O cenário repetiu-se pelo menos trinta vezes na
Europa e nos Estados Unidos desde 2008: os poderes públicos estiveram
sempre (e sistematicamente) ao serviço dos bancos privados, financiando o
seu resgate através do endividamento público. Primeira parte do artigo
"Bancos contra povos: os bastidores de um jogo manipulado!", de Eric
Toussaint.
Foto URBAN ARTefakte/Flickr
Desde 2007-2008, os grandes bancos centrais (BCE, Banco da Inglaterra, a
Fed nos EUA, o Banco da Suíça) têm como prioridade absoluta tentar
evitar o colapso do sistema bancário privado. Contrariamente ao discurso
dominante, a principal ameaça para os bancos não é a suspensão do
pagamento da dívida soberana pelo Estado |1| soberano. Desde 2007,
nenhuma das falências bancárias foi causada por essa falta de pagamento.
Nenhum dos resgates bancários levados a cabo pelos Estados teve como
causa a suspensão de pagamentos por parte de Estados sobreendividados.
Desde 2007 o que ameaça os bancos são as dívidas privadas que os bancos
foram gradualmente fomentando devido à grande desregulação iniciada em
finais dos anos setenta e concluída nos anos noventa. Os balanços dos
bancos privados estão sempre contaminados por ativos |2| duvidosos:
desde ativos tóxicos que são bombas ao retardador até ativos ilíquidos
(que não podem ser vendidos, nem passados, nos mercados financeiros),
passando por ativos cujo valor é bastante superestimado nos balanços
bancários. A venda e a depreciação de ativos que os bancos têm inserido
nas suas contas, com o objectivo de reduzirem o peso desses ativos
explosivos, não são suficientes. Uma parte significativa desses ativos
depende de um financiamento a curto prazo (concedido ou garantido pelos
poderes públicos, com base no dinheiro dos contribuintes) para se manter
à tona |3| e para fazer face às dívidas de curto prazo. Foi o que
aconteceu com o banco franco-belga Dexia, um verdadeiro hedge fund
de grande dimensão, que, em quatro anos, esteve três vezes à beira da
falência: em outubro de 2008, em outubro de 2011 |4| e em outubro de
2012 |5|. Durante o episódio mais recente, que teve início em novembro
de 2012, os estados francês e belga concederam uma ajuda de 5,5 mil
milhões (53% do valor foi garantido pela Bélgica) para recapitalizar o
Dexia SA, sociedade financeira moribunda, que viu desaparecer os seus
próprios fundos. De acordo com Le Soir: «os capitais próprios
do Dexia-casa-mãe passaram de 19,2 mil milhões para 2,7 mil milhões de
euros entre o final de 2010 e o final de 2011. E a nível de grupo, o
total dos fundos próprios foi negativo (-2,3 mil milhões em 30 de junho
de 2012)» |6|. No final de 2011, as dívidas a exigir de imediato ao
Dexia SA ascendiam a 413 mil milhões de euros e os montantes devidos em
termos de contratos de derivados eram superiores a 461 mil milhões de
euros. A soma desses dois valores era superior a mais de duas vezes e
meia o PIB da Bélgica! No entanto, os dirigentes do Dexia, o belga
vice-primeiro-ministro Didier Reynders e os principais meios de
comunicação social ainda alegam que o problema do Dexia SA é em grande
parte causado pela crise da dívida soberana no sul da zona do euro. A
verdade é que os créditos do Dexia SA em relação à Grécia não excediam 2
mil milhões de euros em Outubro de 2011, ou seja, duzentas vezes menos
do que a dívida a pagar de imediato. Em outubro de 2012, as ações do
Dexia valiam cerca de 0,18 euros ou 100 vezes menos do que em setembro
de 2008. Apesar de tudo, os estados francês e belga decidiram, mais uma
vez, salvar esse « mau banco», aumentando de repente a dívida pública
dos seus países. Em Espanha, a quase falência do Bankia foi também
causada por acordos financeiros duvidosos e não por qualquer tipo de
incumprimento por parte do Estado. O cenário repetiu-se pelo menos
trinta vezes na Europa e nos Estados Unidos desde 2008: os poderes
públicos estiveram sempre (e sistematicamente) ao serviço dos bancos
privados, financiando o seu resgate através do endividamento público.
De volta ao início da crise em 2007
A construção gigantesca de dívidas privadas começou a ruir com a
explosão da bolha especulativa no mercado imobiliário dos Estados Unidos
(seguido pelo mercado imobiliário da Irlanda, do Reino Unido e de
Espanha,...). A bolha imobiliária explodiu nos Estados Unidos quando o
preço das habitações construídas em grandes quantidades começou a cair,
porque cada vez mais as casas não tinham compradores.
As explicações truncadas e enganadoras sobre a crise que eclodiu nos
Estados Unidos em 2007, que teve um enorme efeito de contágio
principalmente na Europa Ocidental, prevaleceram nas explicações dadas
pelos principais meios de comunicação social. Com regularidade, em 2007 e
durante boa parte de 2008, explicou-se à opinião pública que a crise
tinha começado nos Estados Unidos, porque os pobres estavam muito
endividados por terem comprado casas que não eram capazes de pagar. O
comportamento irracional dos pobres foi apontado como tendo sido o
causador da crise. A partir de finais de setembro de 2008, após a
falência do Lehman Brothers, o discurso dominante mudou e começou-se a
apontar o dedo às ovelhas negras que no mundo das finanças tinham
pervertido o funcionamento virtuoso do capitalismo. Mas mantêm-se as
mentiras ou as explicações truncadas, que continuaram a circular.
Passou-se dos pobres responsáveis pela crise para as maçãs podres da
classe capitalista: Bernard Madoff, que montou um golpe 50 mil milhões
de dólares, ou Richard Fuld, o patrão do Lehman Brothers.
As premissas da crise remontam a 2006, quando se inicia nos Estados
Unidos a queda dos preços do imobiliário, causada pela superprodução que
foi provocada pela bolha especulativa, que, inflacionando os preços do
imobiliário, levou o sector da construção a aumentar exageradamente a
sua actividade em relação à procura existente. Foi a queda dos preços do
imobiliário que levou a um aumento do número de famílias incapazes de
pagarem as mensalidades das suas hipotecas subprimes. De facto, nos
Estados Unidos, as famílias têm a oportunidade e o costume, quando os
preços dos imóveis sobem, de refinanciar as suas hipotecas, após dois ou
três anos, a fim de obterem condições mais favoráveis (em particular no
sector subprime, a taxa inicial a dois ou três anos é baixa e fixa e
ronda os 3%, mas depois dispara e torna-se variável no terceiro ou
quarto ano). Dado que os preços do imobiliário começaram a cair em 2006,
as famílias que utilizaram empréstimos subprime deixaram de ser capazes
de refinanciar a sua hipoteca favoravelmente. Os incumprimentos
começaram a aumentar de forma acentuada a partir do início de 2007, o
que provocou a falência de 84 empresas de hipotecas nos Estados Unidos,
entre janeiro e agosto de 2007.
Apesar de a crise ser explicada com frequência de forma simplista pela
explosão de uma bolha especulativa, na realidade, a causa deve ser
procurada tanto no sector produtivo como ao nível da especulação
financeira. É certo que o facto de a bolha ter sido criada, e de acabar
por rebentar, apenas multiplica os efeitos da crise que começou no
sector produtivo. Todos os empréstimos subprime e produtos estruturados,
criados desde meados dos anos noventa, entraram em colapso, o que teve
efeitos terríveis sobre a produção em vários sectores da economia real.
As políticas de austeridade ampliaram ainda mais o fenómeno que gera
depois o período depressivo e de recessão, que se arrasta e mantém como
refém a economia dos países industrializados.
A crise do imobiliário nos Estados Unidos e a crise bancária que se
lhe seguiu provocaram um enorme efeito de contágio a nível
internacional, levando muitos bancos europeus a investirem de forma
massiva em produtos estruturados e derivados norte-americanos. Desde os
anos noventa, o crescimento dos Estados Unidos e de várias economias
europeias foi apoiado por uma hipertrofia do sector financeiro privado e
um aumento muito grande das dívidas privadas: endividamento das
famílias |7|, dívida das empresas financeiras e não-financeiras. Ao
contrário, as dívidas públicas tenderam a diminuir entre a segunda
metade dos anos noventa e os anos de 2007-2008.
Hipertrofia do sector financeiro privado, portanto. O volume de ativos
dos bancos privados europeus, em relação ao produto interno bruto,
cresceu de maneira exponencial a partir da década de noventa, atingindo,
na União Europeia, três vezes e meia o PIB dos 27 países membros da UE
em 2011 |8|. Na Irlanda, em 2011, os ativos dos bancos representavam
oito vezes o produto interno bruto do país.
As dívidas dos bancos privados |9| da zona euro representam também
três vezes e meia o PIB da zona. As dívidas do sector financeiro
britânico atingem máximos em relação ao PIB: chegam a ser onze vezes
superiores, representando a dívida pública cerca de 80% do PIB.
A dívida bruta dos Estados da zona do euro representava 86% do PIB dos
17 países em 2011 |10|. A dívida pública grega representava 162% do PIB
grego em 2011. Por seu turno, as dívidas do sector financeiro
representam 311% do PIB, ou seja, o dobro. A dívida pública espanhola
atingiu 62% do PIB em 2011. No entanto, as dívidas do sector financeiro
atingiram 203%, ou seja, o triplo da dívida pública.
Um pouco de história: a criação de uma regulação financeira rigorosa, na sequência da crise de 1930
O colapso de Wall Street em outubro de 1929, a enorme crise bancária
de 1933 e o prolongado período de crise económica nos Estados Unidos e
na Europa, na década de trinta, levaram o presidente Franklin Roosevelt,
e de seguida a Europa, a regular fortemente o sector financeiro para
evitarem a repetição de graves crises bolsistas e bancárias.
Consequência: durante os 30 anos que seguiram a Segunda Guerra Mundial, o
número de crises bancárias foi mínimo. É o que mostram dois economistas
neoliberais norte-americanos, Carmen M. Reinhart e Kenneth S. Rogoff,
num livro publicado em 2009, intitulado
Desta Vez É Diferente. Oito Séculos de Loucura Financeira.
Kenneth Rogoff foi economista-chefe do FMI e Reinhart Carmen, professor
universitário, é conselheiro do FMI e do Banco Mundial. De acordo com
esses dois economistas, que são tudo menos favoráveis a questionar o
capitalismo, a quantidade muito reduzida de crises bancárias explica-se
principalmente «pela repressão dos mercados financeiros nacionais (em
diferentes níveis), e por um recurso massivo ao controlo de capitais,
durante os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial» |11|.
Uma das medidas fortes tomadas por Roosevelt e pelos governos da
Europa (nomeadamente sob a pressão de mobilizações populares na Europa,
que surgiram após a libertação) consistiu em limitar e regular, de forma
estrita, o uso que os bancos podiam fazer do dinheiro das pessoas. Esse
princípio de protecção dos depósitos levou à distinção entre bancos
comerciais e bancos de investimento, criados pela lei norte-americana
Glass-Steagall Act, que foi a mais conhecida, tendo sido aplicada, com algumas variações, nos países europeus.
Devido a essa separação, só os bancos comerciais podiam receber
depósitos do público, que beneficiavam de uma garantia do Estado.
Paralelamente, o seu campo de atividade tinha ficado limitado à
concessão de empréstimos a particulares e a empresas e excluía a emissão
de títulos, de ações e de outros instrumentos financeiros. Os bancos de
investimento deviam, por sua vez, ir buscar os seus recursos aos
mercados financeiros, para poderem emitir títulos, ações e outros
instrumentos financeiros.
A desregulação financeira e a viragem neoliberal
A viragem neoliberal de finais da década de setenta pôs em causa essas
regulações. Após cerca de vinte anos, a desregulação bancária e
financeira ficou concluída. Como revelam Kenneth Rogoff e Reinhart
Carmen, as crises bancárias e bolsistas multiplicaram-se a partir dos
anos oitenta e atingiram níveis cada vez mais preocupantes.
Segundo o modelo tradicional, herdado do período em que existia
regulação, os bancos avaliam e assumem o risco, ou seja, analisam os
pedidos de crédito, decidem ou não satisfazê-los e, uma vez os
empréstimos concedidos, registam-nos nos seus balanços até ao final do
prazo do empréstimo (estamos a falar do modelo
originate and hold – «originar e manter»).
Aproveitando a tendência de profunda desregulação, os bancos
abandonaram o modelo «originar para manter» com o objectivo de
aumentarem o rendimento dos fundos próprios. Nesse sentido, os bancos
inventaram novos procedimentos, em especial, a titularização, que
significa transformar os créditos bancários em títulos financeiros. A
finalidade era simples: consistia em não registar nas contas dos bancos
os créditos e os respectivos riscos. Os bancos transformaram esses
créditos em títulos, os denominados produtos financeiros estruturados,
que vendiam a outros bancos e a outras instituições financeiras
privadas. Estamos falar de um novo modelo bancário designado
originate to distribute, «originar para distribuir», também chamado
originate repackage and sell,
que consiste em conceder o crédito, titularizá-lo e vendê-lo. Para o
banco, a vantagem é dupla: reduz o risco porque os créditos concedidos
baseiam-se em ativos e, por outro lado, dispõe de meios suplementares
para poder especular.
A desregulação permitiu ao sector financeiro privado, nomeadamente aos
bancos, acionar com frequência o chamado efeito de alavancagem. Xavier
Dupret descreve, com clareza, o fenómeno: «O mundo bancário envididou-se
muito, nos últimos anos, devido ao chamado efeito de alavancagem. A
alavancagem significa recorrer ao endividamento para aumentar a
rentabilidade sobre o capital próprio. E para funcionar, é necessário
que a taxa de rentabilidade do projeto selecionado seja superior às
taxas de juro a pagar sobre o montante que se pediu emprestado. Os
efeitos de alavancagem tornaram-se cada vez mais importantes ao longo do
tempo. É evidente que isso gerou problemas. Na primavera de 2008, os
bancos de investimento de Wall Street desencaderam efeitos de
alavancagem que oscilavam entre 25 e 45 (para um dólar de fundos
próprios, pediam emprestado entre 25 e 45 dólares). O Merrill Lynch, por
exemplo, tinha um efeito de alavancagem de 40. Essa situação tornou-se
obviamente explosiva, porque uma instituição que tem uma alavancagem de
40 para 1 vê os seus fundos próprios caírem 2,5% (1/40) do valor dos
ativos adquiridos.» |12|
Devido à desregulação, os bancos puderam desenvolver atividades que
envolviam grandes volumes de financiamento (e, portanto, de dívida), sem
registarem isso nos seus balanços. As operações fora do balanço
atingiram tal dimensão que, em 2011, o volume da atividade em causa
excedia os 67 biliões de dólares (o que equivale aproximadamente à soma
do PIB de todos os países do mundo): é o que se chama sistema de
bancos-sombra, o
shadow banking |13|. Quando as operações fora
do balanço provocam perdas avultadas, isso afeta, mais cedo ou mais
tarde, a saúde dos bancos que levaram a cabo essas operações. São,
sobretudo, os grandes bancos que dominam essa atividade sombra. A ameaça
de falência leva os Estados a irem em seu socorro, procedendo a
recapitalizações. Apesar de os balanços oficiais dos bancos registarem
uma diminuição de volume, desde o início da crise em 2007-2008, o volume
das operações fora de balanço, o
shadow banking, não seguiu a
mesma tendência. Depois de ter caído entre 2008 e 2010, voltou em 2011 e
2012 ao nível de 2006-2007, o que é um sintoma claro da perigosidade da
situação das finanças privadas mundiais. De repente, o raio de ação
nacional e internacional das instituições públicas, que têm a obrigação,
para usar o vocabulário deles, de levar a finança a assumir um
comportamento mais responsável, é muito limitado. Os reguladores não
disponibilizam os meios necessários para que se conheça a actividade
real dos bancos que eles têm o dever de controlar.
O Conselho de Estabilidade Financeira (CEF), o órgão instituído pelo
G20 e encarregue de supervisionar a estabilidade financeira mundial,
divulgou os números de 2011. «
A dimensão do shadow banking,
escapando a todo tipo de regulação, é de 67 biliões de dólares, de
acordo com o relatório que estuda 25 países (90% dos ativos financeiros
mundiais). São mais 5-6 biliões do que em 2010. Esse sector “paralelo”
equivale, por si só, a metade do volume dos ativos totais dos bancos.
Tomando por referência o Produto Interno Bruto dos países, a banca
sombra prospera em Hong Kong (520%), Holanda (490%), Reino Unido (370%),
Singapura (260%) e Suíça (210%). Mas, em termos absolutos, os Estados
Unidos continuam em primeiro lugar com um sector paralelo de 23 biliões
de ativos em 2011, seguido da zona euro (22 biliões) e do Reino Unido (9
biliões).» |14|
Uma grande parte das transações financeiras escapa totalmente ao
controlo oficial. Como foi referido anteriormente, a dimensão da
actividade dos bancos sombra representa metade do volume dos ativos
totais dos bancos! É preciso também avaliar o mercado fora de bolsa
(OTC*) – isto é, o mercado que não é controlado pelas autoridades
reguladoras dos mercados – os produtos financeiros derivados. O volume
de produtos derivados cresceu de forma exponencial entre os anos noventa
e os anos 2007-2008. Tendo diminuído ligeiramente no início da crise, o
valor nocional dos contratos de derivativos no mercado fora de bolsa
atingiu, em 2011, a soma astronómica de 650 biliões de dólares (650 000
000 000 000 $), cerca de 10 vezes o PIB mundial. O volume do segundo
semestre de 2007 foi ultrapassado e o do primeiro semestre de 2008 está
em vias... os swaps de taxas de juros representam 74% do total, os
derivados sobre os mercados de divisas representam 8%, os
Credit default swaps (CDS) 5%, os derivados sobre os mercados de ações de 1%, o resto reparte-se por múltiplos produtos.
Após 2008 os resgates bancários não geraram comportamentos mais responsáveis
A crise financeira de 2007 viu os bancos, ainda que culpados por má
conduta e por assumirem posições arriscadas e imprudentes, receberem
injeções maciças de fundos por intermédio de vários e caros planos de
resgate. Num estudo bem documentado |15|, dois investigadores tentaram
verificar «se as operações públicas de resgate foram seguidas de uma
maior redução do risco na concessão de novos empréstimos pelos bancos
resgatados, comparativamente aos bancos que não foram resgatados». Com
esse objectivo, os autores analisaram os balanços e os empréstimos
sindicalizados (trata-se de créditos concedidos a uma empresa por vários
bancos) relativos a 87 grandes bancos comerciais internacionais. Os
autores verificaram que «os bancos ajudados continuaram a conceder
empréstimos sindicalizados mantendo o risco», adiantando que «os
empréstimos sindicalizados dos bancos que receberam ajuda eram, depois
do resgate, mais arriscados do que antes da crise, comparando com as
instituições que não receberam ajuda». Em vez de serem um remédio e uma
proteção eficaz contra os caprichos dos bancos, os planos de resgate dos
Estados tornaram-se, pelo contrário, muitos deles, um forte incentivo à
continuação e intensificação das práticas pecaminosas. Na verdade, «a
perspectiva de um apoio por parte do Estado pode constituir um álibi
moral e pode levar os bancos a aumentarem o risco». |16|
Em suma, a grave crise das dívidas privadas, provocada pelo
comportamento irresponsável dos grandes bancos, levou os dirigentes
norte-americanos e europeus a irem em seu socorro, utilizando fundos
públicos. A sirene lancinante da crise das dívidas soberanas pôde,
então, ser acionada para impor sacrifícios brutais aos povos. A
desregulação financeira dos anos noventa foi terreno fértil para esta
crise com consequências sociais dramáticas. Enquanto não regularem a
finança internacional, os povos continuarão subjugados. A luta deve ser
intensificada o mais depressa possível.
Tradução Maria da Liberdade. Publicado na página do CADTM
O autor agradece a
Patrick Saurin,
Daniel Munevar,
Damien Millet e
Virginie de Romanet pela ajuda que deram na elaboração do artigo.
Notas
|
1| A dívida soberana é a dívida de um Estado e dos organismos públicos que lhe estão associados.
|
2|
Em geral o termo «ativo» significa um bem que possui um valor
realizável ou que pode gerar rendimentos. Por outro lado, entende-se por
«passivo» a parte do balanço que é composta pelos recursos que uma
empresa possui (capitais próprios gerados pelos associados, provisões
para riscos e encargos, dívidas).Ver:
http://www.banque-info.com/lexique-....
|
3|
Muitos bancos dependem de financiamento a curto prazo, porque têm
grande dificuldade em emprestar ao sector privado a custos sustentáveis
(ou seja, o mais baixo possível), em especial sob a forma de emissão de
títulos de dívida. Como veremos a seguir, a decisão do BCE de emprestar
um pouco mais de um bilião de euros a uma taxa de 1%, por um prazo de
três anos, a mais de 800 bancos europeus funcionou como tábua de
salvação para muitos deles. Na sequência, devido a esses empréstimos do
BCE, os bancos mais sólidos tiveram de novo a oportunidade de emitir
títulos de dívida para se financiarem. Isto não teria sido possível,
caso o BCE não tivesse assumido o papel de credor de último recurso
durante um período de três anos.
|
4| Sobre o episódio de outubro de 2011, ver Eric Toussaint, «
Krach de Dexia : un effet domino en route dans l’UE ?», 4 de outubro de 2011
|
5| Sobre o episódio de outubro de 2012, que levou a um novo resgate sob a forma de recapitalização, ver Eric Toussaint, «
Fallait-il à nouveau injecter de l’argent dans Dexia ?»,
Le Soir, 2 de novembro de 2012; ver também: CADTM, «
Pour
sortir du piège des recapitalisations à répétition, le CADTM demande
l’annulation des garanties de l’Etat belge aux créanciers du groupe
Dexia», 31 de outubro de 2012; CADTM, «
Pourquoi
le CADTM introduit avec ATTAC un recours en annulation de l’arrêté
royal octroyant une garantie de 54 milliards d’euros (avec en sus les
intérêts et accessoires) à Dexia SA et Dexia Crédit Local SA», 22 de dezembro de 2011
|
6| Pierre-HenriThomas, Bernard Demonty, Le Soir, edição de 31 de outubro de 2012, p. 19,
http://archives.lesoir.be/dexia-ser...
|
7|
As dívidas das famílias incluem as dívidas que os estudantes americanos
contraíram para pagar os seus estudos. As dívidas dos estudantes nos
Estados Unidos atingiram o montante colossal de um bilião de dólares,
isto é, mais do que o total das dívidas externas públicas da América
Latina (460 mil milhões de dólares), de África (263 mil milhões) e do
Sul da Ásia (205 mil milhões). Para ver o montante de dívida desses
«continentes»:
Les Chiffres de la dette 2012, tabela 7, p. 9.
Download
|
8| Ver: Damien Millet, Daniel Munevar, Eric Toussaint,
Les Chiffres de la dette 2012, tabela 30, p. 23. A tabela baseia-se em dados fornecidos pela Federação europeia do sector bancário,
http://www.ebf-fbe.eu/index.php?pag.... Ver também Martin Wolf, «Liikanen is at least a step forward for EU banks»,
Financial Times, edição de 5 de Outubro de 2012, p. 9.
|
9|
As dívidas dos bancos não devem ser confundidas com os seus ativos.
Elas fazem parte do seu «passivo». Ver mais a cima a nota de rodapé
sobre «ativo» e «passivo» dos bancos.
|
10| Ver Damien Millet, Daniel Munevar, Eric Toussaint,
Les Chiffres de la dette 2012, tabela 24, p. 18. Na tabela utiliza-se a base de dados de Morgan Stanley, assim como:
http://www.ecb.int/stats/money/aggr... e
http://www.bankofgreece.gr/Pages/en...
|
11| Carmen M. Reinhart, Kenneth S. Rogoff,
Cette fois, c’est différent. Huit siècles de folie financière, Pearson, Paris, 2010. A edição original foi publicada em 2009 pela Princeton University Press.
|
12| Xavier Dupret, «Et si nous laissions les banques faire faillite ?», 22 de agosto de 2012,
http://www.gresea.be/spip.php?artic...
|
13| Ver: Daniel Munevar, «
Les risques du système bancaire de l’ombre», 21 avril 2012, Ver também: Tracy Alloway, «Traditional lenders shiver as shadow banking grows»,
Financial Times, 28 de dezembro de 2011.
|
14|
Ver : Richard Hiault, « Le monde bancaire « parallèle » pèse 67.000
milliards de dollars », Les Echos, edição de 18 de novembre de 2012,
http://www.lesechos.fr/entreprises-... *Nota de tradução: OTC ou Over the Counter em inglês.
|
15| Michel Brei e Blaise Gadanecz, “Have bailouts made banks’loan book safer ?”,
Bis Quaterly Review, setembro de 2012, pp. 61-72. As citações deste parágrafo são tiradas deste artigo.
|
16| Ibid.
Eric Toussaint, professor na Universidade de Liège, é
presidente do CADTM Bélgica (Comité para a Anulação da Dívida do
Terceiro Mundo) e membro do conselho científico da ATTAC França.
Escreveu com Damien Millet, AAA. Audit Annulation Autre politique, Seuil, Paris, 2012.
Sobre o/a autor/a
Politólogo. Presidente do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo