Peter Wensierski - Der Spiegel
Continuam a surgir alegações de que o papa Bento 16 pode ter tido conhecimento detalhado de episódios de abuso sexual na Igreja Católica. Em 1996, a Congregação para a Doutrina da Fé, que ele liderava na época, decidiu não punir o padre pedófilo Lawrence Murphy. Com sua autoridade desgastada, por que ele permanece no cargo?
Quando é hora de um papa renunciar? Margaret Kässmann, ex-líder da Igreja Protestante na Alemanha, renunciou em fevereiro, depois de decidir que não possuía mais a autoridade moral necessária para seu cargo depois de ter sido pega dirigindo embriagada. Mas quanta autoridade o papa Bento 16 ainda tem?
Ultimamente, o que restou dela tem desaparecido quase que diariamente. Cada novo detalhe sobre o papel que ele teve na forma como sua igreja lidou com os episódios de abuso sexual a desgasta ainda mais. Mas um papa não renuncia, simplesmente. Ele não é presidente de uma empresa, ou o líder de um partido político – ele é o descendente espiritual direto do apóstolo Pedro.
Teoricamente é possível, segundo a lei canônica. O Cânone 332, parágrafo 2, prevê uma renúncia papal, permitindo ao papa que renuncie quando desejar, sem pedir permissão de ninguém. Mas na longa história da Igreja Católica, é extremamente raro. O papa Celestino 5º foi o último líder da igreja a renunciar – 700 anos atrás.
E ainda que várias vítimas de abuso venham pedindo há tempos pela renúncia de Bento, simplesmente não é papal abrir mão do papado. Em vez disso, o Vaticano prefere rejeitar qualquer acusação que tenha sido feita, determinando-as como infundadas.
Na quinta-feira, era possível observar o reflexo novamente. No caso do padre pedófilo dos Estados Unidos, Lawrence Murphy, o porta-voz do Vaticano Federico Lombardi insistiu que, antes de se tornar papa, Bento, na época conhecido como Joseph Ratzinger, de forma alguma esteve envolvido em um acobertamento. Considerando que o “Padre Murphy era idoso e tinha saúde debilitada”, a Congregação para a Doutrina da Fé, então liderada por Ratzinger, decidiu em 1996 não puni-lo. Murphy, que abusou de cerca de 100 crianças, pôde continuar como padre até sua morte.
“Os culpados em primeiro lugar”
Parece improvável que essa explicação vá reduzir a pressão sobre o papa. O lema da Igreja sempre pareceu ser “os culpados em primeiro lugar”. Eles foram bem cuidados – as vítimas, entretanto, foram deixadas à própria sorte.
Desde 1982 Ratzinger foi responsável por aquela parte do Vaticano que lida com casos de abuso sexual. Quem, se não ele, foi responsável pelo caminho da Igreja?
Você pode trocar o nome de Ratzinger por “Bento”, escreveu o “Der Spiegel” diante da euforia que houve aqui pela eleição de um papa alemão em 2004, mas você não pode tirar o Ratzinger do papa. Desde então, como um papa, ele causou mais danos do que benefícios à sua igreja. Ele tensionou as relações com os judeus diversas vezes, brincou com fogo nas relações entre cristãos e muçulmanos com seu discurso de Ratisbona, enfureceu o povo indígena durante sua viagem à América Latina, irritou os protestantes e se mostrou conciliatório com os negacionistas do Holocausto.
Até católicos fiéis se surpreenderam com as atitudes que ele tem tomado. E agora, alem disso tudo, descobre-se que a área onde ele tem sido consistente nas últimas décadas é na sua negligência em lidar com pedófilos dentro de sua própria instituição.
Na Irlanda ou nos Estados Unidos, os bispos têm encontrado dificuldades para renunciar, mesmo em casos em que seu acobertamento tenha sido desmascarado. E na Alemanha, nenhum bispo caiu pelos graves erros cometidos pela Igreja Católica ali.
Gestão de crises de pequena empresa
A reação até o momento não foi maior do que uma gestão de crises que poderia se ver em uma empresa de médio porte: emitir um pedido de desculpas, criação de uma mesa-redonda para lidar com o problema, estabelecer uma linha direta… não muito mais do que isso. Então como os culpados por trás dos culpados devem ser encontrados? Como devemos erradicar o sistema de encobrimento, silêncio e transferência de pedófilos para outra diocese na Igreja? E quem obrigará a Igreja a abrir seus arquivos para o público?
A experiência das vítimas nos Estados Unidos e na Irlanda nos últimos anos foi ruim. Será que essa experiência se repetirá na Alemanha? O que aconteceu por trás da fachada da Igreja ainda está longe de ser um livro aberto. Só o fato de que vários bispos aqui na Alemanha ajudaram a garantir a continuidade do cartel do silêncio já é razão suficiente para que eles renunciem. A alternativa seria eles virem a público sobre o que sabem e o que fizeram, por mais doloroso e difícil que isso possa ser.
O mal foi perpetrado dentro de uma das mais altas autoridades morais, cujos homens pregaram a partir de seus púlpitos, nos mínimos detalhes, sobre o que é certo e o que é errado.
Mas fica a questão: para que autoridade moral padres e bispos na Alemanha podem se voltar, para continuar a executar suas funções e fornecer às pessoas respostas para as difíceis questões da vida?
Tradução: Lana Lim
Continuam a surgir alegações de que o papa Bento 16 pode ter tido conhecimento detalhado de episódios de abuso sexual na Igreja Católica. Em 1996, a Congregação para a Doutrina da Fé, que ele liderava na época, decidiu não punir o padre pedófilo Lawrence Murphy. Com sua autoridade desgastada, por que ele permanece no cargo?
Quando é hora de um papa renunciar? Margaret Kässmann, ex-líder da Igreja Protestante na Alemanha, renunciou em fevereiro, depois de decidir que não possuía mais a autoridade moral necessária para seu cargo depois de ter sido pega dirigindo embriagada. Mas quanta autoridade o papa Bento 16 ainda tem?
Ultimamente, o que restou dela tem desaparecido quase que diariamente. Cada novo detalhe sobre o papel que ele teve na forma como sua igreja lidou com os episódios de abuso sexual a desgasta ainda mais. Mas um papa não renuncia, simplesmente. Ele não é presidente de uma empresa, ou o líder de um partido político – ele é o descendente espiritual direto do apóstolo Pedro.
Teoricamente é possível, segundo a lei canônica. O Cânone 332, parágrafo 2, prevê uma renúncia papal, permitindo ao papa que renuncie quando desejar, sem pedir permissão de ninguém. Mas na longa história da Igreja Católica, é extremamente raro. O papa Celestino 5º foi o último líder da igreja a renunciar – 700 anos atrás.
E ainda que várias vítimas de abuso venham pedindo há tempos pela renúncia de Bento, simplesmente não é papal abrir mão do papado. Em vez disso, o Vaticano prefere rejeitar qualquer acusação que tenha sido feita, determinando-as como infundadas.
Na quinta-feira, era possível observar o reflexo novamente. No caso do padre pedófilo dos Estados Unidos, Lawrence Murphy, o porta-voz do Vaticano Federico Lombardi insistiu que, antes de se tornar papa, Bento, na época conhecido como Joseph Ratzinger, de forma alguma esteve envolvido em um acobertamento. Considerando que o “Padre Murphy era idoso e tinha saúde debilitada”, a Congregação para a Doutrina da Fé, então liderada por Ratzinger, decidiu em 1996 não puni-lo. Murphy, que abusou de cerca de 100 crianças, pôde continuar como padre até sua morte.
“Os culpados em primeiro lugar”
Parece improvável que essa explicação vá reduzir a pressão sobre o papa. O lema da Igreja sempre pareceu ser “os culpados em primeiro lugar”. Eles foram bem cuidados – as vítimas, entretanto, foram deixadas à própria sorte.
Desde 1982 Ratzinger foi responsável por aquela parte do Vaticano que lida com casos de abuso sexual. Quem, se não ele, foi responsável pelo caminho da Igreja?
Você pode trocar o nome de Ratzinger por “Bento”, escreveu o “Der Spiegel” diante da euforia que houve aqui pela eleição de um papa alemão em 2004, mas você não pode tirar o Ratzinger do papa. Desde então, como um papa, ele causou mais danos do que benefícios à sua igreja. Ele tensionou as relações com os judeus diversas vezes, brincou com fogo nas relações entre cristãos e muçulmanos com seu discurso de Ratisbona, enfureceu o povo indígena durante sua viagem à América Latina, irritou os protestantes e se mostrou conciliatório com os negacionistas do Holocausto.
Até católicos fiéis se surpreenderam com as atitudes que ele tem tomado. E agora, alem disso tudo, descobre-se que a área onde ele tem sido consistente nas últimas décadas é na sua negligência em lidar com pedófilos dentro de sua própria instituição.
Na Irlanda ou nos Estados Unidos, os bispos têm encontrado dificuldades para renunciar, mesmo em casos em que seu acobertamento tenha sido desmascarado. E na Alemanha, nenhum bispo caiu pelos graves erros cometidos pela Igreja Católica ali.
Gestão de crises de pequena empresa
A reação até o momento não foi maior do que uma gestão de crises que poderia se ver em uma empresa de médio porte: emitir um pedido de desculpas, criação de uma mesa-redonda para lidar com o problema, estabelecer uma linha direta… não muito mais do que isso. Então como os culpados por trás dos culpados devem ser encontrados? Como devemos erradicar o sistema de encobrimento, silêncio e transferência de pedófilos para outra diocese na Igreja? E quem obrigará a Igreja a abrir seus arquivos para o público?
A experiência das vítimas nos Estados Unidos e na Irlanda nos últimos anos foi ruim. Será que essa experiência se repetirá na Alemanha? O que aconteceu por trás da fachada da Igreja ainda está longe de ser um livro aberto. Só o fato de que vários bispos aqui na Alemanha ajudaram a garantir a continuidade do cartel do silêncio já é razão suficiente para que eles renunciem. A alternativa seria eles virem a público sobre o que sabem e o que fizeram, por mais doloroso e difícil que isso possa ser.
O mal foi perpetrado dentro de uma das mais altas autoridades morais, cujos homens pregaram a partir de seus púlpitos, nos mínimos detalhes, sobre o que é certo e o que é errado.
Mas fica a questão: para que autoridade moral padres e bispos na Alemanha podem se voltar, para continuar a executar suas funções e fornecer às pessoas respostas para as difíceis questões da vida?
Tradução: Lana Lim
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