quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Pós-neoliberalismo: da luta social à luta política

Emir Sader


Os movimentos sociais desempenharam o papel estratégico central nas lutas de resistência contra os programas e os governos neoliberais. Seja porque a grande maioria dos partidos aderiram a esses programas, seja porque o neoliberalismo é uma máquina cruel de expropriação de direitos sociais, afetando diretamente aos setores congregados ou representados pelos movimentos sociais.

Foram os movimentos sociais – do EZLN ao MST, dos movimentos indígenas equatorianos aos bolivianos e aos piqueteros – os maiores protagonistas das lutas populares durante mais de uma década. Foram os principais responsáveis pela perda de legitimidade e pela queda de tantos governos no continente – de Sanchez de Lozada a de La Rua, de Lucio Gutierrez a Fujimori , assim como pela derrota eleitoral de Menem, de FHC, entre outros.

O esgotamento do modelo neoliberal levou a uma fase distinta, em que se colocava para o movimento popular a questão da disputa hegemônica – a formulação de projetos anti-neoliberais, a constituição de um bloco de forças alternativo e a luta pela conquista do governo. A questão foi se colocando generalizadamente no continente, conforme os governos neoliberais se esgotavam: na Venezuela, no Brasil, na Argentina, no Uruguai, na Bolívia, no Equador, no México, no Peru, no Paraguai, na Nicarágua.

Iniciou-se um período de prolongada instabilidade no continente, frente a um modelo esgotado e das dificuldades de construção e triunfo de projetos alternativos. Profundas crises em algunas casos – como na Argentina, na Bolívia, no Equador, na Venezuela -, processos eleitorais com vitórias da oposição – como no Brasil, no Uruguai, na Nicarágua.

A partir desse momento os movimentos sociais passaram a enfrentar dificuldades maiores, porque sua característica está adaptada para a resistência, mas teriam, desse momento para frente, que construir alternativas políticas. Três caminhos distintos trilharam os movimentos sociais: o da renúncia a partir da disputa político-institucional, como foram os casos dos piqueteiros argentinos na eleição presidencial de 2003 e dos zapatistas em todas as eleições mexicanas desde sua aparição em 1994. Um segundo caminho foi o dos movimentos sociais no Brasil e no Uruguai, que não apresentaram alterantivas próprias, nem se abstiveram mas, com críticas, apoiaram os candidatos da esquerda – Lula e Tabaré Vazquez. O terceiro caminho foi o da Bolívia, em que os movimentos sociais construíram seu proprio partido político – o MAS. Um caso especial foi o Equador, em que os movimentos sociais – da mesma forma que na Bolívia – protagonizaram a derrubada de sucessivos governos, que pretendiam manter o modelo neoliberal. Delegaram politicamente a um candidato – Lucio Gutierrez – e foram traídos ainda antes de que este assumisse a presidência. Nas eleições recentes, Rafael Correa triunfou e canalizou a força social e política acumulada para um projeto pós-neoliberal.

No caso argentino, a incapacidade de construir uma alternativa política, levou à divisão do movimento piquetero e mantem a ausência de um campo político da esquerda. No caso mexicano, as grandes mobilizações populares – Chiapas, Oaxaca, contra a fraude eleitoral –não conseguiram projetar-se no campo político, levando quase que obrigatoriamente a um refluxo das mobilizações.

Nos casos brasileiro e uruguaio, os movimentos sociais se mantém numa perspectiva de apoio crítico aos governos, sem ter conseguido mudanças substanciais nas políticas desses governos, nem a construção, até aqui, de força política alternativa.

Na Bolívia, no Equador e também na Venezuela – cada um de forma distinta – se caminha para conseguir uma rearticulação entre as lutas sociais e as lutas políticas. Não por acaso é nesses países que se dá a ruptura com o modelo neoliberal, com os que souberam acumular força popular na luta de resistência ao neoliberalismo, mas puderam transformar essa energia em força política.

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