“A
devastação de Gaza pelos israelenses, contra uma população civil cercada
– e usando bombas, dinheiro e cobertura diplomática dos EUA – foi tão
brutal e horrenda que mudou para sempre o modo como o mundo vê o
conflito no Oriente Médio” [Glenn Greenwald, blogueiro de Salon.com,
durante a guerra de Gaza].
por
Norman Finkelstein, em Counterpunch
A indignação mundial
gerada pela invasão de Gaza não nasceu do nada nem foi repentina. De
fato, foi a culminação de uma curva que há muito tempo marcava o
crescente declínio do apoio a Israel em todo o mundo. Como mostram dados
de pesquisas recolhidos nos EUA e Europa, todos os públicos, de judeus e
não-judeus, foram-se tornando cada vez mais críticos das políticas
israelenses ao longo de toda a última década. As imagens horrendas de
morte e destruição mostradas pela televisão em todo o mundo durante a
invasão de Gaza aceleraram aquele processo. “A frequência brutal e
sempre crescente de guerra naquela região volátil fez mudar a tendência
da opinião internacional” – escreveu o britânico Financial Times em
editorial, um ano depois da invasão de Gaza –, “fazendo lembrar que
Israel não está acima da lei. Israel não pode continuar a ditar os
termos dessa discussão.”
Pesquisa feita nos EUA
logo depois do ataque israelense a Gaza mostrou que o número de
eleitores norte-americanos que se autodefiniam como apoiadores de Israel
havia caído de 69% antes do ataque, para 49% em junho de 2009; e o
número de eleitores que acreditavam que os EUA deveriam continuar a
apoiar Israel, caiu de 69% para 44%.
Consumida pelo ódio,
cheia de arrogância e confiante de que poderia controlar ou intimidar
toda a opinião pública, Israel atacou Gaza com fúria de assassino que
confia que jamais será apanhado, mesmo que promova assassinatos em massa
à luz do dia. Mas, embora o apoio oficial a Israel não se tenha
alterado no ocidente, a carnificina fez crescer uma onda sem precedentes
de indignação popular em todo o mundo. Seja porque o ataque contra Gaza
veio depois da devastação que Israel provocou no Líbano, ou por causa
da incansável perseguição contra o povo de Gaza, ou seja, porque o
ataque a Gaza foi ataque covarde, fato é que o ataque a Gaza em
dez.-jan. 2009, parece ter marcado um ponto de virada na opinião pública
em relação a Israel. O mesmo tipo de mudança aconteceu também depois do
massacre de negros em Sharpeville, em 1960, na África do Sul.
Nas organizações
oficiais da diáspora judaica, que têm laços antigos com Israel, o apoio
continuou como sempre, cego. Ao mesmo tempo, contudo, organizações de
judeus progressistas começaram a afastar-se de Israel, umas mais, outra
menos. Enquanto, antes, todos os judeus mais conhecidos no mundo sempre
apoiaram as guerras de Israel, muitos, dessa vez, mostraram-se
ambivalentes durante a invasão, com uma maioria mais idosa e declinante
que saiu em defesa de Israel e uma minoria crescente, mais jovem, que
declaradamente fez oposição à invasão de Gaza. Entre o crescente
incômodo dos mais jovens em face do belicismo israelense e as muitas
vacilações ante a tarefa de apoiar Israel, o massacre de Gaza marcou uma
primeira grande fissura no, antes, irrestrito apoio dos judeus a todas
as guerras de Israel. Muitos constataram que, ao mesmo tempo em que em
todo o ocidente as manifestações contra os ataques a Gaza foram sempre
multiétnicas (com a presença de muitos judeus), as demonstrações ‘pró’
Israel sempre reuniram quase exclusivamente judeus.
A evidência de que a
oposição ativa à política de Israel – por exemplo, nas universidades –
já extrapolou os limites do mundo árabe-muçulmano e já alcançou públicos
aos quais antes não chegava, ao mesmo tempo em que encolheu o apoio
ativo a Israel, já confinado a uma fração do núcleo mais conservador dos
judeus étnicos, é importante indicador da direção para a qual as coisas
estão andando. A era da “bela” Israel já passou, parece que para
sempre; foi substituída por uma Israel desfigurada que, nos últimos
tempos ocupa a consciência pública e provoca embaraço cada dia maior.
Não se trata apenas de Israel agir ainda mais mal do que antes, mas,
sobretudo, de as ações de Israel terem ultrapassado o limite do que as
consciências toleram.
Já não é possível negar
ou desqualificar o que todos veem. A documentação do conflito
árabe-israelense estabelecida por historiadores conhecidos conflita com
versões popularizadas por livros como Êxodo de Leon Uris. Há evidências
de inúmeras violações por Israel dos direitos humanos básicos dos
palestinos, todas documentadas por organizações conhecidas; essas
evidências não confirmam os discursos israelenses e o muito alardeado
compromisso com “a Pureza das Armas” [heb. Tohar HaNeshek; ing. Morality
in Warfare; é o código ético do Exército de Israel: “moralidade/pureza
na guerra”]. As deliberações de corpos políticos e jurídicos respeitados
manifestam graves dúvidas quanto ao alardeado compromisso de Israel com
a resolução pacífica de conflitos. Por muitos anos, os ‘apoiadores’ de
Israel conseguiram evitar o impacto da documentação que se foi
acumulando; na maioria dos casos, ocultaram-se por trás de duas espadas
gêmeas sempre em riste: o Holocausto e um “novo antissemitismo”.
Houve quem dissesse que
os judeus não poderiam ser avaliados pelos padrões morais/legais comuns,
depois do inexcedível sofrimento pelo qual passaram durante a II Guerra
Mundial e que toda e qualquer crítica às políticas de Israel seriam
sempre motivadas por um jamais extinto ódio aos judeus. Quanto a isso,
além do desgaste que sofrem todos os argumentos excessivamente usados,
esse argumento perdeu muito da eficácia que algum dia teve quando as
críticas às políticas de Israel chegaram, afinal, às correntes mais
amplas da opinião pública. Incapazes de responder àquelas críticas, os
apologistas de Israel conjuram hoje as mais bizarras teorias para
explicar o ostracismo ao qual se condenaram. Para George Gilder, guru
‘econômico’ do governo Reagan, o sistema de livre mercado teria modo
específico para desencadear os potenciais humanos; e que portanto, sob
sistemas de livre mercado, os judeus deveriam “estar sempre
representados não proporcionalmente nos escalões superiores”, porque
seriam seres humanos naturalmente mais bem dotados que outros.
Inversamente, se os judeus não estiverem no comando, comprovar-se-ia que
o sistema econômico não alcançou a perfeição.
O antissemitismo
brotaria do ressentimento provocado pela “superioridade e excelência dos
judeus” e pela “manifesta supremacia dos judeus sobre todos os demais
grupos étnicos”; e o ódio contra Israel, do fato de Israel ter evoluído
(sob a inspirada tutela de Benjamin Netanyahu) num perfeito sistema de
livre mercado que “concentra o gênio dos judeus,” fazendo de Israel “uma
das potências capitalistas mundiais líderes” e inveja do mundo: “Israel
é odiada sobretudo por suas virtudes.”
Se há judeus que
criticam Israel, tratar-se-ia de pura inveja: “os judeus destacam-se
tanto e tão rapidamente nos campos intelectuais, que deslocam e derrotam
todos os rivais antissemitas.” O ocidente deve tratar, isso sim, de
proteger Israel e os israelenses contra “as quimeras mundiais de
soma-zero e as fantasias de vingança e morte dos jihadistas”, e contra
“as massas bárbaras”, porque foram os talentos e dotes dos judeus que
levaram a humanidade “a crescer e prosperar”; em conclusão, porque os
judeus são “decisivos para a raça humana”.
E prossegue: “se Israel
for destruída, toda a Europa capitalista morrerá; e os EUA, epítome do
capitalismo criativo e produtivo empurrado pelos judeus, estará sob
grave risco”; “Israel é a vanguarda da próxima geração de tecnologia;
está na linha de defesa de uma nova guerra racial contra o capitalismo,
contra a individualidade e o gênio judeu”; “Assim como o livre mercado é
necessário à sobrevivência das populações humanas sobre a face da
Terra, a sobrevivência dos judeus é necessária para garantir o triunfo
das economias livres. Se Israel for calada ou destruída, todos
sucumbiremos ante as forças que hoje combatem o capitalismo e a
liberdade em todo o mundo.”
Do outro lado do
Atlântico, Robin Shepherd, diretor de assuntos internacionais da Henry
Jackson Society, sediada em Londres, garante que Israel foi alvo de
críticas fortes pelo ocidente, não porque seja campeã da defesa dos
direitos humanos, mas porque é Estado capitalista democrático obrigado a
lutar na linha de frente, ao lado dos EUA, contra o islã radical que
seria “ameaça civilizacional”: “Israel tornou-se inimiga não por algo
que tenha feito”, mas “porque estava do lado errado das barricadas”. A
“principal plataforma de energização no ocidente” para essa “maré
incontrolável de histeria, mistificação e distorções contra o Estado
judeu” são “os marxistas totalitários e a esquerda liberal, viajantes
que, desapontados pelo proletariado ocidental e desiludidos das lutas de
libertação do Terceiro Mundo, uniram-se em causa comum com “o islã
militante” para destruir a ordem mundial liberal-capitalista. Embora
esses críticos de Israel não sejam antissemitas no tradicional sentido
“subjetivo” de desprezar os judeus por serem judeus, são agentes de um
antissemitismo “objetivo”, porque Israel tornou-se fator central da
identidade dos judeus no mundo contemporâneo.
Mas a oposição a Israel
também emanaria dos ‘sangue-azul’ do antigo regime que sonham com
restaurar as hierarquias do velho mundo, devolvendo-as ao ponto em que
teriam sido rompidas pelos arrivistas judeus. Essa conspiração
neoantissemita reuniria “quase todos” os que acusam Israel de ter
cometido crimes de guerra e de outras violações das leis internacionais.
Evidentemente, deve-se entender que, por trás da condenação de Israel
pela Anistia Internacional e pela Corte Internacional de Justiça, Jimmy
Carter e Mairead Corrigan Maguire ganhadores do Prêmio Nobel, o
Financial Times e a BBC, age a mão oculta da gangue dos radicais
esquerdistas fanáticos aristocratas islâmicos. Para os que queiram saber
mais, Shepherd recomenda “fortemente” que leiam The Case for Israel, de
Alan M. Dershowitz.
Embora falte
credibilidade a essas explicações para o isolamento de Israel, não há
dúvidas de que as ações de Israel entraram em queda livre. Embora Israel
tenha conquistado muitos simpatizantes ocidentais depois de fulgurante
vitória de junho de 1967, a verdade é que, nos anos mais recentes, já
está reduzida a Estado pária, sobretudo entre os europeus. Pesquisa de
2003 feita pela União Europeia, classificou Israel como principal ameaça
à paz do mundo. Em 2008, pesquisa de opinião pública global classificou
Israel como o principal obstáculo à paz no conflito Israel-Palestina.
Em pesquisa do BBC World Service, feita imediatamente depois da invasão
de Gaza, 19 dos 21 países pesquisados manifestaram opinião negativa
sobre Israel.
Simultaneamente, sob o
título “Second Thoughts about the Promised Land” [“Pensando melhor sobre
a Terra Prometida”][1], a revista The Economist reporta em 2007 que
“embora a maioria dos judeus da diáspora ainda apóiem Israel, aumentaram
as dúvidas e a ambivalência.” Vozes de judeus discordantes começam a
fazer-se ouvir na Grã-Bretanha, na Alemanha e em outros países,
desafiando a hegemonia das organizações judias oficiais que repetem como
papagaios a propaganda israelense. Nos EUA as tendências ainda não são
muito claras, mas nem por isso menos significativas. Avaliando-se pelos
dados de pesquisa, pode-se dizer que os norte-americanos sempre tenderam
consistentemente mais a favor de Israel que dos palestinos. Mas os
norte-americanos cada vez mais claramente também apóiam que os EUA
trabalhem para mediar o conflito; mais recentemente, já há pesquisas que
mostram “níveis equivalentes de simpatia” pelos dois lados, e minoria
já substancial opinou que as políticas dos EUA favorecem (ou favorecem
muito) Israel; uma robusta maioria de norte-americanos “opinaram que
Israel não está fazendo bem a parte que lhe cabe de esforços para
resolver o conflito”; e já há muitos norte-americanos que pregam o uso
de sanções para conter Israel.
Significativamente, a
maioria dos norte-americanos também apoiaram um acordo de dois Estados
sobre as fronteiras demarcadas em junho de 1967, com total retirada dos
israelenses dos territórios ocupados na guerra de junho. “Sim, as
pesquisas mostram forte apoio a Israel,” observou em 2007 M. J.
Rosenberg, diretor de análises políticas do Israel Policy Forum, a
respeito das tendências de então; contudo “esse apoio a Israel, como
mostram as pesquisas, é amplo mas não é muito profundo.” Esse fenômeno
observa-se quase todos os dias nas “Cartas do Leitor”. Cada vez que
aparece alguma coluna sobre Israel, sobretudo se critica Israel,
aparecem várias cartas de leitor. A maioria apoia a posição israelense. E
quase sem exceção as cartas são assinadas por judeus. A vasta maioria
[de não judeus norte-americanos] que se supõe que sejam também
favoráveis às posições de Israel não escrevem. Conforme pesquisa de 2007
feita pela Liga Antidifamação [ing. Anti-Defamation League (ADL)] a
opinião de norte-americanos a favor de Israel é acentuadamente menos
favorável do que suas opiniões favoráveis pró Grã-Bretanha e Japão; e é
praticamente tão favorável quanto as opiniões pró Índia ou México. Quase
a metade dos respondentes entendem que os EUA devem trabalhar aliados a
Estados árabes “moderados”, “mesmo que isso contrarie Israel”.
Metade ou mais dos
norte-americanos pesquisados culpam igualmente Israel e o Hizbollah pela
guerra do Líbano, no verão de 2006, e apoiaram uma posição (mais)
neutra dos EUA. Além disso, em anos recentes, vários grupos religiosos,
como a Igreja Presbiteriana dos EUA, o Conselho das Igrejas, a Igreja
Unida de Cristo e a Igreja Metodista Unida têm apoiado iniciativas,
inclusive a favor do desinvestimento em corporações, para forçar o fim
da ocupação da Palestina. Em pesquisa de 2005, feita por Steven M.
Cohen, judeu, constatou-se que “a ligação dos judeus norte-americanos
com Israel enfraqueceu de modo mensurável nos últimos dois anos, (…)
seguindo tendência que se observava há muito tempo.” Menos respondentes,
em relação a pesquisas anteriores, declararam prontamente seu apoio a
Israel, que conversavam sobre Israel ou que participavam de atividades
de apoio a Israel.
Significativamente, não
houve declínio semelhante em outras mensurações de identificação com os
judeus, incluindo práticas religiosas, observação de preceitos
religiosos ou afiliação comunitária. A pesquisa mostrou 26% que se
declaram “muito” emocionalmente ligados a Israel, menos que os 31% que
se viram em pesquisa de 2002. Cerca de 2/3, 65%, declararam que
acompanham de perto o noticiário sobre Israel, menos que os 74% da
pesquisa de 2002; e 39% disseram que conversam regularmente com amigos
judeus; menos que os 53% de 2002.
Israel também caiu nas
pesquisas como componente da identidade judaica pessoal dos
respondentes. Quando lhes eram mostrados vários fatores, entre os quais
religião, justiça social e comunidade, ao lado de “preocupação com o
destino de Israel”, e perguntados “quanto, de cada um desses fatores,
pesa no seu sentimento de ser judeu?”, 48% responderam que Israel pesa
“muito”; em 2002, foram 58%. Apenas 57% afirmaram que “a preocupação com
o destino de Israel é parte muito importante do meu sentimento de ser
judeu”; em pesquisa idêntica, de 1989, foram 73%. Pesquisa de 2007,
feita pelo Comitê Judeu Norte-americano [ing. American Jewish Committee]
mostrou que 30% dos judeus sentiam-se “distantes” ou “muito distantes”
de Israel. “No longo prazo”, prevê Cohen, haverá uma “polarização nos
judeus norte-americanos: um grupo cada vez menor de judeus mais
fortemente religiosos cada vez mais ligados a Israel; e um grupo maior,
que se afastará do grupo menor.”
Pesquisa de 2006 mostrou
que, entre os judeus norte-americanos de menos de 40 anos, 1/3
declarou-se “distante” e “muito distante” de Israel; pesquisa de 2007
mostrou que, entre os judeus de menos de 35 anos, 40% declarou “fraca
ligação” com Israel (apenas 20% declararam “forte ligação”).
Surpreendentemente, menos da metade dos respondentes responderam “sim; a
destruição de Israel seria vivenciada como tragédia pessoal.” O
ex-presidente da Agência Judaica [ing. Jewish Agency] fez soar sinal de
alarme, ao divulgar que “menos de 24% dos judeus norte-americanos jovens
participam de organizações judaicas. Menos de 50% dos judeus
norte-americanos com menos de 35 anos sentem-se profundamente ligados ao
povo judeu. Menos de 25% dos judeus norte-americanos com menos de 35
anos autodefinem-se como sionistas.”
Nas universidades
norte-americanas, observa-se a queda no apoio a Israel não só entre os
alunos judeus em geral, mas também, e principalmente, entre os sionistas
reunidos nos Hillels [ing. Hillel Foundation for Jewish Campus
Life][2]. “Alunos universitários judeus são claramente menos ligados a
Israel hoje do que em gerações anteriores”, dizem vários relatórios de
organizações de propaganda pró-Israel. “Israel está perdendo a disputa
pelos corações e mentes dos judeus.” De fato, dos cerca de meio milhão
de alunos judeus que frequentam instituições de ensino superior, “apenas
5% mantêm qualquer conexão com a comunidade de judeus.”
Observa-se a conversão
da ambivalência em aberta oposição em relação a Israel também em outros
setores influentes da sociedade norte-americana, mesmo entre as
vacas-madrinhas da vida intelectual nos EUA e no público de leitores.
Pesquisa recente descobriu que uma maioria de líderes de opinião nos EUA
apóiam Israel “movidos sobretudo por insatisfação com os rumos dos EUA”
em todo o mundo. Em ensaio publicado em 2003 na New York Review of
Books, o historiador judeu Tony Judt escreveu que “a Israel de hoje não é
boa para os judeus” e pôs em dúvida tanto a viabilidade quanto a
desejabilidade de um Estado judeu. John J. Mearsheimer, da Universidade
de Chicago e Stephen M. Walt da Harvard Kennedy School são co-autores de
um importante ensaio, de 2006, no qual atacam a imagem idealizada da
história de Israel e afirmam que Israel está convertida em “risco
estratégico” para os EUA. Livro do ex-presidente Jimmy Carter,
provocativamente intitulado Palestine: Peace Not Apartheid, lamenta a
política de Israel para os Territórios Palestinos Ocupado e culpa
integralmente Israel pela deterioração do processo de paz.
Apesar dos
contra-ataques vitriólicos que o lobby pró-Israel lançou contra aquelas
intervenções – o discurso usual que acusa todos de serem negadores do
Holocausto e antissemitas –, dessa vez os contra-ataques não foram
eficazes.
Quando em 2006 as
pressões do lobby levaram ao cancelamento de uma das palestras já
agendadas de Tony Judt, o caso tornou-se imediatamente cause célèbre nos
círculos intelectuais dos EUA. Críticos de Judt, como Abraham H. Foxman
da ADL, foram descritos como “gente que se esconde atrás de acusações
sem sentido de antissemitismo” e como “anacrônicos”. Carter, por sua
vez, foi acusado de plagiador, de haver sido subornado por xeiques
árabes, de ser antissemita, de fazer apologia do terror, de simpatizante
dos nazistas, e pouco faltou para ser acusado de negar o Holocausto.
Mesmo assim, o livro de
Carter chegou rapidamente à lista dos mais vendidos do New York Times e
lá permaneceu durante vários meses, tendo vendido mais de 300 mil cópias
encadernadas. Embora duramente criticado pelo presidente da
Universidade Brandeis, o ex-presidente Carter foi recebido pelos
estudantes com uma retumbante ovação, ao chegar para falar naquela
universidade judaica tradicional. (E metade da plateia levantou-se e
saiu quando Alan M. Dershowitz, professor de Direito de Harvard,
levantou-se para discursar em resposta à palestra de Carter.)
Mearsheimer e Walt contrataram a publicação de seu livro com a editora
Farrar, Straus and Giroux, e seu livro, The Israel Lobby and U.S.
Foreign Policy, também esteve por muito tempo na lista dos mais vendidos
do Times.
Demonstração extra de
que a sorte de Israel está mudando é que, durante o mandato do
primeiro-ministro Ehud Olmert, nem Foxman nem Elie Wiesel, perene
apoiador de Israel responderam publicamente à evidência de que Israel
não se dedicava suficientemente em busca da paz. A crescente
insatisfação pública em relação à política de Israel nos últimos anos
chegou a ponto de ebulição e converteu-se em indignação manifesta
durante a invasão de Gaza. Apesar da cuidadosamente orquestrada blitz de
propaganda israelense; apesar de a cobertura jornalística ter sido,
como sempre, marcadamente tendenciosa pró-Israel, sobretudo nos
primeiros dias do ataque; e apesar do apoio oficial do ocidente ao
ataque contra Gaza – apesar de tudo isso, houve enormes manifestações de
rua por toda a Europa Ocidental (na Espanha, Itália, França e
Grã-Bretanha), tão grandes que encobriram as pequenas manifestações de
apoio a Israel.
Estudantes ocuparam
universidades por toda a Grã-Bretanha, inclusive nas universidades de
Oxford, Cambridge, Manchester, Birmingham, na London School of
Economics, na School of Oriental and Asian Studies, Warwick, King’s,
Sussex e Cardiff. Mesmo em tradicionais bastiões de apoio a Israel, como
no Canadá, onde é particularmente intenso o viés de apoio a Israel da
extrema direita e do establishment político e da mídia, os mais
diferentes grupos de opinião pública manifestaram-se contra o ataque a
Gaza; e o Sindicato Canadense de Servidores Públicos [ing. Canadian
Union of Public Employees] aprovou moção em que pede um boicote
acadêmico contra Israel.
Declarando depois do
cessar-fogo que “os eventos em Gaza nos chocaram profundamente”, um
grupo dos 16 juízes e investigadores mais experientes do mundo – entre
os quais Antonio Cassese (Primeiro Presidente e Juiz do Tribunal
Criminal Internacional para a ex-Iugoslávia e Chefe da Comissão de
Investigação da ONU para o Darfur) e Richard Goldstone (Promotor-chefe
do Tribunal Criminal Internacional da Comissão de Investigação da ONU
para o Kosovo) – pediram que se instalasse “investigação internacional
que examine as graves violações da legislação internacional de guerra
cometidas pelos dois lados no conflito de Gaza.”
Como sempre,
invariavelmente, os apologistas de Israel atribuíram ao crescimento do
antissemitismo a crescente indignação contra a ação israelense em Gaza.
Deve-se registrar que, como regra geral, quanto mais profundamente
violenta é a conduta criminosa de Israel, mais aumentam, em decibéis, as
‘denúncias’ de antissemitismo. Os judeus estariam enfrentando “uma
epidemia, uma pandemia de antissemitismo”, declarou Abraham H. Foxman.
“É a pior, a mais intensa, a mais global onda de antissemitismo que
nossa memória registra.” Não que esse tipo de diagnóstico seja novidade
para Foxman que, em 2003, não se cansava de repetir que “a ameaça à
segurança do povo judeu é tão grande hoje quanto foi nos anos 30s.”
Como no passado, sempre
aparecem dados de pesquisa que confirmam esses exageros, chamados
“indicadores” das “mais perniciosas noções de antissemitismo”; por
exemplo, uma pesquisa que descobriu que “grandes porções da opinião
pública europeia continua a achar que os judeus falam demais sobre o que
lhes aconteceu no Holocausto.” Segundo um “filósofo” midiático francês,
Bernard-Henri Lévy, qualquer um que ponha em dúvida que o holocausto
nazista “foi um ponto de virada irreversível da história da humanidade”
deve ser considerado antissemita. Na Europa, poucas das manifestações
ditas antissemitas foram além de manifestações covardes ou apenas
desagradáveis, como emails ou graffiti, porque o antissemitismo europeu,
por mais que se deixe ver vez ou outra, empalidece completamente se
comparado à islamofobia no continente. (Observou-se de fato,
recentemente, oposição crescente a judeus e muçulmanos – as duas curvas
parecem estar correlacionadas –, resultado provável do ressurgimento do
etnocentrismo entre os europeus mais velhos, menos letrados e de
orientação política mais conservadora.)
Apesar de tudo, parece
ser verdade que a execução, por um autoproclamado Estado judeu, de
vários ataques assassinos no Líbano e em Gaza, e o apoio que esses
ataques receberam de organizações oficiais de judeus em todo o mundo,
determinaram um muito lamentável – embora absolutamente previsível –
efeito de “respingamento” sobre todos os judeus, que parecem estar
começando a ser, todos, considerados culpados. Se, como o Fórum
Israelense de Coordenação da Luta contra o Antissemitismo [ing. Israeli
Coordination Forum for Countering Anti-Semitism] afirmou “houve claro
aumento no número e na intensidade de incidentes antissemitas” durante o
massacre de Gaza; e se “com o cessar-fogo, houve marcado declínio no
número e na intensidade dos incidentes antissemitas”; e “outro ataque
semelhante à operação em Gaza determinará novo surto de atividade
antissemita contra comunidades em todo o mundo”, então, método eficaz de
combater o antissemitismo parece ser conseguir que Israel suspenda a
prática de massacres.
Também é verdade que o
crescente fosso entre apoio oficial aos belicistas israelenses e a
rejeição popular aos mesmos belicistas parece estar servindo de
combustível a mais teorias antissemitas conspiratórias. Na Alemanha, por
exemplo, o establishment político e a mídia dominante não dão espaço a
qualquer crítica contra Israel por causa do “relacionamento especial”,
ideia que cresce na Alemanha, a partir do que se entende que seja “a
responsabilidade histórica” da Alemanha. A chanceler Angela Merkel
antecipou-se a outros líderes europeus na defesa de Israel durante a
invasão de Gaza. Mesmo assim, pesquisas recentes mostraram que 60% dos
alemães rejeitam a ideia de que os alemães tenham qualquer especial
obrigação com Israel (entre os jovens, a porcentagem chega a 70%); 50%
veem Israel como país agressivo; e para 60% Israel persegue seus
interesses mediante métodos cruéis.
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