quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Pobre Educação...

China: vale tudo por um doutorado



  Carlos Gorito
Asia Times – Hong Kong

 Um fator muitas vezes ignorado no “milagre” do desenvolvimento econômico chinês das últimas três décadas é o “milagre” do enorme número de doutores formados no país.
Em breve, a China deve tomar o lugar do Japão como a segunda maior economia do mundo – depois dos Estados Unidos – em termos do produto interno bruto . Mas em 2008, já havia superado os EUA em número de doutores – mesmo que os programas de graduação só tenham sido retomados em 1978, depois do turbilhão da Revolução Cultural.
Ao contrário do orgulho nacional pelo sucesso econômico chinês, a expansão dos programas de doutorado é vista com suspeita, devido a alegações que a corrupção no sistema educacional tem comprometido seriamente os padrões acadêmicos. De acordo com estatísticas publicadas por Yang Yuliang, diretor da Comissão de Grau Acadêmico do Conselho de Estado, do governo chinês, os primeiros programas de doutorado em 1978 tiveram apenas 18 candidatos, dos quais apenas seis receberam o diploma.
Contudo, programas de pós-graduação aumentaram exponencialmente com a rápida expansão da educação terciária em 1999 – resultado da política do governo de “industrializar” as universidades. O governo acreditava que um maior número de matrículas geraria uma classe urbana bem educada, que impulsionaria o consumo doméstico e reduziria a dependência das exportações após a crise financeira asiática de 1997.
As matrículas em programas de doutorado cresceu cerca de 23.4% por ano desde 1982. Em comparação, a média anual de crescimento das matrículas em programas de mestrado no mesmo período foi de 15%. Até o final de 2007, a China diplomou 240 mil doutores. Entretanto, o número de professores qualificados necessários para supervisar tais programas de doutorados não aumentou no mesmo ritmo, gerando o temor de que a quantidade não está sendo acompanhada de qualidade.
De acordo com Yang, cada professor chinês apto tem que supervisar uma média de 5,77 candidatos a doutores, muito maior do que o nível internacional. Alguns de professores da província de Anhui escreveram ao Ministério da Educação semana passada questionando por que o sistema educacional do país não estava produzindo cientistas e acadêmicos reconhecidos mundialmente. O problema também foi levantado por Qian Xuesen, o pai da indústria astronáutica chinesa, antes de sua morte em outubro.
Também há preocupação quanto à obscura relação entre universidades, a classe empresarial e os altos funcionários do governo, muitos dos quais estão matriculados em programas de doutorado. Professores dizem que empresários e os altos funcionários se usam do dinheiro, poder ou influência a fim de evitar fazer o trabalho necessário para obter seus diplomas.
Fontes da Universidade de Southwest em Chongqing disseram que metade dos oficiais do partido e do governo no município eram candidatos a um doutorado na universidade. E Chongqing não é um caso isolado.Hoje em dia é tão comum que oficiais tenham diplomas de doutorado que a mídia se surpreendeu que Zhang Ping, o recém nomeado ministro responsável pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma – o principal órgão de planejamento chinês – tenha apenas um diploma de uma escola técnica de segundo grau. Mais tarde, no entanto, Zhang foi parabenizado por não haver exagerado em seu histórico acadêmico.
A demanda por diplomas de doutorado cresceu também porque as autoridades de Pequim costumam basear as decisões de promoções no histórico educacional dos candidatos. Para muitos dos oficiais, diplomas de educação superior são um meio de alcançar maior reconhecimento.
Oficiais do governovêem as universidades como se fossem parte de sua jurisdição. Em troca, a demanda dos oficiais por diplomas se tornou uma oportunidade de negócios para as universidades. Muitas universidades (até mesmo algumas estrangeiras) têm aberto matrículas em Pequim, Xangai e Guangzhou, prometendo diplomas. Em alguns programas, os altos funcionários podem receber os diplomas em casa, sem ter que prestar exames.
Enquanto a maioria dos cidadãos comuns chineses trabalha duro para alcançar seu diploma de doutorado, os poderosos tomam um atalho – do exame de admissão à graduação. Exames de admissão são normalmente organizados independentemente pelas universidades, e para atrair estudantes com influência política algumas universidades oferecem a admissão livre de exames.
Uma vez matriculados, os estudantes privilegiados não precisam levar seu curso a sério; muitas vezes mandam seus assistentes para assistir as aulas e prestar exames. O professor Cai Jiming da Universidade de Tsinghua afirmou que “a maior parte dos diplomas concedidos aos altos funcionários chineses são questionáveis”. Wang Yi, ex-presidente da Comissão de Reguladora de Valores, que foi preso em fevereiro por suspeita de haver aceitado subornos, é um exemplo. Seu curriculum vitae o qualificava como doutor em Economia, mas seu mestrado foi em História, e ele levou apenas dois anos para obter seu PhD.
O caso de Wang levou a uma resposta sarcástica do professor Ge Jianxiong da Universidade de Fudan em Xangai, “É bem impressionante que Wang tenha sido aceito em um competitivo programa de doutorado em Economia. Ele não deve só ter um aprendizado rápido, mas também uma alta capacidade de realizar múltiplas tarefas para concluir seu curso, passar nos exames, acabar sua tese e apresentá-la em apenas dois anos”.
“Ele conseguiu fazer tudo isso enquanto trabalhava freneticamente no governo. Se não é um gênio, ele deve ser muito brilhante,” adicionou o professor. Ele solicitou uma investigação da obtenção do diploma de doutorado de Wang, mas seu pedido foi recusado.
Observadores dizem que a obtenção de duvidosos diplomas por oficiais não é só um desperdício de recursos educacionais escassos, como também levou a uma crise de confiança no sistema educacional, prejudicando a credibilidade dos doutores genuínos formados na China. Ainda assim, algumas universidades chinesas dizem precisar obedecer aos desejos dos oficiais do governo para garantir sua sobrevivência financeira.
O vice-reitor de uma universidade da cidade de Zhengzhou, que preferiu permanecer anônimo, disse que a maioria das universidades depende do financiamento governamental, especialmente para fundos de pesquisa, projetos e planos de desenvolvimento institucional. Se uma universidade ousasse recusar a admissão de um poderoso oficial, outra universidade o aceitaria rapidamente. Oficiais podem considerar a recusa como humilhação e buscar vingança.
Para os orientadores de doutorado de altos funcionários governamentais, a relação entre estudante e professor pode ser uma situação mutuamente vantajosa: permite que os orientadores tenham maior acesso a projetos de pesquisa e recursos, enquanto eles podem usar a influência dos seus poderosos estudantes para ganhar mais recursos.
A maioria das universidades da China são públicas, com seus reitores designados pelo governo, assim como a alocação de seus recursos. Até certo ponto, os próprios empregados da universidade são oficiais do governo – muitas vezes transferidos de, ou para, um departamento do governo, possuindo ligações com funcionários do governo de outros ramos.
Nas universidades, a influência e status de um empregado não dependem de seu título acadêmico, mas sim do seu ranking administrativo. Quanto maior o ranking, mais poder a pessoa tem. Assim, funcionários da universidade normalmente almejam cargos administrativos mais altos ao invés de títulos acadêmicos decentes.
Ironicamente, isso levou a uma situação em que oficiais do governo fazem fila para conseguir seus diplomas acadêmicos, enquanto os professores universitários competem por cargos administrativos mais altos.
A corrupção acadêmica, em conjunto com a corrupção do funcionalismo público, se tornou comum na China. Como resultado, universidades chinesas lutam para produzir grandes acadêmicos, enquanto faltam políticos sofisticados no governo. O famoso matemático e professor de Harvard Shing-Tung Yau, num discurso na Universidade de Nankai, criticou a corrupção acadêmica da China como “um estigma nacional”.
O descontentamento crescente com a corrupção acadêmica generalizada e outros problemas na educação levaram o Premier Wen Jiabao a demitir o ministro da educação Zhou Ji, que estava no cargo desde 2003.

Stephen Wong

Tradução: Raquel Tebaldi

Para acessar o texto original, clique aqui.

Fotografia de Andrew Lih, retirada daqui

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