Um colega de um grande veículo de comunicação me perguntou,
na manhã de hoje, qual minha posição sobre uma discussão que ganhou
algumas redações: por que a polícia não metralhou os 200 traficantes da Vila Cruzeiro
quando estes corriam em fuga após a entrada dos blindados da Marinha na
comunidade. Segundo ele, parte das opiniões culpou a “turma dos
direitos humanos”, que iria chiar internacionalmente quando a contagem
de corpos terminasse, manchando a imagem do Rio de Janeiro (como se o
Estado precisasse de ajuda para isso). Outra acredita que as câmeras
presentes nos helicópteros da Globo e da Record que sobrevoavam a área –
e foram alvo de reclamações do Bope pelo twitter (ah, esse admirável
mundo novo…) – impediram um massacre. Uma terceira falou das duas ao
mesmo tempo.
De qualquer maneira, o problema em questão não é de que o “Estado não
pode usar método de bandido sob o risco de se tornar aquilo que
combate”, mas sim de que “droga, tem alguém olhando”. Muita gente torceu
para que os criminosos em fuga fossem executados sumariamente. Ao mesmo
tempo, parte da imprensa (e não estou falando dos programas
sensacionalistas espreme-que-sai-sangue) parece vibrar a cada pessoa
abatida na periferia, independentemente quem quer que seja. Jornalistas,
cuja opinião respeito, optaram pela saída fácil do “isso é guerra e, na
guerra, abre-se exceções aos direitos civis”, tudo em defesa de uma
breve e discutível sensação de segurança. Afe.
Relembrar é viver: as batalhas do tráfico sempre aconteceram longe
dos olhos da classe média e da mídia, uma vez que a imensa maioria dos
corpos contabilizados sempre é de jovens, pardos, negros, pobres, que se
matam na conquista de territórios para venda de drogas ou pelas leis do
tráfico. Os mais ricos sentem a violência, mas o que chega neles não é
nem de perto o que os mais pobres são obrigados a viver no dia-a-dia.
Mesmo no pau que está comendo hoje no Rio, sabemos que a maioria dos
mortos não é de rico da orla, da Lagoa, da Barra ou do Cosme Velho.
Considerando que policiais, comunidade e traficantes são de uma mesma
origem social, é uma batalha interna. Então, que morram, como disseram
alguns leitores esquisitos que, de vez em quando, surgem neste blog
feito encosto.
De tempos em tempos, essa violência causada pelo tráfico retorna com
força ao noticiário, normalmente no momento em que ela desce o morro ou
foge da periferia e no, decorrente, contra-ataque. Neste momento, alguns
aproveitam a deixa para pedir a implantação de processos de “limpeza
social”. Já bloqueei comentários que, praticamente, pediam que os
moradores de favelas fossem retirados do Rio.
Quando a atual onda de violência acabar, gostaria que fossem tornados
públicos os exames dos legistas. Afinal de contas, acertar um tiro na
nuca de um suspeito no meio de um confronto armado demanda muita
precisão do policial – e depois registrar o ocorrido como auto de
resistência demanda criatividade. Em 2007, a polícia chegou chegando nos
morros, cometendo barbaridades, sem diferenciar moradores e
traficantes, sem perguntar quem era quem. Duas dezenas de pessoas
morreram. Naquele momento, o Rio optou pelo caminho mais fácil do
terrorismo de Estado ao invés de buscar mudanças estruturais (como
garantir qualidade de vida à população para além de força policial dia e
noite) para viabilizar os Jogos Panamericanos. Imagina agora com a Copa
e as Olimpíadas então. Dose dupla.
Ninguém está defendendo o tráfico, muito menos traficantes (defendo a
descriminalização das drogas como parte do processo de enfraquecimento
dos traficantes, mas isso é história para outro post). O que está em
jogo aqui é que tipo de Estado queremos e o tipo de sociedade que
estamos nos tornando. Muitas das ações que estão ocorrendo vão criar uma
sensação de segurança na população passageira e irreal, que vai durar
até a próxima crise.
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