuição de vários intelectuais brasileiros foram fundamentais em todo este processo de progresso social e de proteção ao trabalhador”, destacou Paim.
Tentativas anteriores
Na época em que o governo de Fernando Henrique Cardoso pressionava o Congresso para modificar o artigo 618 da CLT, o advogado Benedito Calheiros Bomfim escreveu um artigo sobre o assunto. Na ocasião, ele disse que, em poucas palavras, a proposta era transformar a lei em letra morta, permitindo que uma falsa “livre negociação” fosse superior a ela – o que é totalmente inconstitucional, por razões óbvias.
“De que vale uma lei que, além de permitir transgressões a si mesma (não como exceção, mas como regra), também permite transgressões ao artigo 7º da própria Constituição? Imaginemos se a Lei Áurea ‘permitisse’ aos escravos ‘negociar’ sua continuação como escravos.”
O ex-presidente Lula, logo após assumir a Presidência da República, em 2003, mandou retirar do Congresso o projeto de Fernando Henrique.

Da Redação em Brasília
Com informações do Diap

A guerra midiática do imperialismo e do sionismo



O comportamento da mídia privada, controlada pelo imperialismo estadunidense e o sionismo israelense sobre os acontecimentos no Oriente Médio e a questão palestina em particular, faz parte daquilo que se pode denominar de guerra midiática.

Por José Reinaldo Carvalho*


Esta guerra midiática, que se iguala a uma espécie de terrorismo, constitui a “guerra fria” da atualidade, a continuação, no terreno da luta de ideias, da ofensiva do imperialismo em todo o mundo contra os países e forças políticas empenhados na batalha pela emancipação nacional e social.

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É uma guerra que tem a mentira como norma e arma. Os meios de comunicação a serviço do imperialismo estadunidense e seus aliados se transformaram em uma verdadeira usina de mentiras.

Esses veículos de comunicação são grandes conglomerados econômicos privados que, além de auferirem enormes lucros, se põem a serviço do sistema como um todo, defendendo políticas conservadoras, neoliberais e antipopulares. Os interesses econômicos que esses grupos defendem estão entrelaçados com o poder do capital monopolista-financeiro, a indústria armamentista e a potência geopolítica dos países imperialistas. Para esses grupos é algo natural sua inclinação para defender o saque dos recursos naturais de países e povos, o militarismo e as guerras. Sua missão é fazer a defesa ideológica do sistema político e socioeconômico vigente.

No seu arsenal de mentiras e engodo, está um inesgotável repertório propagandístico por meio do qual procuram apresentar os Estados Unidos e demais países imperialistas como modelos de democracia. Querem impor seu modelo político como o único democrático, sua ideologia como o pensamento único a ser seguido, seus valores como a quintessência da civilização.

Contudo, nunca se atentou de maneira tão intensa, flagrante e abrangente contra as maiores conquistas civilizacionais: a democracia, a liberdade, a igualdade, a justiça, a fraternidade, os direitos humanos, os direitos sociais, a soberania nacional, a autodeterminação dos povos, o direito internacional e a paz.

A mídia se tornou cúmplice de crimes, de golpes de Estado, da contrarrevolução, do terrorismo de Estado e de guerras de agressão e rapina contra os povos e nações independentes. É a mídia quem prepara o terreno para essas agressões, é ela que constrói, com artifícios e o engodo, opiniões favoráveis à guerra, naturalizando-a, tornando-a acontecimento banal, e conquista a opinião pública para suas posições. Foi assim com a preparação das guerras da Bósnia e do Kosovo, na antiga Iugoslávia, nos anos 1990, no Afeganistão, em 2001, no Iraque em 2003, na Líbia em 2011 e é assim agora na Síria. As coberturas ditas jornalísticas sobre esses episódios dramáticos são sempre parciais, unilaterais e arbitrárias.

Durante 12 anos, entre a primeira guerra da coalizão liderada pelos Estados Unidos contra o Iraque, em 1991, e a segunda, em 2003, a mídia encarregou-se de transformar os erros do ex-presidente iraquiano na própria personificação do mal. O estadista foi execrado como tirano e, depois que ocorreram os malsinados atentados contra as torres gêmeas e o Pentágono em Nova Iorque, em 11 de setembro de 2001, o dedo acusador da mídia apontou para o Iraque como a base logística das operações da Al Qaeda e o país como se fora o refúgio de Osama Bin Laden. Pior do que tudo, o Iraque foi acusado de possuir armas de destruição em massa. Tudo isso era apresentado como justificativas para desencadear a guerra contra o país árabe. Depois, os próprios acusadores, já investidos como força de ocupação, confessaram que não existiam as aludidas armas.

Com relação ao conflito de Israel com os povos árabes e o palestino em particular, a mídia é ainda mais unilateral e mentirosa. Ela deturpa os fatos históricos. Apresenta a criação do Estado de Israel como uma conquista democrática e uma remissão da humanidade pelos crimes cometidos pelo fascismo, quando na verdade a criação do Estado de Israel sem a correspondente criação do Estado palestino, como determinava a resolução da ONU, e a expansão de Israel sobre as terras usurpadas aos palestinos, configurou o que estes com justa razão consideram uma tragédia. A versão da mídia privada sobre esse episódio histórico, que resultou em um martírio para o povo palestino, é uma escandalosa falsificação histórica.

A mídia privada, em conluio com entidades sionistas em todo o mundo, inclusive no Brasil, apresenta Israel como uma democracia ocidentalizada, um país tolerante e aberto, pluralista e pacifista. Nada mais falso. Ali é o reino do obscurantismo, do fundamentalismo, do extremismo, do militarismo e das políticas de guerra.

Se os meios de comunicação monopolistas são tão generosos com os sionistas, por outro lado, são severos com os palestinos, cuja heroica e sagrada luta recebe os mais aviltantes epítetos. Os combatentes palestinos e suas organizações de luta são chamados de terroristas.

Agora estamos em presença de novas falsificações, que preparam o terreno para novas aventuras bélicas do imperialismo e do sionismo contra povos e nações. Demonizam o governo da Síria e seu presidente, Bashar Al-Assad, insuflam o terrorismo, abençoam o bando de mercenários que se autointitula Exército Livre da Síria, difundem lendas sobre armas químicas e elaboram cenários para justificar a criação de uma chamada zona de exclusão aérea na Síria a partir de supostas áreas libertadas nas fronteiras com a Jordânia e a Turquia.

As questões relacionadas ao Irã estão entre os principais temas sobre os quais a mídia fabrica e difunde indefensáveis mentiras. Primeiramente, criando uma opinião desfavorável ao modo como o país organiza seu sistema político, ignorando que o princípio basilar do multilateralismo das Nações Unidas é a autodeterminação dos povos e nações, o que implica o reconhecimento do direito que tem cada país de soerguer o sistema político correspondente às suas próprias decisões e peculiaridades nacionais.

Em segundo lugar, a mídia ajuda o imperialismo e o sionismo na acusação de que o país tem um programa nuclear voltado para fins bélicos, quando o governo já assegurou perante os organismos internacionais tratar-se de um programa nuclear com fins pacíficos. A Agência Internacional de Energia Atômica, organização da ONU encarregada de realizar inspeções sobre instalações e programas nucleares, jamais afirmou categoricamente que o programa nuclear iraniano tem fins bélicos.

Israel prepara afanosamente um ataque às instalações nucleares iranianas, assassina os cientistas deste país, possui armas nucleares, viola o Tratado de Não Proliferação Nuclear. Mas a mídia silencia vergonhosamente sobre tudo isso.

Pior, os colunistas a seu serviço em veículos de comunicação privados, avessos à ética profissional e comprometidos com sua ideologia, são pagos para acusar de antissemitas os críticos do sionismo e do expansionismo do Estado israelense.

Em todo o mundo, é assim que agem também as suas entidades e indivíduos que atuam como agentes de sua causa. Confundem deliberadamente com o antissemitismo, o antissionismo, que é a oposição política a um nacionalismo expansionista e imperialista.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, o poder sionista é decisivo, monopoliza o poder político, influencia as deliberações do Capitólio, do Departamento de Estado, do Pentágono, da Casa Branca e das cúpulas partidárias que se alternam no governo. Controla os grandes jornais, as principais redes de TV e empresas da indústria cinematográfica.

Por estas razões, considero urgente a organização de um movimento de oposição à ofensiva da mídia contra nações independentes, países e povos que lutam por sua autodeterminação e afirmação soberana no cenário mundial.

É necessário dar passos para criar uma Rede Internacional de Ciberativistas da Solidariedade e o Jornalismo Solidário.

Considero importante que chefes de Estado e governo de países progressistas e resistentes ao imperialismo organizem debates em suas reuniões de cúpula que os levem a tomar medidas institucionais contra o terrorismo midiático. Esses debates poderiam ser realizados no âmbito de grupos e blocos de países conforme suas afinidades. Por exemplo, na Unasul, na Alba, no Movimento dos Países Não Alinhados, nos Brics, no Ibas, na Organização para a Cooperação de Xangai e assim sucessivamente.

Creio ser necessário mesmo criar um Fórum Internacional de Combate ao Terrorismo Midiático. Iniciativas como esta ganhariam sem dúvidas o apoio de jornalistas, escritores, intelectuais da comunicação, comunicadores, blogueiros , ativistas.

Penso também que seria necessário criar um pool de agências noticiosas e de outros veículos de comunicação, a fim de brindar o público com informações fidedignas.

Tudo isso ajudaria a criar condições para a definição de políticas multilaterais, coordenadas e solidárias de comunicação entre países com afinidades e interesses mútuos.

É necessário ainda pensar novas concepções de ensino do jornalismo e promover intercâmbios entre profissionais da comunicação de instituições progressistas.

Em nossa concepção de jornalismo, uma publicação, impressa ou virtual, um site, um blog, uma rede, são instrumentos de resistência, de luta para transformar o mundo, veículos da luta de ideias.

Acreditamos no poder mobilizador e transformador do Jornalismo Solidário, de resistência e de luta. Por esta razão, o Portal Vermelho sente-se partícipe deste movimento de solidariedade e das suas campanhas.

*Editor do Vermelho. Texto da intervenção apresentada no Seminário Nacional dos Movimentos Sociais sobre a Questão Palestina, Brasília, 16 de agosto de 2012.

O Mercosul versus a nova Alca versus a China


Samuel Pinheiro Guimarães no OPERA MUNDI

EUA ainda não desistiram de tentar dominar o resto do continente americano economicamente


Todo o noticiário sobre Mercosul, Aliança do Pacífico, Parceria Transpacífica e China tem a ver com um embate ideológico entre duas concepções de política de desenvolvimento econômico e social.

A primeira dessas concepções afirma que o principal obstáculo ao crescimento e ao desenvolvimento é a ação do Estado na economia. A ação direta do Estado na economia, através de empresas estatais, como a Petrobras, ou indireta, através de políticas tributárias e creditícias para estimular empresas consideradas estratégicas, como a ação de financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), distorceria as forças de mercado e prejudicaria a alocação eficiente de recursos.

Nesta visão privatista e individualista, uma política de eliminação dos obstáculos ao comércio e à circulação de capitais; de não discriminação entre empresas nacionais e estrangeiras; de eliminação de reservas de mercado; de mínima regulamentação da atividade empresarial, inclusive financeira; e de privatização de empresas estatais conduziria a uma eficiente divisão internacional do trabalho em que todas as sociedades participariam de forma equânime e atingiriam os mais elevados níveis de crescimento e desenvolvimento.

Esta visão da economia se fundamenta em premissas equivocadas. Primeiro, de que todos os Estados partem de um mesmo nível de desenvolvimento, de que não há Estados mais e menos desenvolvidos. Segundo, de que as empresas são todas iguais ou pelo menos muito semelhantes em dimensão de produção, de capacidade financeira e tecnológica e de que não são capazes de influir sobre os preços. Terceiro, de que há plena liberdade de movimento da mão de obra entre os Estados. Quarto, de que há pleno acesso à tecnologia que pode ser adquirida livremente no mercado. Quinto, de que todos os Estados, inclusive aqueles mais desenvolvidos, seguem hoje e teriam seguido passado esse tipo de políticas.

Wilson Dias/ABr

Chávez, Dilma, Mujica e Cristina: Venezuela está integrada ao Mercosul; Bolívia e Equador podem ser os próximos

Como é obvio, estas premissas não correspondem nem à realidade da economia mundial, que é muito, muito mais complexa, nem ao desenvolvimento histórico do capitalismo.

Historicamente, as nações hoje altamente desenvolvidas utilizaram uma gama de instrumentos de política econômica que permitiram o fortalecimento de suas empresas, de suas economias e de seus Estados nacionais. Isto ocorreu mesmo no Reino Unido, que foi a nação líder do desenvolvimento capitalista industrial, com a Lei de Navegação, que obrigava o transporte em navios ingleses de todo o seu comércio de importação e exportação; com a política de restrição às exportações de lã em bruto e às importações de tecidos de lã; com as restrições à exportação de máquinas e à imigração de “técnicos”.

Políticas semelhantes utilizaram a França, a Alemanha, os Estados Unidos e o Japão. Países que não o fizeram naquela época, tais como Portugal e Espanha, não se desenvolveram industrialmente e, portanto, não se desenvolveram.

Se assim foi historicamente, a realidade da economia atual é a de mercados financeiros e industriais oligopolizados em nível global por megaempresas multinacionais, cujas sedes se encontram nos países altamente desenvolvidos. A lista das maiores empresas do mundo, publicada pela revista Forbes, apresenta dados sobre essas empresas cujo faturamento é superior ao PIB de muitos países. Das 500 maiores empresas, 400 se encontram operando na China. Os países altamente desenvolvidos protegem da competição estrangeira setores de sua economia como a agricultura e outros de alta tecnologia.

Através de seus gigantescos orçamentos de defesa, todos, inclusive a Alemanha e o Japão, que não poderiam legalmente ter forças armadas, subsidiam as suas empresas e estimulam o desenvolvimento cientifico e tecnológico. Com os programas do tipo “Buy American” e outros semelhantes, privilegiam as empresas nacionais de seus países; através da legislação e de acordos cada vez mais restritivos de proteção à propriedade intelectual, dificultam e até impedem a difusão do conhecimento tecnológico. Através de agressivas políticas de “abertura de mercados” obtém acesso aos recursos naturais (petróleo, minérios etc) e aos mercados dos países periféricos, em troca de uma falsa reciprocidade, e conseguem garantir para suas megaempresas um tratamento privilegiado em relação às empresas locais, inclusive no campo jurídico, com os acordos de proteção e promoção de investimentos, pelos quais obtém a extraterritorialidade.

Como é sabido, protegem seus mercados de trabalho através de todo tipo de restrição à imigração, favorecendo, porém, a de pessoal altamente qualificado, atraindo cientistas e engenheiros, colhendo as melhores “flores” dos jardins periféricos.

A segunda concepção de desenvolvimento econômico e social afirma que, dada a realidade da economia mundial e de sua dinâmica, e a realidade das economias subdesenvolvidas, é essencial a ação do Estado para superar os três desafios que tem de enfrentar os países periféricos, ex-colônias, algumas mais outras menos recentes, mas todas vítimas da exploração colonial direta ou indireta. Esses desafios são: 1) a redução das disparidades sociais; 2) a eliminação das vulnerabilidades externas; e 3) o pleno desenvolvimento de seu potencial de recursos naturais, de sua mão de obra e de seu capital.

As extremas disparidades sociais, as graves vulnerabilidades externas, o potencial não desenvolvido caracterizam o Brasil, mas também todas as economias sul-americanas. A superação desses desafios não poderá ocorrer sem a ação do Estado, pela simples aplicação ingênua dos princípios do neoliberalismo, de liberdade absoluta para as empresas as quais, aliás, levaram o mundo à maior crise econômica e social de sua História: a crise de 2007. E agora, estados europeus, pela política de austeridade (naturalmente, não para os bancos) que ressuscita o neoliberalismo, atacam vigorosamente a legislação social, propagam o desemprego e agravam as disparidades de renda e de riqueza. Mas isto é tema para outro artigo.

Assim, neste embate entre duas visões, concepções, de política econômica, a aplicação da primeira política, a do neoliberalismo, levou à ampliação da diferença de renda entre os países da América do Sul e os países altamente desenvolvidos nos últimos vinte anos até a crise de 2007. Por outro lado, é a aplicação de políticas econômicas semelhantes, que preveem explicitamente a ação do Estado, que permitiu à China crescer à taxa média de 10% ao ano desde 1979 e que farão que este país venha a ultrapassar os EUA até 2020. Ainda assim, há aqueles que, na periferia, não querem ver, por interesse ou ideologia, a verdadeira natureza da economia internacional e a necessidade da ação do Estado para promover o desenvolvimento. Nesta economia internacional real, e não mitológica, é preciso considerar a ação da maior potência.

A política econômica externa dos Estados Unidos, a partir do momento em que o país se tornou a principal potência industrial do mundo no final do século XIX e em especial a partir de 1945, com a vitória na Segunda Guerra Mundial, e confiante na enorme superioridade de suas empresas, tem tido como principal objetivo liberalizar o comércio internacional de bens e promover a livre circulação de capitais, de investimento ou financeiro, através de acordos multilaterais como o GATT (Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio), mais tarde OMC (Organização Mundial do Comércio), e o FMI (Fundo Monetário Internacional); de acordos regionais, como era a proposta da Alca (Acordo de Livre Comércio das Américas) e de acordos bilaterais, como são os tratados de livre comércio com a Colômbia, o Chile, o Peru, a América Central e com outros países como a Coréia do Sul.

E, agora, as negociações, altamente reservadas, da chamada TPP (Trans-Pacific Partnership), a Parceria Transpacífica, iniciativa norte-americana extremamente ambiciosa, que envolve a Austrália, Brunei, Chile, Malásia, Nova Zelândia, Peru, Singapura, Vietnã, e eventualmente Canadá, México e Japão. Nas palavras de Bernard Gordon, Professor Emérito de Ciência Política, da Universidade de New Hampshire, ela “adicionaria bilhões de dólares à economia norte-americana e consolidaria o compromisso político, financeiro e militar dos Estados Unidos no Pacifico por décadas”. O compromisso, a presença, a influência dos Estados Unidos no Pacifico isto é, na Ásia, no contexto de sua disputa com a China. A TPP merece um artigo à parte.
 

Reprodução/logo oficial da Alca

Através daqueles acordos bilaterais, procuram os EUA consagrar juridicamente a abertura de mercados e obter o compromisso dos países de não utilizar políticas de desenvolvimento industrial e de proteção do capital nacional. Não desejam os Estados Unidos ver o desenvolvimento de economias nacionais, com fortes empresas, capazes de competir com as megaempresas norte-americanas, por razões óbvias, entre elas a consequente redução das remessas de lucros das regiões periféricas para a economia norte-americana. Os lucros no exterior são cerca de 20% do total anual dos lucros das empresas norte-americanas!

Nas Américas, a política econômica dos Estados Unidos teve sempre como objetivo a formação de uma área continental integrada à economia norte-americana e liderada pelos Estados Unidos que, inclusive, contribuísse para o alinhamento político de cada estado da região com a política externa norte-americana em seus eventuais embates com outros centros de poder, como a União Européia, a Rússia e hoje a China.

Assim, já no século XIX, em 1889 , no mesmo ano em que Deodoro da Fonseca proclamou a República, na Conferência Internacional Americana, em Washington, os Estados Unidos propuseram a criação de uma união aduaneira continental. Esta proposta, que recebeu acolhida favorável do Brasil, no entusiasmo pan-americano da recém-nascida República, foi rejeitada pela Argentina e outros países.

Com a I Guerra Mundial, a Grande Depressão, a ascensão do nazismo e a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos procuraram estreitar seus laços econômicos com a América Latina, aproveitando, inclusive, a derrota alemã e o retraimento francês e inglês, influências históricas tradicionais.

Em 1948, na IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá, propuseram novamente a negociação de uma área de livre comércio nas Américas; mais tarde, em 1988, negociaram o acordo de livre comércio com o Canadá, que seria transformado em Nafta com a inclusão do México, em 1994; e propuseram a negociação de uma Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, em 1994.

A negociação da Alca fracassou em parte pela oposição do Brasil e da Argentina, a partir da eleição de Lula, em 2002 e de Kirchner, em 2003 e, em parte, devido à recusa norte-americana de negociar os temas de agricultura e de defesa comercial, o que permitiu enviar os temas de propriedade intelectual, compras governamentais e investimentos para a esfera da OMC, o que esvaziou as negociações.

O objetivo estratégico norte-americano, todavia, passou a ser executado, agora com redobrada ênfase, através da negociação de tratados bilaterais de livre comércio, que concluíram com o Chile, a Colômbia, o Peru, a América Central e República Dominicana, só não conseguindo o mesmo com o Equador e a Venezuela devido à eleição de Rafael Correa e de Hugo Chávez e à resistência do Mercosul às investidas feitas junto ao Uruguai.

Assim, a estratégia norte-americana tem tido como resultado, senão como objetivo expresso, impedir a integração da América do Sul e desintegrar o Mercosul através da negociação de acordos bilaterais, incorporando Estado por Estado na área econômica norte-americana, sem barreiras às exportações e capitais norte-americanos e com a consolidação legal de políticas econômicas internas, em cada país, nas áreas de propriedade intelectual, compras governamentais, defesa comercial, investimentos, em geral com dispositivos chamados de OMC–Plus, mais favoráveis aos Estados Unidos do que aqueles que conseguiram incluir na OMC, que, sob o manto de ilusória reciprocidade, beneficiam as megaempresas norte-americanas, em especial neste momento de crise e de início da competição sino-norte-americana na América Latina.

Na execução deste objetivo, de alinhar econômica, e por consequência politicamente, toda a América Latina sob a sua bandeira, contam com o auxílio dos grupos internos de interesse em cada país que, tendo apoiado a Alca no passado, agora apoiam a negociação de acordos bilaterais ou a aproximação com associações de países, tais como a Aliança do Pacífico, que reúne países sul-americanos e mais o México, que celebraram acordos de livre comércio com os EUA.

Hoje, o embate político, econômico e ideológico na América do Sul se trava entre os Estados Unidos da América, a maior potência econômica, política, militar, tecnológica, cultural e de mídia do mundo; a crescente presença chinesa, com suas investidas para garantir acesso a recursos naturais, ao suprimento de alimentos e de suas exportações de manufaturas e que, para isto, procuram seduzir os países da América do Sul e em especial do Mercosul com propostas de acordos de livre comércio; e as políticas dos países do Mercosul, Argentina, Brasil, Venezuela, Uruguai e Paraguai que ainda entretém aspirações de desenvolvimento soberano, pretendem atingir níveis de desenvolvimento social elevado e que sabem que, para alcançar estes objetivos, a ação do Estado, i.e. da coletividade organizada, é essencial e indispensável.

Samuel Pinheiro Guimarães é diplomata. Foisecretário-geral do Itamaraty e Alto Representante-Geral do Mercosul. Artigo publicado originalmente na Carta Maior.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Escolas não estão preparadas para questões sobre orientação sexual, gerando preconceito e bullyng


Natasha Pitts
Jornalista da Adital

Nos meses de junho e julho, o Movimento de Integração e Liberação Homossexual (Movilh) do Chile fez uma pesquisa com 250 estudantes secundaristas de dez colégios e liceus da região metropolitana. A pesquisa deu origem a um estudo com informações específicas sobre bullying, discriminação homofóbica e transfóbica nas aulas e abordagem da diversidade sexual nos colégios. Movilh crê que conhecer a realidade sobre estes temas é fundamental para implantar políticas públicas.
O objetivo da pesquisa foi saber se os estabelecimentos oferecem aulas sobre sexualidade com enfoque nas minorias sexuais, se existem regulamentos que discriminem estudantes em virtude de sua orientação sexual, conhecer os eventuais preconceitos e também os níveis de aceitação dos estudantes em torno dos direitos das minorias sexuais nos campos do matrimônio e das relações sociais.
Entre os resultados encontrados e registrados no documento "Educação sexual e discriminação”, o Movimento revela que apenas 22,8% das aulas sobre sexualidade abordam a realidade de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. Movilh aponta que é necessário implementar medidas para corrigir esta deficiência, pois "toda vez que se traduz ou potencializa os preconceitos ou ignorância entre os/as alunos/as, isto alimenta o bullying e a discriminação”.
60,1% dos/as estudantes também disseram que em sua instituição de ensino há práticas ou regulamentos que barram as relações sociais entre pessoas do mesmo sexo. Com relação a esta situação, o Movimento aponta que é imprescindível avançar em orientações para acabar com essa problemática, que afeta de forma negativa a compreensão que um setor da população tem de si com relação ao meio.
Os/as estudantes também informaram que apenas 49,6% dos/as professores/as oferecem "sempre ou às vezes” aulas sobre sexualidade, sendo que nestes momentos são escassas as referências a lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. Ainda com relação aos docentes, 21,2% dos estudantes escutaram "sempre ou às vezes” comentários discriminatórios por parte destes profissionais.
39% dos entrevistados também revelaram ter conhecimento de casos concretos de discriminação com relação à diversidade sexual. Já 33,2% afirmaram que "sempre (12%) ou às vezes (21,2%)” se pune aos responsáveis pelos atos discriminatórios.
Com relação aos conceitos pré-concebidos pelos/as alunos/as, a pesquisa revela que 38% disseram crer que lésbicas, gays, bissexuais ou transexuais estão mais predispostos a contrair doenças sexualmente transmissíveis. Apesar disso, um dado que segue na contramão do preconceito diz respeito à quantidade de entrevistados que se declarou a favor do matrimônio igualitário: 78%. Além disso, 83,6% falaram que entenderiam se um amigo/a fosse lésbica, gay, bissexual ou transexual.
"A pesar da ignorância dos estudantes em torno de alguns tópicos vinculados à diversidade sexual, existem maiores níveis de discriminação a lésbicas, gays, bissexuais ou transexuais, em práticas ou regulamentos das direções dos liceus ou de seus docentes que nos próprios companheiros”, arremata a organização.
A partir destes resultados, o Movimento concluiu que a educação sexual necessita ser oferecida aos estudantes com maior frequência e melhor qualidade, e também estar vinculada ao entendimento de direitos humanos, pois só assim será possível mostrar que as pessoas discriminadas merecem respeito e devem ser tratadas com igualdade social.

“Processo de paz entre Israel e Palestina não está indo bem”, diz comissário da ONU em Porto Alegre


Filippo Grandi se reuniu com o governador Tarso Genro na manhã desta quinta-feira (16) | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro

Samir Oliveira no SUL21

O comissário geral da Agência das Nações Unidas para Assistência aos Refugiados Palestinos no Oriente Próximo (UNRWA), Filippo Grandi, está em visita oficial a Porto Alegre nesta quinta-feira (16). Após reunião com o governador Tarso Genro (PT) às 9h30 no Palácio Piratini, ele conversou com jornalistas e disse que as negociações de paz entre Israel e a Palestina não estão num bom momento.
“Temo que o processo de paz entre Israel e a Palestina não está indo bem. Até que esse processo reinicie e o problema dos refugiados seja discutido, será difícil encontrar uma solução”, disse o comissário geral da UNRWA. Ele ressaltou que a agência para refugiados se limita a dar assistência humanitária e oportunidades aos palestinos que vivem em assentamentos. “A solução para os conflitos é política e não somos uma agência política. Não participamos diretamente das negociações, mas observamos com cuidado”, explicou.
Desde que assumiu o comando da UNRWA em 2010, essa é a primeira vez que Filippo Grandi vem ao Brasil. A agência depende de doações internacionais e vem enfrentando sérios problemas financeiros, com um déficit de 69,4 milhões de dólares até abril de 2012.
Na reunião desta quarta-feira (15) com o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, o comissário geral da ONU para refugiados palestinos solicitou que o governo brasileiro torne permanentes e fixas as doações para a UNRWA. “Vim agradecer ao governo brasileiro pelas contribuições financeiras, que têm aumentado nos últimos dois anos. Discuti com o governo a possibilidade de tornar essas doações estáveis e previsíveis, para que o Brasil possa trazer seus recursos e sua voz no debate sobre os refugiados palestinos”, comentou Filippo Grandi.
Atualmente, os maiores doadores para a agência são os Estados Unidos, que injetaram 239 milhões de dólares em 2011. Em maio deste ano, o governo brasileiro já havia se comprometido a aumentar suas dações em 700% para o ano que vem, passando a contribuir com 7,5 milhões de dólares. A UNRWA auxilia cerca de 5 milhões de refugiados palestinos com programas de saúde, educação e assistência social. A maioria vive em assentamentos na Faixa de Gaza, na Cisjordânia, na Jordânia, na Síria e no Líbano.
“O Brasil é um bom lugar para os refugiados”, diz Filippo Grandi
Chefe da UNRWA elogiou acolhimento brasileiro a refugiados | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro
Em conversa com jornalistas, o comissário geral da UNRWA disse que considera o Brasil um bom país para receber refugiados. “O Brasil é uma terra de imigrantes, é natural que seja um país aberto a pessoas que buscam refúgio e isso se aplica também aos palestinos. Estou confiante de que o Brasil é um bom lugar para os refugiados”, elogiou.
Durante o encontro com Filippo Grandi, o governador Tarso Genro se comprometeu a interceder junto à presidente Dilma Rousseff (PT) no apoio aos refugiados palestinos no Brasil. “Pode contar com o meu apoio pessoal e político, inclusive com uma declaração junto à presidente Dilma”, garantiu o governador. Tarso aproveitou a ocasião para anunciar que fará uma visita oficial a Israel no primeiro semestre de 2013 e que irá visitar, também, os líderes da Autoridade Nacional Palestina. “Fazemos questão de ir aos assentamentos para que não haja qualquer dúvida sobre a nossa posição e os nossos compromissos para a paz naquela região”, disse o petista.
Durante a reunião, o governador ainda assinou um decreto para a formação de um comitê que irá unificar a assistência dada pelo governo do Estado aos refugiados palestinos. De acordo com a embaixada da Autoridade Nacional Palestina em Brasília, cerca de 40 mil palestinos – a maioria, imigrante –vivem no Brasil. E dados do governo gaúcho apontam que o Rio Grande do Sul possui cerca de 250 refugiados colombianos e palestinos espalhados por 13 cidades.
Ainda durante a quinta-feira (16), Filippo Grandi se reúne com o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (PDT), no final da manhã e se encontra à tarde com líderes da Federação Árabe-Palestina do Brasil (FEPAL) e com organizadores do fórum Palestina Livre.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A mídia e a criminalização da política

http://www.cartoonmovement.com
Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Revista do Brasil:

Política para a mídia brasileira em geral é sinônimo de escândalo. Para grande parte da população resume-se a eleições.

Pessoas menos informadas costumam referir-se ao ano eleitoral como o "ano da política", fechando dessa forma o círculo da incultura cívica do país, do qual não escapa um ensino alheio ao tema.

Nação de base escravocrata, às camadas subalternas brasileiras sempre foi negado o direito de efetiva participação no jogo político.

Como concessão permite-se o exercício do voto, dentro de regras restritivas, feitas sob modelo para perpetuação das elites tradicionais no poder.

O descompasso entre presidentes da República eleitos a partir de programas de governo reformistas, com apelo popular, e composições parlamentares no Congresso conservadoras e patrimonialistas têm sido uma constante da política brasileira desde a metade do século passado.

O suicídio de Vargas e o golpe de Estado sacramentado pelo senador Auro de Moura Andrade em 1964 ao declarar vaga a presidência da República legalmente ocupada pelo presidente João Goulart são símbolos da ambiguidade política brasileira, na qual enquadra-se até a renúncia tresloucada de Jânio Quadros. Cabem aí também as chantagens exercidas por grupos parlamentares contra os governos Lula e Dilma, obrigando-os a dolorosas composições partidárias.

Diferentemente da eleição majoritária, onde os candidatos a chefe do executivo falam às grandes massas e são obrigados a mostrar seus projetos nacionais, deputados e senadores apóiam-se no voto paroquial, no compadrio, no tráfico de influência, herdeiros que são do velho coronelismo eleitoral.

E no Congresso, sem compromisso ideológico com o eleitor, defendem os interesses dos financiadores de suas campanhas, quase sempre poderosos grupos econômicos do campo e da cidade, ao lado das igrejas e até de entidades esportivas.

São candidaturas cujo sucesso só ocorre pela falta de um crivo crítico, proporcionado por debates constantes que apenas a mídia tem condições de oferecer em larga escala. No entanto, jornais, revistas, o rádio e a televisão não estão interessados em mudanças. Por pertencerem, no geral, aos herdeiros dos escravocratas (reais ou ideológicos), a existência de um eleitorado esclarecido e consciente apresenta-se como um perigo para os seus interesses.

Por isso, usam de todos os meios para manter a maioria da população distante da política, criminalizado-a sempre que possível.

As raízes da tensão histórica existente entre o executivo e o legislativo brasileiros não fazem parte da pauta da mídia nacional.

Como também não fazem parte as várias propostas existentes no Congresso voltadas para uma necessária e urgente reforma política.

Entre elas, por exemplo, a que acaba com o peso desigual dos votos de cidadãos de diferentes Estados, as que propõem a adoção do voto distrital misto, o financiamento público de campanha ou até o fim do Senado, cujo debate e votação são sempre bloqueados pelos grupos conservadores dominantes.

O dever social da mídia seria o de ampliar esse debate, levando-o à toda sociedade e tornando seus membros participantes regulares da vida política nacional. Mas ela não presta esse serviço.

Prefere destacar apenas os desvios éticos de parlamentares e os "bate-bocas" nas CPIs. São temas que caem como uma luva nas linhas editoriais dos grandes veículos, movidas por escândalos e tragédias espetaculares, sempre tratadas como "fait-divers", sem causas ou consequências, apenas como show.

O resultado é a criação de um imaginário popular que nivela por baixo toda a atuação política institucionalizada. Seus atores são desacreditados, mesmo aqueles com compromissos sérios, voltados para interesses sociais efetivos.

A definição de uso corrente de que "são todos iguais" reflete essa imagem parcial e deformada da política, criada pela mídia.

No caso específico da televisão, por onde se informa a maioria absoluta da população, a situação é ainda mais grave.

O Brasil é a única grande democracia do mundo onde não existem debates políticos regulares nas redes nacionais abertas.

Só aparecem, por força de lei, às vésperas dos pleitos, reforçando ainda mais a ideia popular de que política resume-se a eleições.

Ao exercerem no cotidiano a criminalização da política, os meios de comunicação, em sua maioria, brincam com o fogo, traçando o caminho mais curto em direção ao golpismo.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A medíocre elite social brasileira


Ignorante e presunçosa, ela lê pouco, ostenta, cultiva o consumismo e tem profundo preconceito em relação às maiorias 

 Henrique Abel, no Observatório da Imprensa

Um dos preconceitos mais firmemente bem estabelecidos no Brasil é aquele que afirma que a culpa de todos os problemas do país decorre da “ignorância do povo”. A elite social da população brasileira, formada pelas classes A e B, em linhas gerais, está profundamente convencida de que o seu status de elite social lhe concede – como um bônus – também o título de “elite intelectual” do país.
Dentro desse raciocínio, a elite brasileira “chegou lá” não apenas economicamente, mas também no que diz respeito às esferas intelectuais e morais – talvez até espirituais. O país só não vai pra frente, portanto, por causa dessa massa de ignóbeis das classes inferiores. Embora essa ideia preconcebida seja confortável para o ego dos que a sustentam, os fatos insistem em negar a tese do “povo ignorante versus elite inteligente”.
O motivo é simples de entender: em nenhum lugar do mundo, a figura genericamente considerada do “povo” se destaca como iluminada ou genial. Por definição, uma autêntica elite intelectual de um país se destaca, precisamente, por seu contraste com a mediocridade (aí entendida como “relativa ao que é mediano”). Ou seja, não é “o povo” que tem obrigações intelectuais para com a elite social, e sim, justamente o contrário: é preferencialmente entre a elite social e econômica que se espera que surja, como consequência das melhores condições de vida desfrutadas, uma elite intelectual digna do nome.
Analfabetos funcionais
Uma elite social que, intelectualmente, faça jus ao espaço que ocupa na sociedade, não apenas cumpre com o seu papel social de dar algum retorno ao meio que lhe deu as condições para uma vida melhor como, ainda, cumpre o seu papel de servir como exemplo – um exemplo do tipo “estude você também”, e não um exemplo do tipo “lute para poder comprar um automóvel tão caro quanto o meu”.
Tendo isso em mente, torna-se fácil perceber que o problema do Brasil não é que o nosso povo seja “mais ignorante”, pela média, do que a população dos Estados Unidos ou das maiores economias europeias. O problema, isso sim, é que o nosso país ostenta aquela que é talvez a elite social mais ignorante, presunçosa e intelectualmente preguiçosa do mundo, que repele qualquer espécie de intelectualidade autêntica precisamente porque acredita que seu status social lhe confere, automaticamente, o decorrente status de membro da elite intelectual pátria, como se isso fosse uma espécie de título aristocrático.
Nenhum país do mundo tem um povo cujo cidadão médio é extremamente culto e devorador de livros. O problema se dá quando um país tem uma elite social que é extremamente inculta e lê/escreve num nível digno de analfabetismo funcional. Pesquisas recentemente divulgadas dão por conta que apenas 25% dos brasileiros são plenamente alfabetizados, e que o número de analfabetos funcionais entre estudantes universitários é de 38%. A elite social brasileira possivelmente acredita que a totalidade desses 75% de deficientes intelectuais encontra-se abrangida pelas classes C, D e E.
Sem diferença
Será mesmo? Outra pesquisa recentemente divulgada noticiava que o brasileiro lê uma média de cerca de quatro livros por ano. Enquanto os integrantes da Classe C afirmavam ter lido 1,79 livro no último ano, os integrantes da Classe A disseram ter lido 3,6. O número é maior, como naturalmente seria de se esperar, mas a diferença é muita pequena dado o abismo de condições econômicas entre uma classe e outra. Qual é o dado grave que se constata aí? Será que o problema real da formação intelectual do nosso país está no fato de que o cidadão médio lê apenas dois livros por ano? Ou está no fato de que a autodenominada elite intelectual do país lê apenas quatro livros por ano? Vou encerrar o argumento ficando apenas no dado quantitativo, sem adentrar a provocação qualitativa de questionar se, entre esses quatro livros anuais, consta alguma coisa que não sejam os últimos e rasos best-sellers de vitrine, a literatura infanto-juvenil e os livros de dieta e autoajuda.
O que importa é ter a consciência de que o descalabro intelectual brasileiro não reside no fato de que o típico cidadão médio demonstra desinteresse pela vida intelectual e gosta mais de assistir televisão do que de ler livros. Ora, este é o retrato do cidadão médio de qualquer país do mundo, inclusive das economias mais desenvolvidas.
O que é digno de causar espanto é, por exemplo, ver Merval Pereira sendo eleito um imortal da Academia Brasileira de Letras em virtude do “incrível” mérito literário de ter reunido, na forma de livro, uma série de artigos jornalísticos de opinião, escritos por ele ao longo dos anos. Ou seja: dependendo dos círculos sociais que você frequenta, hoje é possível ingressar na Academia Brasileira de Letras meramente escrevendo colunas de opinião em jornais. Podemos sobreviver ao cidadão médio que lê dois livros por ano, mas não estou convencido de que podemos sobreviver a uma suposta elite intelectual que não vê diferença literária entre Moacyr Scliar e Merval Pereira.
“Vão ter que me engolir”
Apenas para referir mais um exemplo (entre tantos) das invejáveis capacidades intelectuais da elite social brasileira: na semana passada, o jornal Folha de S.Paulo noticiou que uma celebridade global havia perdido a compostura no Twitter após sofrer algumas críticas em virtude de um comentário que havia feito na rede social. A vedete, longe de ser uma estrelinha de quinta categoria, é casada com um dos diretores da toda-poderosa Rede Globo.
Bem, imagina-se que uma pessoa tão gloriosamente assentada no topo da cadeia alimentar brasileira certamente daria um excelente exemplo de boa formação intelectual ao se manifestar em público por escrito, não é mesmo? Pois bem, vamos dar uma lida nas sua singelas postagens, conforme referidas na reportagem mencionada:
“Almas penadas, consumidas pela a inveja, o ódio e a maledicência, que se escondem atrás de pseudônimos para destilarem seus venenos. Morram!”
“Só mais uma coisinha! Vão ter que me engolir, também f…-se, vocês são minurias [sic] e minuria [sic] não conta.”
Em quem se espelhar?
Não vou nem entrar no mérito da completa falta de educação dessa pessoa, que parece menos uma rica atriz global do que um valentão de boteco. Vou me ater apenas a dois detalhes. Primeiro: a intelectual do horário nobre da Globo escreve “minoria” com “u”, atestando para além de qualquer dúvida razoável que se encontra fora do grupo dos 25% dos brasileiros plenamente alfabetizados (ela comete o erro duas vezes, descartando qualquer possibilidade de desculpa do tipo “foi erro de digitação”).
Segundo: ela acha que “minorias não contam”, demonstrando, portanto, que ignora completamente as noções mais elementares do que vem a ser um Estado democrático de Direito, ou mesmo o simples conceito de “democracia” na sua acepção contemporânea. Do ponto de vista da consciência de direitos políticos, sociais e de cidadania é, portanto, analfabeta dos pés à cabeça.
Com os ricos e famosos que temos no Brasil, em quem o mítico e achincalhado “homem-médio” poderia mesmo se espelhar?

terça-feira, 14 de agosto de 2012

O que esperar dos vereadores





por Silvio Caccia Bava
No dia 7 de outubro serão eleitos cerca de 70 mil vereadores em todo o Brasil, 18,8 mil a mais que na última eleição, em 2008. Isso se deve basicamente ao aumento da população e a uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que resolveu elevar para nove o número de vereadores nos municípios com até 15 mil habitantes.
São 437.924 candidatos a vereador registrados no TSE este ano, número 25% maior que em 2008. Se cada candidato conseguir mobilizar pelo menos cinco pessoas para ajudá-lo, teremos mais de 2 milhões de militantes ativos nesta campanha eleitoral para eleger vereadores. Isso sem contar a mobilização social para a eleição dos prefeitos.
Esse número maior de vereadores quer dizer que a democracia se ampliou em nosso país? Temos mais parlamentares com a atribuição legal de fiscalizar o Executivo e de propor leis que, em princípio, devem defender o interesse público, buscar a melhoria da qualidade de vida dos munícipes, propor políticas públicas para assegurar direitos a todos os cidadãos. Mas, mesmo com mais parlamentares, ainda é difícil responder a essa pergunta.
Importa também avaliar quanto esses vereadores têm se mostrado efetivos no exercício do que as leis prescrevem como atribuições de seu mandato: as medidas de fiscalização do Executivo que propõem; os projetos de lei que apresentam; como participam da discussão e aprovação do orçamento público municipal, dos planos plurianuais.
O perfil dos vereadores eleitos nas legislaturas anteriores mostra um predomínio masculino − cerca de 88% são homens − e um grau de escolaridade que retrata o mundo das desigualdades em nosso país. Dos vereadores eleitos em 2004, por exemplo, quase a metade (48%) só tem o ensino fundamental completo e 77% têm o ensino médio completo.
Esses vereadores precisam se haver com os regimentos internos das câmaras municipais, com as formalidades e procedimentos da atuação legislativa, com o desafio de promover a fiscalização do Executivo, que por sua vez não apresenta transparência em seus processos e decisões e normalmente resiste a qualquer tipo de fiscalização.
É muito comum que as ofensivas das prefeituras para assegurar a maioria nas câmaras municipais, elemento importante da governabilidade, encontrem esses vereadores dispostos a negociar seu apoio, seja em troca de benfeitorias nas regiões que concentram seu eleitorado, seja em benefício próprio. É o velho clientelismo, que combina com a perpetuação das elites no poder. Os partidos políticos contam pouco nessa esfera municipal e, na verdade, pouco se diferenciam uns dos outros. E assim se formam maiorias nas câmaras municipais, seduzidas pelos executivos, que relegam suas funções atribuídas pela Constituição e pelas leis orgânicas municipais e passam a integrar a base de apoio do governo. Um governo, na grande maioria dos casos, que governa para poucos. Os vereadores que se mantêm independentes e críticos ficam confinados a uma atuação de minorias, com pouca capacidade para mudar procedimentos e essa lógica de balcão, a face visível da defesa de interesses privados.
Há uma combinação perversa que articula a precária formação da maioria dos vereadores com a ausência de projetos partidários para atender ao interesse público na sua cidade. Para não ser injusto com algumas importantes iniciativas, vamos dizer que essa é a realidade da grande maioria das cidades. Elas continuam gerando desigualdade, pobreza e exclusão. E os governos ou não querem, ou não podem mudar essa lógica.
Essas minorias que resistiram e se mantêm comprometidas com a defesa do interesse público são o que há de melhor nas câmaras municipais. É com elas que as entidades e os movimentos da sociedade civil que integram um campo político popular e democrático precisam se articular, dar força a esses mandatos e utilizá-los como canal de expressão política das demandas sociais e das pressões pela participação popular na gestão pública.
As câmaras municipais são um espaço de disputa de poder. Elas aprovam o orçamento municipal, definem políticas. A mudança no zoneamento urbano cria incríveis oportunidades de negócios para o mercado imobiliário, por exemplo. Mas algumas câmaras também aprovaram as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), que definem favelas que, por projeto de lei, se tornam prioritárias para o investimento público.
Muitos dos problemas das cidades podem ser resolvidos se houver uma pressão efetiva por parte das entidades da sociedade civil que se organizam na defesa de direitos. É assim, tradicionalmente, que as políticas mudam: por pressão. Mas é preciso ter, dentro do parlamento, bancadas de parlamentares comprometidas com as demandas sociais e com os movimentos de pressão por mudanças. É aí que cresce a importância do vereador, que passa a ser um verdadeiro representante do interesse público e dos agentes de transformação social.

Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

“É estelionato”, diz Miguelina Vecchio sobre candidatas laranjas


Vice-presidente de Mulheres da Internacional Socialista diz que nova legislação sobre aborto legal não dá autonomia às mulheres | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte no SUL21

Mulher de personalidade, forte na fala e na defesa de suas ideias, Miguelina Vecchio luta pelas causas feministas há 30 anos no Brasil e na América Latina. Vice-presidente de Mulheres da Internacional Socialista, a socióloga vê uma necessidade de avanço na política brasileira para qualificar a participação dos quadros femininos.  “Eu fiz uma solicitação de audiência com a ministra Carmem Lúcia (TSE). Eu quero saber qual a punição que as laranjas vão ter ao final desta eleição, quando dois terços das candidatas serão laranjas. Isto é estelionato”, acentuou, durante entrevista de quase duas horas na sede do Sul21.
Dirigente do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e presidente da Ação Mulher Trabalhista (AMT), Miguelina está disposta a comprar briga com os dirigentes trabalhistas para punir as laranjas do seu partido. Esta não será a primeira vez em que ela fará algo de acordo com as próprias convicções, mesmo que eventualmente contra os interesses de alguns setores do PDT. “Eu não votei na Yeda Crusius (PSDB), que é contra a licença-maternidade. Eu votei no Olívio Dutra, que fez a Coordenadoria Estadual da Mulher”, admitiu.
Favorável ao aborto amplo, Miguelina diz que, mesmo com a aprovação do Novo Código Penal, a legislação sobre o aborto legal no Brasil não contempla a autonomia das mulheres. “O ideal seria poder decidir até a 14ª semana, sem criminalização para as mulheres, como ocorre na Espanha”, compara. Ela lamenta que no Brasil, as mulheres pobres e negras sejam as vítimas da criminalização por interrupção da gravidez. “Se as pessoas entendessem que nenhuma feminista quer o aborto como prática seria um ganho. O que queremos é não precisar fazê-lo”, diz. Durante a entrevista, ela acentuou a necessidade de investir em educação, como forma de promover mudanças sociais e combater problemas como a gravidez precoce e a violência contra mulheres.
“A violência aumenta com a impunidade. Se o Estado não enfrenta a questão da violência contra mulheres, as crianças vão aprendendo que é normal a mãe apanhar”
Sul21 – Em seis anos da Lei Maria da Penha, as denúncias de violências contra mulheres aumentaram no país. O que por um lado é positivo, por revelar que mais mulheres estão denunciando os agressores. Porém, o sistema de proteção ainda é falho. Muitas seguem morrendo mesmo com a existência de medidas protetivas. Como avançar mais para a efetividade da lei?
Miguelina Vecchio – Se compararmos com o período anterior à Lei Maria da Penha, em que éramos “protegidas” pela Lei 9.099, que na verdade não nos protegia, pelo menos já temos uma lei efetiva. Anteriormente, a legislação tipificava os crimes contra mulheres como de menor potencial ofensivo, ou seja, matar mulheres não era algo tão importante. Mas eu não sou ufanista em relação à Lei Maria da Penha como a maioria das feministas. Eu acredito que é uma norma que ajuda. O fato da não compulsoriedade também. Antes acontecia como no estado do Pará, que criou uma lei para notificação compulsória. Ao atender uma mulher agredida, o Hospital de Pronto Socorro informava a Delegacia. O delegado entregava a notificação para a vítima denunciar o agressor e ela tomava mais um pau por ter tentado denunciar o marido. Há uma série de fatores que precisam ser levados em conta para acabar com a violência contra mulheres. Fundamentalmente, tratar o agressor. O homem que agride uma mulher é doente. Infelizmente esta compreensão veio tardia. Faz apenas alguns anos que se começou a pensar as políticas de forma multidisciplinar para conseguir alcançar o todo e não tratar o tema como caso de polícia que se resolve com medida protetiva e cadeia. Este método criava um círculo que, às vezes, acabava com a única fonte de renda da casa, que é o pai preso, gerando novos problemas ou novas violências sem tratar o agressor.
Sul21 – O governo gaúcho vai estrear uma patrulha da polícia para acompanhar agressor e vítima. A senhora acredita ser uma medida eficiente?
Miguelina Vecchio – Ajuda. Eu fui presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher no Rio Grande do Sul, há quatro mandatos. Em uma visita ao conselho do Rio de Janeiro, eu me deparei com uma roda de homens na reunião. Perguntei o que faziam tantos homens no Conselho da Mulher e fui informada de que eram agressores em tratamento terapêutico. A agressividade não é para ser o natural de um ser humano. O problema é que tratá-la significa ter que mexer em causas profundas. Um fator que contribui para o aumento da violência é a impunidade. Se o Estado não enfrenta a questão, as crianças vão aprendendo que é normal a mãe apanhar. E na minha prática eu ouvi histórias de agressões por motivos mais inimagináveis, como não servir a comida na hora certa ou não esperar o marido com o chimarrão. O vínculo afetivo das mulheres com o agressor também é algo que não pode ser desconsiderado. Então, são várias coisas que precisam ser tratadas. Eu acho que a Patrulha Maria da Penha vai ajudar. Mas o estado tem que estar preparado para reagir de forma enfática. Eu comecei a elaborar um projeto, de âmbito federal, para identificar os agressores no mercado de trabalho. É uma forma de fazer com que as empresas não sejam coniventes com funcionários agressores e consigam propor tratamento para eles. Existem inúmeras formas de enfrentar a violência e tratar o problema — o que não pode é banalizar a violência.
"Costumo lembrar os alunos que acham legal jogar bola quando a professora não veio dar aula no sistema público que este dia fará falta quando ele perder vaga da universidade pública para o filho do burguês" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Em que aspecto? A banalização envolve vários atores.
Miguelina Vecchio – Sim. E com o passar do tempo, a violência está sendo encarada de forma muito banal em vários setores. Atualmente se fala no desejo de uma cultura de paz, mas compramos para nossos filhos armas de brinquedo cada vez mais realistas. Ou seja, estamos fazendo campanha para desarmar os adultos e estamos armando as crianças. Os jogos eletrônicos não poderiam ser mais violentos. O ganhador é quem matar mais pessoas. Não podemos achar que isto não afeta o subconsciente das crianças. Como ele crescerá achando que bater é algo ruim, se quanto mais ele for cruel nos games, mais ele é vencedor? Na escola, ele reproduz a violência na convivência com os outros colegas porque ele quer ser reconhecido como o poderoso. O poderoso é o que bate. Nas unidades de privação de liberdade de jovens é a mesma coisa. O mais drogado não é a referência, a referência é o que mais matou. Eles saem e um quer matar mais que o outro para quando voltar para a FASE (Fundação de Atendimento Socioeducativo) ou para um presídio ele ser reconhecido como melhor que os outros. Estes jovens estão em alta vulnerabilidade, o atendimento tem que ser humanizado. A lógica não é enfrentar a violência matando o bandido, é impedindo que ele nasça. Ou seja, o Estado tem que investir em educação.
Sul21 – Educação é apontada como solução para muitos problemas sociais. No caso da violência contra as mulheres, uma solução também passa por mais educação?
Miguelina Vecchio – Com certeza. Não defendo a educação apenas pela minha militância no PDT, que tem o berço de Leonel Brizola e sua bandeira da educação, mas por ter atuado em escola também. Se não resolver o problema na escola, dificilmente será depois que o cidadão já largou os estudos ou nem entrou na escola que o Estado conseguirá mudar alguma coisa. Eu digo sempre isso quando faço palestra nas escolas. Eu costumo lembrar os alunos que acham legal jogar bola quando a professora não veio dar aula no sistema público que este dia fará falta quando ele perder a vaga da universidade pública para o filho do burguês que não perdeu de ter um conteúdo e pegará uma vaga que deveria ser dele na universidade federal. Não há estímulo para os alunos quererem ser competitivos, no sentido da boa competição, de aproveitar oportunidades para ser o melhor que puderem na vida. Certa vez, eu estive palestrando em uma escola de periferia e havia um aluno com camiseta da Nike. Eu perguntei sobre a marca ele disse que conhecia. Mas quando eu disse que a Nike explora a mão de obra dos trabalhadores para confecção das roupas, ele desconhecia. Eu disse que ele usava porque não tinha orgulho de ser brasileiro e me disseram que eu estava chocando os alunos. Mas eles têm que se chocar mesmo. Há jovens que vestem uma manta da Palestina e desconhecem completamente o que estão usando. E a escola de hoje só reforça esses conceitos. Tudo que não é brasileiro é legal. O que tem de legal nisso? Ser oprimido pelos gringos? Eu sou presidente da Internacional Socialista de Mulheres para América Latina. Não tenho nenhum carimbo americano e tenho orgulho disso.
“Se com dez anos as crianças já têm noção de sexo, é aí que temos que entrar com este tema. Estamos apresentando métodos contraceptivos no Ensino Médio e elas estão engravidando no Ensino Fundamental”
Sul21 – Qual era a escola de Leonel Brizola?
Miguelina Vecchio – A escola que emancipa. O turno integral é o caminho para evitar a exploração do trabalho infantil. Se não for para escola em dois turnos, sabemos que em um deles ele vai para a sinaleira. Há críticas de que o contraturno não oferece políticas públicas elaboradas, mas mesmo que seja apenas para bater tambor na escola, já é melhor do que fumar crack. Tem coisas simples que podem ser feitas nas escolas que já conseguem resgatar a juventude. Hoje em dia com menos de 15 anos as meninas estão transando quando não estão na escola, porque não têm opções para complementar a formação. Não é que não possa fazer o que quiser com o corpo; é não fazer isso como regra por falta de educação e de ocupação. Se o Brizola tivesse sido presidente o Brasil não teríamos a realidade que há hoje, em que pese que Lula foi um grande presidente e fez muito pelo país.
Sul21 – Como mudar o currículo escolar para adequar a educação sexual à realidade de crianças e jovens iniciados e expostos ao sexo cada vez mais cedo?
Miguelina Vecchio – Eu fiz uma palestra em Palmeira das Missões e a professora que me convidou achou que eu seria linchada. Eu perguntei para os pais presentes de quem era a culpa das adolescentes grávidas e disse que não era da infeliz da professora, que recebe o mísero salário dela: é dos pais. Eles não querem que a professora apresente o pênis em uma aula de biologia ou de ciências, mas muitas vezes as filhas deles já viram um ao vivo atrás da igreja. E a culpa é da professora que não tem nem condições de pagar uma pós-graduação? As professoras estão deixando as salas de aula. Não é uma profissão valorizada e desejada como foi em épocas passadas. Nós estamos apresentando métodos contraceptivos no Ensino Médio e elas estão engravidando no Ensino Fundamental. Se com dez anos elas já têm noção, é nesta fase que vamos ter que entrar com este tema. Com a minha filha eu falei sobre isso quando ela tinha seis anos. Ela me perguntou com essa idade e é isso que eu digo para os pais: falem. E só respondam o que ela pergunta. Basta falar o que elas perguntam. Para minha filha eu contei tudo. No ano seguinte foi inclusive curioso porque na conversa com um coleguinha ela contestou que ele não tinha nascido da sementinha porque não tinha galhos e foi para o quadro e desenhou o espermatozóide que eu tinha desenhado para ela. A professora me chamou na escola dizendo que o coleguinha não queria mais sentar ao lado dela. Mas eu sugeri que chamasse o outro pai, que fica contando essas bobagens. Eu até exagerei, mas o melhor é não mentir para a criança. Quando eles descobrirem (que não era verdade), vão hesitar em perguntar para os pais outra vez.
"Os pais não querem que a professora apresente o pênis em uma aula de biologia ou de ciências, mas muitas vezes as filhas deles já viram um ao vivo atrás da igreja" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – O quanto ainda existe de pudor e conservadorismo diante destes assuntos?
Miguelina Vecchio - Diminuiu muito. Avançamos bastante. Mas, o que a escola apresenta hoje para romper o preconceito? Na verdade, nada. A escola burguesa ensina a dominar e a escola proletária a aceitar a dominação. As pessoas têm que ter as mesmas oportunidades. Não podem estar condenadas porque nasceram em determinada condição social ou com determinada raça. Aliás, falar em etnia no Brasil, se tivéssemos um pingo de vergonha na cara, diríamos que todos nós somos negros. O problema é que nossa sociedade nega sua negritude e quer ser branca a qualquer custo. Nem que seja taxado de nazista, mas tem que ser branco. Outra coisa é afirmar que existe uma raça ‘parda’. Não existe isso. Nós todos somos descendentes da miscigenação.
Sul21 – As próprias mulheres se submetendo a determinados papéis não acabam contribuindo para a reprodução do machismo?
Miguelina Vecchio – As mulheres têm sua parcela, mas também foram educadas na cultura machista. Elas foram criadas na cultura que dança na boquinha da garrafa e a mãe e o pai batem palma. Sem falar na reprodução de valores que se transmitem nestes programas de relações superficiais. Uma fica com o namorado da outra como se fosse algo legal. Sabemos que a televisão é extremamente erotizada, as músicas de alguns grupos, enfim, muito do que os jovens consomem. Eu costumo citar a letra do Raimundos (na musica “Selim”), que fala em ser um banquinho de bicicleta para estar próximo à vagina como referência. Para estar próximo tem que ser muito mais do que um banquinho de bicicleta, é minha mensagem. Nós aprendemos a setorizar o corpo do outro. Se tiver alguma coisa que achamos atraente está bom. Não, tem que ter intelecto, investir em outras relações. Ainda temos uma cultura dentro da escola que a mulher “avançada” é aquela que engravida enquanto as outras ainda não transam. Tem que transar com segurança. Isso é que tem que ser ensinado. E escola não enfrenta estas coisas.
“Eu não voto em mulher por ser mulher. Sou contra essa lógica. Votei na Dilma pelo que ela representa com uma caneta na mão, não porque ela usa saia”
Sul21 – A senhora acredita que o aumento no número de mulheres nos partidos e na política, garantiu uma participação qualificada?
Miguelina Vecchio – Eu não voto em mulher por ser mulher. Sou contra essa lógica, que acaba colando muito em época eleitoral. Eu não votei na Yeda Crusius (PSDB), que é contra a licença-maternidade. E votei na Dilma Rousseff pelo que ela representa com uma caneta na mão. Por tudo que ela passou e a trajetória que ela construiu. Não votei nela porque ela usa saia.
Sul21 – E por ela ter sido do teu partido, o PDT.
Miguelina Vecchio – Não posso dizer que isso não teve nada a ver. Mas ela ter sido do PDT contribuiu para que eu a conhecesse. Meu voto é fruto de uma convivência. Eu trabalhei 15 anos com o marido dela (Carlos Araújo). Frequentava a casa deles. Isso me fez conhecê-la bem. Ela tem um temperamento terrível, mas é extremamente solidária. Eu sei que ela jamais trairia a causa das mulheres e dos trabalhadores. Eu dei meu voto consciente. O meu partido mandou eu votar na Yeda e eu votei no Olívio Dutra (PT). Claro que eu não fui para a televisão fazer campanha contrária. Mesmo porque sou dirigente nacional do PDT, na época era secretária geral do partido no Rio Grande do Sul. Mas fui lá, quietinha, votei no 13 e fui para minha casa. O meu voto é meu. Partido tira suas orientações, mas eu tinha as minhas razões. O Olívio fez a Coordenadoria Estadual da Mulher, reativado ainda na gestão do Alceu Collares (PDT). O meu voto foi de gênero. Mas não adianta votar em mulher para ampliar o número de mulheres no Congresso Nacional, se não fazem nenhuma política pública de gênero.
"Vão constituir um laranjal", diz Miguelina Vecchio sobre cota de candidatas mulheres nas eleições de 2012 | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – A senhora considera equilibrado o espaço de mulheres nos governos federal e gaúcho?
Miguelina Vecchio – No caso do governo Tarso, ele ofereceu três secretarias para o PDT e o meu partido preencheu todas com homens. Do PT tem mais de uma mulher. O PCdoB preencheu as duas vagas no primeiro escalão com mulheres. A discussão deve ser feita dentro dos partidos. Porque o PDT escolheu apenas homens. Neste caso, o governador está isento desta discussão. A Dilma Rousseff também tem que ser isenta desta discussão, porque honrou a indicação de gênero. O núcleo central do governo é comandado por mulheres e os partidos também apresentaram mulheres. O PT apresentou várias. O PDT acabou apresentando só um homem, porque era apenas um ministério. Já o PMDB tem sete pastas e não colocou nenhuma mulher. Mas é importante salientar que as mulheres não querem o lugar que é dos homens, nós queremos o lugar que também pode ser ocupado por mulheres. A maioria dos homens é que não sabe conviver com esta ideia. Nós somos maioria no Brasil, queremos o lugar que é nosso. A população é metade de um gênero e metade de outro.
Sul21 – Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nesta eleição a participação feminina no pleito para as câmaras municipais pode ser alcançada conforme exigência da lei. Mas sabemos que existem dificuldades no preenchimento destas vagas, devido a utilização de candidatas laranjas. A senhora é a favor das cotas para mulheres?
Miguelina Vecchio – Vão cumprir e constituir um laranjal dos mais profissionais. Falarei sobre esta questão apenas dentro do escopo do meu partido, não quero arranjar conflito, mesmo porque eu não ensino ninguém a fazer nada. Dentro do PDT nós temos uma posição retirada de um processo de ampla discussão com as mulheres, que é quem deve resolver este assunto, de que nós mesmas vamos denunciar a laranjas. Enquanto nós aceitarmos as laranjas, nós não vamos forçar os homens a qualificar os quadros femininos a concorrer. Nem mesmo dar visibilidade para que os quadros possam concorrer daqui quatro anos. Eles sempre vão se valer das laranjas. Eu fiz uma solicitação de audiência com a ministra Carmem Lúcia (TSE). Eu quero saber qual a punição que as laranjas vão ter. Se existe estelionatária, sabendo que não vão são candidatas e vão fazer cinco votos, tem que ser responsabilizada penalmente por isso. O partido tem que qualificar os quadros femininos. Eles que dividam as estruturas do partido em meio a meio para habilitar as mulheres a concorrer. Queremos combater este tipo de prática (candidaturas laranjas) no meu partido. Sabemos que este enfrentamento será horrível na relação com os dirigentes homens, mas não tem problema. O pior é ver mulheres candidatas suando a camiseta porque acreditam que conseguirão alcançar um mandato, e do outro lado ver outras dizendo que estão ali porque o fulano de tal mandou, para não reduzir a cota dos homens. Pois que diminuam. Não tem mulher, diminua o número de homens. Ou será que vamos ter que continuar enchendo lista para eles elegerem?
Sul21 – Então, o problema não é a lei, é como o ambiente majoritariamente masculino dos partidos a aplica?
Miguelina Vecchio – O problema é que tem mulher que se presta a este papel. Não vou nem qualificar como “prostituta eleitoral” porque seria uma ofensa às profissionais do sexo. Então eu vou insistir na audiência com a ministra Carmem Lúcia, que eu imagino que esteja bastante ocupada agora, mas eu vou aguardar para que ela me diga o que o TSE vai fazer quando abrir as urnas e ver que dois terços das listas são compostos por um laranjal. Se ela irá sugerir que se faça uma fábrica de suco ou fazer algo com isso. Não é possível não fazer nada. Isto é estelionato. É por estas e outras que eu sou a favor do voto em lista. Tem que se votar no partido. O partido que trabalhe para diversificar a lista de candidatos.
“Se as pessoas entendessem que nenhuma feminista quer o aborto como prática já seria um ganho. O que queremos é não precisar fazê-lo”
Sul21 – No Novo Código Penal será possível a interrupção da gravidez até a 12ª semana mediante incapacidade emocional ou psicológica. Para as feministas, ainda não é o ideal porque não traz a autonomia da mulher como princípio e ainda dependerá da autorização de terceiros. Qual a sua opinião?
Miguelina Vecchio – No Congresso Nacional fizeram uma CPI do Aborto. Agora, há notícia de algum caso de mulher famosa ou com sobrenome importante que praticou aborto em um hospital e depois viajou para Paris? Não. Ninguém sabe se essas pessoas fazem aborto. Eu quero saber como fica a situação das mulheres brasileiras que não têm condições de pagar clínicas ou hospitais e se introjetam agulhas de tricô ou fazem outros métodos para interromper a gravidez. Com essa CPI só vão prender pobres e negras. O país tem que parar com a hipocrisia. Eu fui excomungada na República Dominicana quando defendi o artigo 30 da Constituição dominicana. A organização de mulheres dominicanas convidou três mulheres no mundo para fazer a defesa, eu fui uma. A igreja dominicana é dez vezes mais reacionária que a nossa, se é que isso é possível, mas eu disse: ‘Os padres que cuidem dos seus pedófilos e deixem que o nosso útero a gente cuida’.
"Eu quero saber como fica a situação das mulheres brasileiras que não têm condições de pagar clínicas ou hospitais e se introjetam agulhas de tricô" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21- Em termos de América Latina, como está avançando o tema do aborto?
Miguelina Vecchio – Há um processo latino-americano de recuo no tema do aborto. O Tabaré Vasquez, que foi eleito pela Frente Ampla, que era do campo da esquerda e meu colega na Internacional Socialista, vetou a proposta aprovada no Congresso. A pior parte, que é passar pelo Congresso, foi vencida — e ele vetou. Já o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, revoga o aborto terapêutico. Pela primeira vez no Brasil, aqui em Porto Alegre, mostrei um estudo sobre a redução da mortalidade materna no mundo nos países onde o aborto é descriminalizado ou legalizado. Reduz a quase zero. E no final ainda exibi um filme em que os homens se emocionaram. Eu quis mudar como é dura a realidade que eles (homens) decidem sobre os nossos corpos. Se o aborto fosse no corpo do homem este assunto estava resolvido há anos. Na verdade, se as pessoas entendessem que nenhuma feminista quer o aborto como prática já seria um ganho. O que queremos é não precisar fazê-lo. É uma agressão para quem faz. O problema é quando já se fez. O que fazer? Deixar morrendo no fundo do quintal?
Sul21 – A senhora é a favor de descriminalização ou legalização do aborto?
Miguelina Vecchio – Eu sou a favor do aborto amplo. Até a 14ª semana a mulher pode ter o direito de optar em manter ou não a gravidez. Eu sou uma pessoa que defende isso em qualquer palanque. Quando eu fui candidata a deputada federal eu defendi o aborto durante a campanha. Me orientaram que eu perderia votos. Eu disse: lamento. Não vou defender algo que não acredito ou prometer algo que não foi fazer depois, como muitos fazem. Nas eleições municipais este assunto não é pautado. Mas a minha orientação dentro do PDT é que as candidatas mulheres tenham no mínimo coerência de defender ao menos a descriminalização. Mas a minha opinião eu compartilho, que é ser a favor do aborto amplo.
Sul21 – Como mudar a influência da igreja no Estado para vivermos o estado laico de fato?
Miguelina Vecchio – É complicado. Há uma série de contradições. Eu sou totalmente contra esta imposição da igreja e com este argumento de religiosidade para encarar este tema. Eu não digo isso porque não acredito em Deus. Mas eu não concordo em sustentar a instituição igreja. Sou a favor da fé e da religiosidade, com tolerância e respeito. Agora, a interferência da igreja no estado é retrocesso.
De acordo com Miguelina, é preciso educar até mulheres para combater preconceitos e violência: "não são apenas homens que dizem que o estupro ocorreu porque a mulher estava de saia e andando sozinha à noite" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – O Código Penal de 1940, ainda em vigor, determina “categorias de mulheres” que podem sofrer crimes sexuais, o que foi adequado agora na reforma do Novo Código. Começamos a reparar alguns desequilíbrios do sistema judiciário para garantia dos direitos que contribuam para igualdade de gênero?
Miguelina Vecchio – Isso era absurdo. Ainda existe outro absurdo no Código Penal, que na reforma proposta pelos juristas vai mudar, que é não considerar sexo anal e oral como estupro. No texto antigo, penetração no ânus é atentado violento ao pudor. Mas o novo texto ainda passará por aprovação. Apesar de a pena ser a mesma, a densidade do fato social não é. Não podemos desconsiderar o trauma psicológico da vítima. Quando tira-se a palavra estupro, há uma diminuição do que foi feito. Foi estupro igual. Quando começou a surgir as delegacias de mulheres, as feministas imaginaram que estas compreensões começariam a ser assimiladas, mas não foi bem assim. Imaginávamos, quando lutávamos por mais delegacias, que o fato de termos delegadas mulheres resolveria os problemas. Mas não, é preciso capacitação até para as profissionais do nosso gênero para não que não reproduzam preconceito. Não são apenas os homens que dizem que o estupro ocorreu porque a mulher estava de saia e andando sozinha à noite. Mas a emancipação da mulher tem um binômio: educação e trabalho. Ninguém pode se dizer emancipada se pede dinheiro para o homem até para o absorvente. Então, a busca pelo ensino é fundamental para conquistar trabalho. E sem trabalho, é difícil de emancipar-se. A falta de oportunidade acaba contribuindo para a mulher se anular. A responsabilidade com os filhos e tudo mais. Não importa quantos anos as mulheres têm, elas devem buscar motivação para estudar e ter alguma formação. Pode levar 20 anos de curso, não tem problema. Pode ser uma técnica em serviços gerais. Não importa. As pessoas têm que compreender que a escola é o lugar ideal para se viver. É lá que desconstituímos preconceitos e que olhamos para os diferentes como iguais. Só que, para alcançarmos esta compreensão, precisamos trabalhar muito na mudança de cultura da sociedade brasileira. Uma sociedade que é velha e quer ser jovem, que é gorda e quer ser magra e é negra e quer ser branca.