quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O Imperialismo e a Guerra contra o Irã

As pressões imperialistas sobre o Irã se agravam na mesma medida em que se agrava a crise da ocupação norte-americana do Iraque

As pressões imperialistas sobre o Irã se agravam na mesma medida em que se agrava a crise da ocupação norte-americana do Iraque


Osvaldo Coggiola - BrasilDeFato


O provável ataque militar, não só norte-americano, mas “ocidental” (Europa incluída), contra o Irã, sob pretexto de impedir o desenvolvimento de armas nucleares por este país, está posto na agenda política mundial. E não tem nada de improvisado. Quase metade dos 277 navios da frota de guerra dos Estados Unidos está fundeada próxima ao Irã. Em aeródromos espalhados pelo mundo, milhares de aviões também esperam. Os EUA lançaram também o maior conjunto de medidas punitivas impostas ao Irã desde 1979. [1]


Desde março de 2006, o Irã é apresentado como “o maior perigo mundial” pelos EUA. Em janeiro desse ano, Bush classificou o país de “grave ameaça à segurança do mundo”. Mas, nesse momento, uma ação unilateral contra o Irã teria transformado os EUA, aos olhos da opinião pública, no maior inimigo da comunidade muçulmana. Uma escalada progressiva foi sendo desenhada: em fevereiro de 2006, Bush conseguiu a aprovação do Congresso para a liberação de uma verba de US$ 75 milhões a ser usada em um programa do Departamento de Estado destinado a "promover a abertura e a liberdade" no Irã. Mas também determinou meios secretos de atacar o regime militarmente, sem a necessidade de um decreto presidencial formal, fazendo com que o Paquistão e Israel armassem e financiassem grupos guerrilheiros já existentes nas áreas balúchis e curdas, por meio de relações bem enraizadas entre os EUA, o serviço secreto paquistanês (ISI) e o serviço secreto israelense (Mossad).


Na verdade, já em 2004 evidenciou-se a preparação de uma guerra contra o Irã, com uma eventual utilização de ogivas nucleares, preparada conjuntamente entre os EUA, Israel, Turquia, e o quartel general da OTAN em Bruxelas. Forças da coligação EUA-Israel-Turquia, num estado de preparação avançada, realizaram desde o começo de 2005 diversos exercícios militares, enquanto as forças armadas do Irã, na previsão de um ataque, realizavam manobras no Golfo Pérsico. Era como se a chamada “comunidade internacional” aceitasse a eventualidade de um holocausto nuclear “localizado”. O exército israelense começaria os ataques. Fontes militares norte-americanas confirmaram que o ataque ao Irã seria muito mais importante que o ataque israelense, de 1981, ao centro nuclear de Osirak, no Iraque. Utilizando todos os recursos militares dos EUA na região, poderiam destruir-se as vinte instalações nucleares “suspeitas” do Irã.


A revelação de que o exército dos EUA estaria discutindo o uso de armas nucleares "táticas" contra alguns alvos no Irã foi revelada por Seymour Hersh, o jornalista que revelou ao mundo a infame prisão de Abu Ghraib: "Aviões de combate norte-americanos com capacidade de carga fizeram simulações de vôos com bombas nucleares, dentro do alcance dos radares costeiros iranianos". Diante da afirmação do premiê iraniano de que “já temos mais de três mil centrífugas em atividade, e outras estão sendo instaladas”, um conhecido think tank de atiçadores de fogo, o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres, afirmou que, caso os iranianos conseguissem pôr em funcionamento três mil centrífugas, eles poderiam construir uma bomba atômica em menos de um ano.


Em janeiro, cinco iranianos foram detidos por americanos no Iraque, acusados de apoiar “insurgentes iraquianos”. Suspensa por causa da crise diplomática entre Grã-Bretanha e Irã, devido à prisão pelo Irã de 15 militares britânicos entre 23 de março e 4 de abril, a questão nuclear iraniana reapareceu, depois da libertação dos boys, e desta vez com afirmação, pelos Estados Unidos, de considerarem o emprego de armas nucleares táticas, ou seja, bombas atômicas de menor poder de devastação. Nesse caso, romper-se-ia a chamada “barreira da dissuasão nuclear”, vigente desde a ofensiva ao Japão em 1945, com o lançamento das bombas em Hiroxima e Nagasaki. [2]


Nessa opção, não haveria o envio de tropas americanas em solo iraniano, tropas neste momento insuficientes para “atender” Iraque e Afeganistão ao mesmo tempo, mas o uso da força aérea, com ataques específicos a instalações nucleares e destruição maciça de complexos militares e político-administrativos.


Em agosto, os Estados Unidos passaram a classificar a Guarda Revolucionária do Irã como um grupo terrorista. Pela primeira vez na história, uma força militar oficial de um país soberano foi considerada terrorista pelos EUA. A Guarda Revolucionária iraniana é composta por mais de 120 mil homens, está ligada ao Ministério da Defesa desde 1989, mas o corpo obedece diretamente ao líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, e existe como força separada do Exército. A classificação da Guarda Revolucionária como terrorista permite o congelamento de bens e fundos controlados por membros da instituição em bancos dos EUA (e não são poucos). A Guarda Revolucionária, principal objetivo das sanções americanas, controla um terço da economia iraniana, sendo responsável por contratos de construção civis e pelas operações do novo aeroporto internacional da capital, Teerã.


Alguns oficiais seniors da Guarda já são considerados terroristas pelos EUA e sofrem sanções individuais. O Tesouro americano também impede que bancos do país negociem com bancos e empresas iranianas, como parte das sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU contra o programa iraniano de enriquecimento de urânio. Porém, dos 40 bancos europeus e asiáticos que fazem negócios com o Irã, somente sete cortaram relações com o país, em resposta às sanções dos EUA. O Irã vem, cada vez mais, conduzindo seus negócios internacionais por meio de 400 instituições financeiras baseadas em Dubai, em sua maioria árabes. Considerando que as transações entre o Irã e os Emirados Árabes Unidos, incluindo Dubai, chegaram a quase US$ 11 bilhões neste ano, o subsecretário do Tesouro dos EUA, Stuart Levey, falou em vão quando ameaçou, com represálias, às empresas que faziam negócios com o Irã.


Em 21 de agosto passado, o governo iraniano firmou um acordo com a AIEA, Agência Internacional da Energia Atômica, da ONU, comprometendo-se a permitir inspeções em suas instalações nucleares e a revelar informações completas sobre suas atividades desde 2005. O egípcio Mohamed El Baradei, diretor-geral da agência, considerou o contencioso com o Irã resolvido. As acusações contra o Irã são quase kafkianas: o Irã deveria demonstrar que não desenvolve tecnologia que “poderia” ser usada, no futuro, para produzir armas atômicas. A mesma AIEA, contudo, adotou atitude inteiramente diversa em relação ao Egito e Coréia do Sul – dois grandes aliados dos EUA. Suas experiências nucleares secretas, muito semelhantes às desenvolvidas pelo Irã, foram descobertas pela agência, que, no entanto, contentou-se com uma “repreensão”.


Mas, em outubro, o presidente Bush alertou que “os líderes mundiais devem impedir que o Irã tenha armas nucleares se quiserem evitar a Terceira Guerra Mundial”, nada menos. O comentário surgiu de uma pergunta sobre o apoio dado ao Irã pelo presidente russo, Putin. Bush contradisse o discurso oficial de que os EUA buscam uma aproximação diplomática com o Irã, e confiam na mediação da Rússia pára interromper o programa nuclear iraniano. Putin deixou claro sua oposição à opção militar contra o Irã: "Não devemos nem pensar em fazer uso da força nesta região". Mas “os congressistas (norte-americanos) estão preocupados de que a Casa Branca atue sem prévio aviso”, e “Condoleezza Rice advertiu que fazer o que o Irã faz, particularmente no sul do Iraque, tem seu custo”. Seymour Hersh informou que “só falta a decisão final”.


O vice-presidente dos EUA, Richard Cheney, encabeça um lobby que pressiona para bombardear instalações do exército iraniano.[3] Esse grupo está também apoiado pelo lobby sionista do partido democrata, incluída Hillary Clinton. A senadora-candidata disse que, se eleita presidente, deveria começar a retirar tropas do Iraque sessenta dias após a sua posse, mas deixou uma mensagem: "todas as opções estão na mesa", para lidar com o Irã. A frase, que abre as portas para a ação militar, é a mesma usada pelo governo de Bush, apesar de toda a retórica crítica à atuação republicana, e em defesa do multilateralismo e a diplomacia, dos democratas. No papel, seus planos vão na direção oposta da "doutrina Bush" (unilateralismo e ataques preventivos); na prática, estabelece uma divisão de tarefas com os republicanos. Propõe, por exemplo, aumentar as tropas no Afeganistão, "a fronteira esquecida na guerra contra o terror". Segundo o ex-funcionário da CIA e especialista em Irã do Instituto Brookings, Bruce Riedel, apesar do tom diplomático, Hillary Clinton não esconde que ela "é a mais beligerante entre os pré-candidatos democratas".


Os EUA não podem tolerar um “Irã forte”, desafiando sua hegemonia no Oriente Médio. As palavras de Nicholas Burns, Subsecretário de Estado, comentando o fornecimento de armas aos amigos da região, não deixaram dúvidas: "Este pacote de armas diz aos iranianos que os Estados Unidos são o poder maior no Oriente Médio, continuarão a ser e não irão embora". Saindo do Iraque, os americanos perderiam fatalmente o controle do país, que se aliaria ao Irã. As jazidas de petróleo, que os americanos pretendem conseguir através de contratos com o “Estado” iraquiano, poderiam sair de suas mãos. O suprimento de petróleo do Oriente Médio, vital para os EUA, não estaria garantido pela provável hegemonia do Irã na região. O Irã, quarto país mundial em jazidas de petróleo e segundo em gás, controla o estreito de Ormuz, por onde passa o tráfego de petrolíferos da Arábia Saudita e outros países árabes. Os EUA dependem cada vez mais das importações de petróleo. O seu consumo cresceu de 19,7 milhões de barris por dia, em 2002, para 26,7 milhões previstos para 2020. As reservas são insuficientes – em quatro anos deverão se esgotar. Dominando o Irã, diretamente ou através de um governo títere, os EUA teriam, por outro lado, condições para submeter a China e a Índia.


Israel bombardeou instalações militares na Síria para preparar o caminho da agressão contra o Irã. Aviões israelenses penetraram, via Mediterrâneo, no norte da Síria, até serem alvejados pelas baterias antiaéreas locais. Foi uma operação em grande escala, com uso dos mais modernos aviões israelenses, especialmente acondicionados para percorrer grandes distâncias, um avião de espionagem eletrônica, e unidades de elite que operaram no solo para indicar os alvos; os EUA lhe deram apoio. Tudo indica que se tratou de demonstrar que Israel tem a capacidade de golpear a longas distâncias, um treino para ir ao Irã, já que Israel no necessitou de aviões com tanques suplementares para atingir alvos em Síria


Embora diversas autoridades israelenses e dos EUA tenham dito que o objetivo foi bombardear equipamentos nucleares trazidos aos sírios por um misterioso navio norte coreano, a verdade é que, como afirmou John Bolton, ex-embaixador dos EUA na ONU: "O ataque foi uma mensagem clara ao Irã, que os seus esforços para adquirir armas nucleares não ficarão sem resposta".


Há comandos norte-americanos operando em território iraniano, e Bush iniciou a construção de uma base militar gigantesca na fronteira entre o Iraque e o Irã. A Casa Branca passou a financiar grupos terroristas sunitas em solo iraniano: o Jundulá, cujo líder, Abdel Malik Regi, é descrito como “em parte traficante, em parte talibã, em parte ativista sunita”. Estabelecido além da fronteira com o Paquistão, o Jundulá promove atentados na região norte do Irã, o Baluquistão, matando soldados iranianos e também civis. Formado por membros da etnia baluchi, o Jundulá recebe fundos da CIA. Financiando o separatismo baluchi, o governo Bush visa desestabilizar o governo de uma região suscetível ao separatismo, para criar condições favoráveis à invasão do Irã.[4] Há também o apóio à milícia de exilados conhecida como Mujahidin-e-Khalq (MEK), baseada no Iraque. A MEK apoiou Saddam Hussein na guerra entre o Iraque e o Irã, de 1980 a 1988, e seus 3.600 combatentes permaneceram em território iraquiano.


Em termos econômicos, a mais importante ameaça contra o Irã é a província sudoeste do Khuzestão, responsável por 80% da produção petrolífera do país. Os xiitas árabes do Khuzestão têm a mesma identidade étnica e religiosa dos xiitas árabes da bacia de Shatt-al-Arab no Iraque, e sua capital, Ahwaz, se situa a 120 quilômetros a leste de Basora, onde as forças britânicas no Iraque estavam aquarteladas.[5] O Mossad oferece "equipamento e treinamento" ao grupo curdo do Irã, Pejak, ligado ao PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), da Turquia, rotulado por Washington e Ancara como “organização terrorista”.


Internacionalmente, o mais importante é o alinhamento da França com os EUA, inclusive para uma guerra contra o Irã. Isto foi defendido pelo “socialista, pacifista e progressista” Bernard Kouchner (fundador de uma ONG que presta assistência a populações vitimadas pela guerra!), integrado ao governo do direitista Nicolas Sarkozy. Atualmente ministro francês das Relações Exteriores, Kouchner avisou o mundo que deveria preparar-se para uma guerra em torno do programa nuclear iraniano: "Precisamos nos preparar para o pior, e o pior é a guerra". Chamando a suspender o enriquecimento do urânio pelo Irã, Sarkozy ameaçou: "A bomba iraniana ou bombardear o Irã". E garantiu ser “inaceitável para a paz mundial” que mais um país viesse a ter a bomba atômica.


Por trás da retórica radical, Ahmadinejad voltou a jogar a carta da saída diplomática, ao pedir que os Estados Unidos evitem fazer "declarações ilógicas e sem fundamento", e solicitar à União Européia (UE) que "atue com independência" em relação ao programa nuclear iraniano.


Mas os EUA e a União Européia, conjuntamente, não deram seu aval ao acordo entre o Irã e a AIEA, o que é um motivo de fricções com o diretor da agência, El Baradei. Logo que este reportou o acordo a que chegara com o Irã, Bush apresentou ao Conselho de Segurança propostas de novas e muito mais duras sanções contra Teerã. Vetadas pela China e a Rússia, Sarkozy levou essas medidas à consideração da Comunidade Européia. Sarkozy disse da tribuna da ONU que “não haverá paz no mundo se a comunidade internacional der provas de fraqueza diante da proliferação de armas nucleares”. A alemã Angela Merkel qualificou de “desastre” a possibilidade de uma bomba nuclear iraniana, “um risco para a existência de Israel, inaceitável”. O imperialismo francês, em especial, defende a necessidade de fortalecer a capacidade de Europa para quebrar a resistência da Rússia a uma colonização aberta pelo capital internacional. Propõe fechar as brechas de Europa com os EUA, e reintegrar a França ao comando operacional da OTAN.


Acontece, porém, que o Irã é a peça chave para resolver a crise da ocupação militar do Iraque, sendo, ao mesmo tempo, um campo de provas da resistência russa. No Iraque, no setor petroleiro, as disputas são brutais. Ao norte, os curdos declararam sua “independência petroleira” e começaram a firmar contratos por separado com firmas ocidentais. O ministro de petróleo do Iraque os declarou “ilegais”; os curdos lhe responderam que “não se metesse em assuntos que não lhe interessam” (sic!).


A questão curda se transformou no estopim do início do completo desequilíbrio regional. A Turquia alocou 100 mil tropas apoiadas por tanques, artilharia, aviões e helicópteros, próximas à fronteira com o Iraque, para uma possível ação militar em larga escala para combater os curdos. Os Estados Unidos e o Iraque vêm tentando demover Ancara do intuito de lançar uma campanha militar em larga escala, com o argumento de que isso poderia desestabilizar a região. O ministro das Relações Exteriores do Iraque, Hoshiyar Zebari, alertou para as "desastrosas conseqüências" de uma ação militar. O caos é tal que o ministro das Relações Exteriores do Irã, Manouchehr Mottaki, disse que os Estados Unidos e Israel apóiam os separatistas curdos do PKK, estabelecidos no norte do Iraque, ou seja, acusou-os de “terrorismo”... O Irã também tem população curda, e seu Exército entra em conflito freqüentemente no noroeste do país com milicianos curdos do já mencionado Pejak (Partido para Vida Livre do Curdistão), aliado do PKK. Na questão curda, o governo iraniano busca as bases de um acordo regional geral, e com os próprios EUA: Ahmadinejad declarou que defende uma solução pacífica para a crise, e destacou a “necessidade de confrontar as atividades terroristas do PKK. O Irã também tem uma minoria curda e sofre ataques rebeldes contra seu território”.


No sul do Iraque, a riqueza petroleira em torno à cidade de Basora é objeto de uma dura disputa entre as diversas milícias xiitas que lutam por tomar conta da empresa estatal de petróleo. A retirada dos ingleses de Basora, derrotados pelos milicianos, “ameaça desatar uma guerra total pelo controle da indústria petroleira”, segundo The Christian Science Monitor. O governo do primeiro ministro Maliki está no limiar do colapso. A crise agravou-se depois que os ministros pertencentes ao movimento do dirigente xiita Al Sadr abandonaram o governo. Al Sadr rejeitou o acordo da coalizão xiita governante com os curdos e os norte-americanos, para que os integrantes do partido Baath (o velho partido de Saddam Hussein) pudessem voltar ao governo. O governo de Maliki está em minoria e, segundo analistas, “só o apoio do Irã, e o cada vez mais reticente apoio norte-americano o mantêm em pé”. A invasão que devia, segundo “Dick” Cheney, “redesenhar o mapa do Oriente Médio”, transformou toda a região em um gigantesco barril de pólvora.


Putin aceitaria não se envolver na defesa do Irã, se os EUA e Europa se retirassem da Ásia Central e do Cáucaso, condição impossível para o imperialismo ocidental, por ser aquela uma zona chave para a colonização econômica e geográfica do capital mundial.[6] Em meados de setembro, o chanceler russo, Serguei Lavrov, advertiu publicamente que “nos preocupa especialmente a multiplicação de informações segundo as quais se analisa seriamente uma ação militar contra o Irã”.


Esse é o quadro principal das disputas internacionais e regionais, incluído o conflito contra o Irã. O Kuait, baluarte dos EUA (foi em nome da sua pretensa “independência” que os EUA promoveram a primeira Guerra do Golfo, em 1990), através de seu representante Jaber Al Sabah, afirmou que seu país, onde há bases militares ianques, não permitiria que fossem usadas para atacar o Irã. A belicosidade americana está preparando um tiro pela culatra na região mais sensível (e rica) do Oriente Médio.


As ameaças norte-americanas, porém, visam também, e sobretudo, conseguir uma mudança da situação interna do Irã, quebrando a resistência antiimperialista. O principal “partido reformista” (ou “modernista”) iraniano, a Frente de Participação (Mosharekat), advertiu, durante seu X Congresso, contra o crescente isolamento internacional do Irã. "Desde o início pensamos que a política nuclear do governo de Ahmadinejad era um erro", disse seu secretario geral, Mohsen Mirdamadí. Mas também entre os chamados “conservadores” a vontade de capitular se faz visível. Um ex vice - ministro, próximo do ex presidente Ali Rafsanjani, queixou-se de que "a forma em que se leva adiante a política externa" seria um "completo desastre".


E, sobretudo, até agora a maioria do establishment político e diplomático norte-americano se opõe a lançar uma guerra. As ameaças ao Irã são uma via de saída para o “inferno iraquiano” dos EUA. Essa é sua principal função política para o imperialismo hegemônico. As pressões imperialistas sobre o Irã se agravam na mesma medida em que se agrava a crise da ocupação norte-americana do Iraque.


Por isso, o Foreign Affairs afirma que “chegou a hora da distensão com o Irã”: “A diferença do que aconteceu na escalada que levou à invasão do Iraque, o Pentágono se declarou contrário a uma ação militar contra o Irã”. A verdade é que o Irã está longe de obter a bomba nuclear, o seu processo de produção da mesma depende de tecnologia estrangeira. Ainda que tivesse a bomba, sua utilidade seria bem relativa: não poderia usá-la por se encontrar (o Irã) rodeado de potências nucleares (como Israel); e, caso o fizesse, as naves norte-americanas no Golfo Pérsico destruiriam o Irã de modo imediato.


Um ataque ao Irã poderia ser, contudo, um recurso em última instância para o imperialismo ianque. Mas, inclusive como último recurso seria extremamente custoso. O Irã tem acordos de colaboração militar e nuclear com a Rússia. E Rússia tem a possibilidade de converter um ataque norte-americano ao Irã no pesadelo de Washington, provendo Irã de sistemas de defesa, radares, mísseis e sistemas de comando. Segundo a revista de análise estratégica - militar Stratfor, “a primeira fase do ataque norte-americano – a supressão da defesa aérea – seria muito custosa; a segunda - a batalha contra a infraestrutura – seria uma guerra de desgaste. Estados Unidos não poderia forçar uma mudança de regime, e deveria pagar um alto preço por isso”. O enorme custo de uma operação militar - uma campanha catastrófica ou, alternativamente, a entrega à Rússia da Ásia Central e das repúblicas que integravam a ex URSS - explica a rejeição, por enquanto, de uma aventura militar anti - iraniana pelo establishment político, diplomático e militar dos EUA, que não desaprova, porém, a montagem do dispositivo militar bélico.


O regime teocrático do Irã, devido ao seu caráter reacionário-clerical, é incapaz de mobilizar revolucionariamente os países do Oriente Médio ou da Ásia Central contra a perspectiva da agressão imperialista, e menos ainda às massas de seu próprio país, submetidas a uma exploração sem limites. 50% da população sobrevive sob a linha de pobreza, o desemprego atinge 15%, o salário médio não supera 100 dólares mensais - a cesta básica situa-se em 600 dólares - e abunda o trabalho “negro”, precário ou "terceirizado". Os direitos sindicais praticamente inexistem. É uma situação de miséria material e social refletida também em outros indicadores: 20% da população consome algum tipo de droga. A base social do regime é menos a burguesia comercial (disposta a joga-lo fora a qualquer momento) do que a proto-burguesia estatal dos “Guardas”, e uma pequeno burguesia, cinicamente “laica”, beneficiária indireta do maná petroleiro, através de cargos estatais e diversas formas de subsídio.


A 8 de março passado, Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, milhares de mulheres saíram à rua em diversas cidades iranianas, sem o véu que obrigatoriamente deveriam usar, em um desafio aberto aos aiatolás. Desde esse mês (começo oficial do ano civil iraniano) aconteceram importantes greves docentes: 80% dos grevistas são mulheres. O governo ordenou à polícia, a 22 de abril, castigar na rua toda mulher que não usasse as roupas ordenadas pela lei islâmica.[7] Uma luta conseqüente contra o imperialismo, que unifique as massas iranianas, iraquianas, afegãs e de toda a região, exige se livrar dos regimes teocráticos que dividem os explorados em linhas sectário-religiosas.


Dobrar o Irã através da pressão política e da ameaça militar, ou encorajar a guerra: tais são as alternativas dos EUA. Mas há ainda o problema de como reagiriam as massas dos países imperialistas a uma nova guerra. A crise financeira internacional está fazendo um estrago social nos EUA e parte da Europa; uma eventual guerra consumiria a riqueza social em condições de queda do poder aquisitivo dos salários, em conseqüência da inflação, num quadro de endividamento crescente, e até terminal, das famílias do famigerado “Primeiro Mundo”.


Em caso de guerra, deveria se mobilizar unificadamente, no mundo todo, todos os setores dispostos a se opor à nova aventura militar, qualquer que seja argumento ou ideologia com que o façam. A guerra teria conseqüências internacionais imediatas: na América Latina, uma guerra contra o Irã levaria os EUA a apertar o cerco contra a Venezuela, buscando o apoio dos governos da “esquerda moderada” de nossas bandas, elogiados pela Casa Branca. Mas, depois das grandes mobilizações de 2001 e 2002, o movimento mundial contra a guerra parece anestesiado, e foram comparativamente muito inferiores, especialmente na Europa, às mobilizações contra a invasão anglo – ianque do Iraque em 2003.[8]


As bases do movimento anti – guerra devem ser clarificadas, o pacifismo deve ceder seu lugar ao antiimperialismo e à luta pela unidade dos explorados de todo o mundo contra o parasitismo bélico do capital. Chegar à conclusão de que não se trata de convencer às “pombas” imperialistas a fazer a paz, mas de destruir o imperialismo capitalista.

Oswaldo Coggiola é professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), doutor pela École des Hautes Etudes em Sciences Sociales (França). É autor, entre outros livros, de Revolução Russa (Lázuli, 2004)

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