Por Vanessa Ramos
Da Página do MST
O 2º Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), elaborado durante o
primeiro mandato do presidente Lula, previa desapropriar 30 milhões de
hectares de terras para assentar um milhão de famílias. Tratava-se,
portanto, de desapropriar uma quantidade grande de terras, hoje nas mãos
de latifundiários.
No entanto, inúmeros tropeços e dificuldades enfrentados pelo
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) prejudicaram
a implementação das medidas que garantiriam a desapropriação das
terras.
Em 2009, por exemplo, o governo assentou de fato 23 mil famílias
apenas, segundo Ariovaldo Umbelino, professor de Geografia Agrária da
Universidade de São Paulo (USP).
Para ele, o papel desempenhado pelo Incra continua o mesmo dos tempos
do governo do Fernando Henrique, Itamar Franco, Fernando Collor de
Mello e no governo militar. “O Incra só fez assentamento onde há pressão
e conflito. Do contrário, ele nunca esteve empenhado em cumprir o que o
plano estabelecia”, diz.
Função social
A Constituição brasileira, promulgada em 1988, determina no artigo
186 que um latifúndio será desapropriado sempre que o proprietário não
fizer um aproveitamento racional e adequado; não preservar o meio
ambiente; desrespeitar as leis trabalhistas e prejudicar o bem-estar
social.
De acordo com Valdez Adriani Farias, procurador federal do Incra de
Santa Catarina, somente depois do lançamento da 2º PNRA, o alvo da
Reforma Agrária passou a ser na prática não só as terras improdutivas,
mas também aquelas em que o proprietário descumpria a sua função social,
ou seja, as leis trabalhistas, ambientais e de bem-estar.
“O Incra vem sendo orientado para fazer a fiscalização de todos estes
aspectos. Até então, a função social era reduzida apenas ao aspecto
econômico, de forma que o imóvel considerado produtivo ficava imune à
desapropriação ou sanção, mesmo que a exploração do imóvel se desse em
afronta as leis ambientais ou até mesmo com trabalho escravo. Uma
interpretação, obviamente, absurda”, aponta Valdez.
No entanto, a primeira área desapropriada pelo Incra por desrespeitar
a legislação ambiental foi a Fazenda Alegria, em Felisburgo, em 2009.
Nessa área, foram mortos cinco Sem Terra seis anos atrás. O
latifundiário ainda tenta suspender o processo na Justiça.
Em relação às questões trabalhistas, a Proposta de Emenda
Constitucional 438/2001, que prevê o confisco de terras de
latifundiários que exploram trabalho escravo, está parada aguardando
votação desde 2004 na Câmara dos Deputados.
Nesse quadro, foram assentadas muito menos famílias do que o
esperado. Cerca de 220 mil famílias em oito anos, sustenta Umbelino. No
segundo mandato, a situação ficou ainda pior, porque não foi elaborado
um novo plano nacional. “O governo se descompromissou em fazer a Reforma
Agrária e passou a adotar uma política de contra Reforma Agrária”,
avalia o professor da USP.
Segundo o Dr. Rosinha, deputado federal do PT-PR, o Incra tem de fato
ainda muitas dificuldades de implementar medidas de desapropriação de
terras no Brasil. Para ele, não é falta de vontade política, mas
ausência de quadros de funcionários.
“Hoje o número de funcionários do Incra é insuficiente para a
viabilização todo um programa de Reforma Agrária, mesmo que tenha maior
disponibilidade orçamentária, o número de funcionário não daria conta de
executar as tarefas”, informa.
Poder Judiciário
Para Umbelino, o Brasil tem leis suficientes para resolver os
problemas da estrutura agrária do país. “A questão é que o Ministério
Público não fez ações para obrigar o Incra a fazer a Reforma Agrária. O
que está faltando é isso, pressão do Ministério Público”, conta.
Contudo, os instrumentos postos à disposição do Incra podem ser mais
eficientes, na opinião de Valdez. Alguns precisam ser reformulados e
outros melhor compreendidos ou potencializados.
Por exemplo, um dos instrumentos a ser utilizado pelo órgão é a
aquisição de imóveis pela modalidade compra e venda. Este método vem
sendo pouco utilizado porque a forma de pagamento se dá em condições e
prazos parecidos com a desapropriação ou a sanção, que não são bem
aceitos pelo mercado imobiliário.
“Sendo a compra um ato que depende da concordância do vendedor,
poucos proprietários concordam em vender os imóveis nas condições e
prazos previstos no Dec. 433/92. Este instrumento, que é complementar à
desapropriação, poderia ser potencializado com uma reformulação no
sentido de prever prazos e condições condizentes como mercado de
terras”, explica o procurador federal.
Ainda na opinião do procurador, esse instrumento propicia vantagens.
Uma delas é que o Incra utilizaria essa ferramenta somente para comprar
terras de qualidade e localizadas próximas aos grandes centros ou com
fácil escoamento da produção.
Além disso, seria possível evitar a judicialização, ou seja, compra e
venda são encerradas com uma escritura pública. Outro benefício é a
possível diminuição de pagamentos dos pesados juros compensatórios e
moratórios que incidem nos processos judiciais de desapropriação.
“Mas repito, este instrumento é complementar à desapropriação e não
pode substituí-la. A desapropriação-sanção deve ser o principal
instrumento do Incra para aquisição de imóveis. Mas a eficiência desse
instrumento depende da atualização dos índices de produtividade, que
como sabemos estão muito defasados, pois estão baseados no Censo
Agropecuário de 1975”, reforça Valdez.
Assim, a eficiência do instrumento da desapropriação depende,
sobretudo, de uma mudança de entendimento que predomina no âmbito do
Judiciário.
A Lei Complementar 76/93, no artigo 18, ordena que o processo
judicial de desapropriação por interesse social para fins de Reforma
Agrária tem caráter preferencial e prejudicial em relação a outros
processos que envolvam o imóvel.
“A Constituição é clara, mas a maioria esmagadora dos juízes que
possuem visão eminentemente civilista continua suspendendo os processos
de desapropriação em clara afronta à Constituição e à Lei Complementar”,
afirma o promotor.
Por essa razão, os processos se prolongam por vários anos, o que
atrasa consideravelmente a implantação da Reforma Agrária, além de
elevar os custos, pois as indenizações acabam incidindo pesados juros
compensatórios.
Perspectivas
A solução definitiva desses problemas depende, segundo Valdez, da boa
vontade do Poder Judiciário em aplicar a Constituição e a Lei
Complementar que ordena que o processo de desapropriação deva ter
trâmite preferencial.
Para ele, os problemas burocráticos existem, mas podem ser resolvidos
com gestão. E completa ao dizer que não é concebível “que um processo
que encerra uma urgência e tem em vista o atendimento de um interesse
social, já declarado pelo Presidente da República, fique no aguardo do
desfecho de uma ação declaratória de produtividade ajuizada pelo
proprietário do imóvel”.
Um levantamento realizado pela Procuradoria do Incra informa que
existem mais de 200 processos de desapropriação suspensos em face desse
entendimento que, de acordo com o procurador federal do Incra,
simplesmente desconsidera a previsão constitucional e legal.
“Portanto, penso que a realização da Reforma Agrária depende de
vontade política e de uma efetiva atuação dos três poderes da República.
Por outro lado, é fundamental a existência dos movimentos sociais
organizados reivindicando a efetivação da Constituição da República”,
finaliza Valdez.
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