Felipe Deveza
Vestido com roupas típicas dos charros
mexicanos, por baixo de um enorme sombrero e uma carabina na mão,
Emiliano Zapata foi aguerrido defensor dos princípios revolucionários
que mobilizaram os camponeses mexicanos.
Como um dos principais
símbolos da Revolução que sacudiu o México cem anos atrás, Zapata
representou em sua própria imagem uma das faces mais radicais deste
processo, a luta camponesa pela democratização da terra.
O capitalismo na América Latina tem uma
história diferente do que na Europa, aparece de fato no final do
século XIX, quando os grandes monopólios capitalistas influenciavam os
governos e avançavam sobre outros países. Os ingleses e franceses
dividiam a África, a Ásia era disputada por russos, ingleses, japoneses e
franceses e a América Latina sofria a expansão do grande irmão do
norte, que no México apoderava-se das minas, dos portos, do petróleo e
da agricultura.
Porfírio Diaz, o presidente que a
Revolução Mexicana varreria do país, abriu as portas para o capital
estrangeiro e o latifúndio cresceu sobre as pequenas propriedades e as
terras comunais dos camponeses e indígenas.
A luta dos camponeses do sul, da qual
Zapata foi o principal líder, começou com a reivindicação de antigos
títulos das propriedades tomadas pelos latifundiários durante o regime
de Porfírio Diaz, reivindicando a repartição dos latifúndios e a
manutenção das propriedades comunais, os Ejidos.[1]
Nascido na pequena localidade de
Anenecuilco, no Estado de Morelos, a cerca de 100 quilômetros do centro
da Cidade do México, Zapata começou sua atividade revolucionária como
representante eleito da junta de defesa das terras de sua comunidade,
formando um pequeno exército, que em 1910 apoiaria o liberal Francisco
Madero contra Porfírio Diaz. Após a fraude eleitoral, Zapata atendeu o
chamado às armas de Madero, sublevou-se em Morelos e controlou parte da
região.
Madero foi uma continuidade de Porfírio
Diaz com um verniz liberal, não entregou as terras aos camponeses e nem
sequer modificou a estrutura do Estado e do Exército. Grande parte dos
antigos militares e funcionários porfiristas continuaram no governo.
Plano de Ayala e a Revolução Agrária
A partir desse momento os
revolucionários comandados pelo então General Zapata anunciam, em
novembro de 1911, o Plano de Ayala, um programa de Revolução Agrária que
não reconhece a legitimidade do governo de Madero, tratando-o como
traidor; e proclama a imediata restituição das terras roubadas pelos
latifundiários e a distribuição dos latifúndios entre as comunidades,
ejidos e camponeses pobres.
Influenciado pelos ideais anarquistas
propagados pelo jornal La Regeneración, de Ricardo Flores Magón, Zapata
eleva a luta dos camponeses mexicanos a uma guerra persistente contra a
tirania, adota o lema "Terra e Liberdade" e, no sul do México, passa a
agrupar homens em torno da democratização da terra.
A frente do Exército Libertador do Sul,
que chegou a ter quase 30 mil homens em armas, os zapatistas não fizeram
concessões, desconheceram Madero e logo depois, o governo de Huerta,
que derrubou e matou Madero. Com a posterior derrota de Huerta, também
não aliou-se a Venustiano Carranza. Enfim, Zapata não aceitou remendos
no programa aprovado pelos camponeses de Morelos, sublevando-se contra
um após outro presidente que não reconhecia os termos da Revolução
Agrária que representava e pela qual lutava o Exército Libertador do
Sul.
Em 1914, após desferirem inúmeras
derrotas ao exército do Governo (chamado de "federais"), Pancho Villa
desde o norte e Zapata a partir do sul entraram com as suas tropas na
capital mexicana e tomaram o Palácio do Governo. Pela primeira vez na
história dois camponeses com programas radicais de reforma agrária e
democracia popular conseguiam formar exércitos e conquistar o poder
central. A aliança dos dois generais populares prometia novas
perspectivas para o México revolucionário. Esse é o momento clímax de
toda a história da revolução mexicana e que suscita importantes debates e
controvérsias. Por que a revolução não avançou, não transformou de
maneira radical a estrutura social mexicana e instaurou algo próximo ao
que depois conheceríamos como socialismo? Muitos explicam o retrocesso
posterior pelos limites políticos do campesinato e sua falta de
maturidade política para exercer o poder. Outros pelos limites do
ideário anarquista que influenciava os comandantes zapatistas.
O professor de história Adolfo Gilly
afirmaria que após a retirada de Villa e Zapata a Revolução Mexicana
estaria interrompida, retrocedendo e se institucionalizando aos moldes
dos governos burgueses, não seguindo o rumo das transformações sociais
radicais que a aliança entre os dois generais populares parecia
prometer.
Carranza e o General Obregón conseguem
imprimir uma derrota à Divisão Norte de Pancho Villa em Celaya,
obrigando-o a retornar ao norte. Zapata retrocede suas tropas ao Estado
de Morelos e Obregón retoma a Capital. Os zapatistas, durante vários
anos, mantêm suas posições em Morelos desde seu quartel em Tlaltizapan.
Com a cooptação de parte das lideranças, os zapatistas vão perdendo
posições, perdem o controle de Cuernavaca e passam à resistência
guerrilheira.
O General Jesus Guajardo, fingindo
simpatizar-se com a causa zapatista, marca um encontro com Zapata na
fazenda de Chinameca, em Morelos. Guajardo arma uma emboscada e Zapata é
assassinado com centenas de tiros. Essa traição é lembrada como uma das
maiores da história mexicana. Até hoje um muro cravejado pelas balas
que foram em direção ao revolucionário e uma estátua de Zapata montado
em seu cavalo ornamentam orgulhosamente o centro do povoado de
Chinameca.
Zapata e a questão do poder
Zapata viveu o interregno entre duas
épocas, antes e depois da Revolução Russa de 1917: entre os ideais
anarquistas, a expansão imperialista estadunidense e a primeira
experiência socialista da história.
Para os anarquistas da época de Zapata,
alguns mitos acerca do poder faziam parte fundamental da doutrina
anarco-sindicalista e parecem ter influenciado os revolucionários, e em
parte explicam a derrota do movimento de Zapata.
No caso de Flores Magón, o mais
influente anarquista do país e inspirador da parte mais radical da
Revolução Mexicana, o Estado era o grande mal, origem de toda corrupção,
ganância e imoralidade. A redenção mesclava anarquia com comunalismo
indígena. O Estado Maior zapatista estava influenciado por esse tipo de
concepção e naturalmente mirava com muita desconfiança o exercício do
poder.
Emiliano Zapata controla a capital ao
lado de Pancho Villa, mas não toma o poder, toma o palácio do governo
sob custódia, senta na cadeira presidencial, depois observa Pancho Villa
sentado nela e ambos se retiram, deixando o exercício do poder para a
pequena burguesia, que logo compõe com antigos inimigos e retrocede em
grande parte as conquistas da Revolução.
Tanto Zapata, como Pancho Villa jamais
aceitaram por muito tempo cargos executivos na administração das áreas
que liberavam com seus exércitos. Governar e como governar não estava
definido no programa zapatista. Não exerceram o poder e logo que
puderam, os que governaram em seu lugar retomaram o controle militar,
cooptaram lideranças, e institucionalizaram a antiga ordem social com um
verniz democrático.
É claro que as massas populares que se
levantaram em armas, particularmente os camponeses, não retornariam as
suas casas sem nada. O antigo sistema porfirista fora profundamente
abalado. O regime que surgiria depois da Revolução iria ano após ano
reestruturando antigos privilégios, mas precisou conceder algumas
conquistas sociais ao povo mexicano, como as oito horas de trabalho
semanal e o salário mínimo.
A luta de Zapata não foi em vão,
garantiu anos depois que muitas terras reclamadas pelos camponeses
permanecessem no sistemas de ejidos, onde a terra é trabalhada de
maneira coletiva e sua propriedade inalienável. Os camponeses que
seguiram Zapata jamais baixaram suas armas completamente, volta e meia
uma rebelião camponesa surge, reivindica a memória de Zapata e segue a
luta pela democratização das terras.
Atualmente o governo pró-gringo de
Calderón tem organizado diversos festejos em comemoração ao centenário
da Revolução Mexicana, mas Emiliano Zapata, pelo que representa, é
menos propagandeado que outros personagens da história mexicana, como os
heróis da independência, Morelos e Hidalgo. Em plenas comemorações do
centenário, o pequeno museu que fica ao lado de onde assassinaram Zapata
está praticamente abandonado. Mas, independente do governo, o povo
mexicano, e particularmente os camponeses de Morelos não esquecem a luta
de Zapata, e por muitos lugares seguem cantando nos Corridos, uma
espécie de Cordel mexicano, as façanhas do General.
Traduzimos trechos de dois famosos Corridos. Um apresenta o Plano de Ayala e outro que fala de Zapata quando criança.
Corrido do Plano Ayala
(Corrido del plan Ayala)
Autor: Leonardo Kosta
Em mil novecentos e onze
antes do Natal
O general Emiliano
lançou o plano libertador
Foi na Vila de Ayala
que o Exército do Sul
pôs em letra e em papel
o que em pólvora escreveu
Porque Francisco Madero
aprisionou a liberdade
que com canhões e sangue
o povo conquistou
Não derramamos o sangue
para entregar-lhe o poder
nem para que nos governe
sua mesquinha vontade
Por isso o chefe Zapata
logo o desconheceu
porque a pele de ovelha
o lobo já a tirou
Não queremos acordos
com a gente do patrão
mais vale andar sós
que com tanto safado
A palavra de Emiliano
diz que agora sim nos dão
toda a terra e a água
que usurpou tanto ladrão
Que vivam todas as comunidades
com esta revolução
que morram as fazendas,
os senhores e os patrões.
Corrido do pequeno Zapata
(Corrido de Zapata niño)
Venho cantar aos senhores
uma nova novidade
é que Zapata está vivo,
mas vivo de verdade.
Quando os velhos proseiam
estórias que o vento levou
gostam de falar de Zapata
que muito pequeno se anunciou
Cuida o povo da sua lenda
com cuidadoso fervor.
desbasta, vai polindo
e guarda em uma canção.
(...)
Nos diz e anda dizendo
algum velho dizedor
que Zapata muito cedo
se destacou um libertador.
Em Anenecuilco foi,
miserríssima comunidade
perto da Vila de Ayala
onde Zapata nasceu.
Sendo muito pequeno, nos dizem,
Emiliano presenciou
como espoliava o pai
a injustiça do patrão.
(...)
Zapata, a criança, não entende
a injustiça do patrão:
Como o toma a terra?
Quando aqui sempre viveu?
Zapata criança prega
ao peão à união
e recuperar a terra
que a cobiça tomou.
Não seja idiota, disse o pai.
Tudo pode o senhor.
Tudo têm os amos
Ao índio, só a dor
Então disse Zapata,
com surpreendente decisão:
Quando eu for grande,
a terra, a tomarei do patrão!
Zapatistas de ontem e de hoje
Originalmente o termo zapatismo denominava às tropas comandadas por
Emiliano Zapata e seus seguidores, relacionados posteriormente ao
agrarismo mexicano.
Desde 1994, quando um grupo guerrilheiro denominado Exército
Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) levantou-se em armas em Chiapas,
o termo zapatismo tem se confundido com esse grupo.
Atualmente os neo-zapatistas, como também são conhecidos,
encontram-se cercados pelo exército, mantendo certa simpatia
internacional, mas sem um projeto revolucionário e uma perspectiva
concreta para o México.
Referências:
CÓRDOVA, Arnaldo. La ideologia de la Revolución Mexicana , México, DF: ERA, 1991.
GILLY, Adolfo. La Revolución Interrumpida, México: Era, 2007.
KATZ, F. La guerra secreta en México. México: Era, 1981.
REED, John. Mexico Rebelde , Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
TAIBO II, Paco Ignacio. Pancho Villa - Uma Biografia , São Paulo: Planeta, 2007.
WOMACK, John. Zapata y la Revolución Mexicana, Mexico: Siglo Veintiuno, 1985.
Corridos: Zapata Hoy. Disco de Pilar
Pellicer y Tribu. 1980. Todo o corrido, inclusive com som está
disponível na internet:
http://www.bibliotecas.tv/zapata/corridos/corr01.html
[1] Ejidos - Em diversos países da América Latina, formas de
propriedade coletiva da terra sobreviveram à conquista, ao período
colonial e chegaram ao século XX. No Peru e Bolívia essas terras da
comunidade e trabalhadas coletivamente têm o nome de Ayllu. No México
são denominadas de Ejidos.
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