Criação de novo partido pode levar ao abandono da violência e ser crucial para uma solução pacífica
Pequena nação encravada no norte da Espanha (e com ramificações no
sul da França), o País Basco sempre esteve nas primeiras páginas dos
jornais espanhóis. Seja pela sua encarniçada luta contra o regime
franquista ou pela sua insistente luta por independência, os Bascos
sempre foram destaque e grandes responsáveis por mudanças históricas em
todo o Estado.
Há pelo menos 50 anos a ETA (Euskadi Ta Askatasuna, ou Pátria Basca e
Liberdade, em língua basca) vem lutando contra o Estado Espanhol com o
objetivo de conseguir a independência total do que chamam de Euskal
Herria, ou País Basco e, para isto, se valem de extrema violência
respondida na mesma mesmo medida pelas forças de segurança espanhola
que, nos anos 80, chegaram até mesmo a formar grupos terroristas de
direita para assassinar políticos bascos destacados.
Depois de décadas de luta, mortes, casos incontáveis de tortura e
desaparecimentos, a ETA vem mostrando sinais de que pretende abandonar
as armas e participar apenas da luta no campo político institucional.
Desde a redemocratização espanhola (entre 77 e 79) que a ETA tem no
Batasuna (“Unidade”) seu braço político. Ele chegou a angariar, em seu
auge, cerca de 20% dos votos na chamada Comunidade Autônoma Basca, mas,
desde 2002, se encontra ilegalizado pelo Tribunal Superior Espanhol sob
acusação de ser o mesmo que a ETA. Todas as tentativas da militância de
Esquerda Nacionalista ou Patriota (chamada localmente de Izquierda
Abertzale) de fundarem novos partidos é barrada por este mesmo tribunal.
Virtualmente, cerca de 20% da população basca se encontra sem a
possibilidade de se ver representada no parlamento basco e espanhol
desde que, em 2008, o Partido Comunista das Terras Bascas (EHAK, em
basco) foi ilegalizado por ser alegadamente uma continuação do Batasuna,
logo, parte da ETA.
Desde então, diversas tentativas de fundar um novo partido esbarraram
não só nas negativas dos tribunais espanhóis, mas também nas ações
policiais contra os militantes nacionalistas (o que levou à prisão do
maior número de pessoas ligadas à esquerda nacionalista desde o regime
de Franco) e também na insistência da ETA em não abandonar a violência.
Em 2010, porém, a ETA deu os primeiros sinais de que estava pronta a
se desarmar quando declarou cessar-fogo e aceitou a mediação
internacional de um grupo composto por diversos ganhadores do Prêmio
Nobel – como Mandela, Desmond Tutu e Mary Robinson, capitaneados pelo
negociado sul-africano Brian Currin – e apoiou a assinatura da chamada
Declaração de Bruxelas, onde acordou respeitar os chamados Princípios
Mitchell e apoiar uma verificação internacional e independente de seu
desarmamento.
Segundo Paul Rios, coordenador da organização Lokarri e responsável
por levar à frente o processo de paz, a trégua veio em meio à intensa
negociação envolvendo não só diversos atores, mas também devido a forte
resistência por parte de políticos e de cidadãos, cansados da violência.
Ele ainda acrescenta que nada “pode garantir que o cessar-fogo da ETA
seja definitivo, porém é difícil que aconteça um novo atentado”.
Para Pello Urizar, deputado pelo partido nacionalista EA (Social
Democracia Basca), a ETA “entrou em um caminho sem volta” e que é hora
de começar a negociar seu fim.
Apesar da descrença do governo espanhol (comandado pelos Socialistas
do PSOE) e da franca oposição dos pós-franquistas do Partido Popular, a
ETA e os remanescentes do Batasuna continuaram a seguir no caminho da
via pacífica e da concordância.
Jesús Egiguren, presidente do Partido Socialista no País Basco foi um
dos poucos ligados a partidos não-nacionalistas a apoiar a iniciativa
de negociação com o grupo radical, o que o fez entrar em rota de
conflito com o resto de seu partido. Na época, Eguiguren chegou a
declarar que “o Batasuna recuperou a liderança no mundo nacionalista e
está condicionando a atividade armada da ETA”.
Depois de meses de conversas e consultas com as bases sociais da
Esquerda Nacionalista, no dia 07 de fevereiro de 2011, antigos membros
do Batasuna e militantes históricos apresentaram o estatuto de um novo
partido político que tem por objetivo superar a barreria legal imposta a
esta significativa parcela da população pela Lei de Partidos, o
instrumento utilizado tanto pela oposição pró-Espanha quanto pela
justiça para ilegalizar o Batasuna e partidos tributários.
No dia seguinte o nome do novo partido foi divulgado: Sortu, que significa “recomeço” em Basco.
A Lei de Partidos explicita a necessidade de uma condenação completa e
irrestrita de qualquer tipo de violência, buscando claramente
dificultar a sobrevivência de qualquer partido que possa servir como
braço de grupos armados. Segundo interpretações de tribunais superiores,
o Batasuna seria, inegavelmente, braço da ETA, logo, não cumpriria com
os preceitos básicos para ser legal.
O estatuto – e o discurso – do novo partido, redigido pelo advogado
nacionalista Iñigo Iruin, porém, foi pensado para conseguir superar esta
barreira e deixa explícito em diversos momentos o rechaço frontal a
qualquer tipo de violência política e abre o caminho para futuras
condenações caso a ETA resolva quebrar o acordo de não mais cometer
atentados.
Iruin deixou claro que “a intensidade do rechaço a toda violência
presente no estatuto do novo partido, deve bastar para acabar com
qualquer presunção de conivência com a violência ou com organizações
ilegalizadas”.
Não foi a primeira vez que a ETA declarou um cessar-fogo e alguns
meses depois voltou a cometer atentados, ainda que desta vez os
compromissos assumidos pelo grupo tenham ido mais longe do que nunca e
existam sinais de que será duradouro.
Paul Rios se mostrou extremamente otimista com a oportunidade que se
abre, ainda que este sentimento não seja unânime sequer entre aqueles de
seu entorno. Depois de diversas tréguas e tentativas frustradas de
superar o conflito político, os sentimentos são ambíguos. O
primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodrigues Zapatero, chegou a
comentar que a Esquerda Nacionalista “nunca tinha dado um passo assim”
em direção a um repúdio tão explícito da violência.
Alfredo Rubalcaba, ministro do Interior, afirmou ter visto uma
“melhora significativa” na postura dos ex-membros do Batasuna e que
esta é a “primeira vez” que tomam atitude firme e, em geral, o clima é
de muita expectativa sobre a decisão da justiça espanhola sobre a
possível legalização da formação.
Andoni Ortuzar, parlamentar no nacionalista PNV (Partido Nacionalista
Basco) deu as boas vindas ao novo partido, felicitando-os pela
iniciativa de rechaçar a violência, dizendo “antes tarde do que nunca,
antes tivessem feito isto há 35 anos!”.
À direita, Antônio Basagoiti, presidente da seção basca do PP não é
apenas cético como virulento em suas críticas contra a nova formação,
que acusa de ser insuficiente em seu comprometimento com a paz e
declarações. Em comunicado oficial, o PP se limitou a declarar que o
partido que nasce “é o mesmo Batasuna de sempre”.
O vice-secretário de comunicações do PP, Esteban Gonzáles Pons,
chegou a ser ainda mais crítico, declarando que “legalizar o Batasuna
seria como se os aliados fizessem um pacto com os Nazistas ao entrar em
Berlin”.
O novo partido, porém, ainda é um embrião e precisa passar não só
pelo crivo da justiça, mas também pelo crivo da própria militância. O
jornalista José Luis salgado acrescenta que “apesar da claridade com que
o [partido] Sortu cumpre com os requisitos exigidos na lei de
partidos, sua legalização terá ainda de ser referendada pela justiça
espanhola”, ao que Ignácio Escolar completa, afirmando que os
descontentes não podem fazer nada “além de novamente pedir a ilegalidade
do partido à justiça”, porque desta vez “nenhuma lei conhecida” pode
proibir o novo partido de participar das eleições.
Resta agora aos promotores do novo partido, Sortu, esperar por uma
decisão da justiça espanhola sobre a possibilidade ou não de concorrerem
a cargos nas próximas eleições, marcadas para maio. Resta também a
incógnita se a ETA irá regressar ao terrorismo ou irá fazer alguma
declaração dando apoio à tese da Esquerda Nacionalista de que o grupo
logo irá se dissolver.
Como comentado pelo historiador Iñaki Egaña, porém, a história da ETA
é cheia de separações e rachas, e pouco se pode prever para o futuro do
grupo.
CartaCapital entrevistou Paul Rios, coordenador da Lokarri:
CartaCapital (CC): Agora é possível falar em uma trégua
definitiva da ETA e que a sociedade Basca poderá seguir pela via
pacífica?
Paul Rios (PR): Não posso garantir totalmente que o
cessar-fogo seja definitivo, mas acredito ser muito difícil que a ETA
volte a cometer atentados. Depois do passo dado ontem (dia 7) pelos
impulsionadores do novo partido, Sortu, é muito complicado para a ETA
cometer um atentado sabendo que receberá o rechaço do setor político que
até agora esteve mais perto de suas propostas e idéias.
Creio que a ETA enfrenta apenas um dilema: um final rápido e ordenado
ou lento e desordenado. Em qualquer caso, o final da violência. E
acompanha as decisões da Esquerda Abertzale, o final será mais rápido e
será factível conversar com o governo questões técnicas (como armas,
presos). Se decide continuar com a violência, se verá apartada da
Esquerda Abertzale e, sem um braço político, a ETA ficará reduzida a um
mero problema de segurança.
CC – Pensas que o Tribunal Constitucional (máximo órgão de justiça espanhola) permitirá o registro da nova formação (Sortu)? Como agirá o governo espanhol?
CC – Pensas que o Tribunal Constitucional (máximo órgão de justiça espanhola) permitirá o registro da nova formação (Sortu)? Como agirá o governo espanhol?
PR - O governo tentará impugnar o partido. Os
estatutos do Sortu vão muito além do que é estabelecido na Lei de
Partidos. Com ele em mãos, é muito difícil que um tribunal possa
rechaçar a legalização. Outra questão distinta é que há um risco de que
os tribunais não tomem sua decisão antes das próximas eleições.
CC – O que acha dos comentários negativos feitos pelo PP e a falta de entusiasmo do PSOE frente ao lançamento do novo partido?
PR - Deve-se matizar. O PSOE aprecia o passo dado,
mas fica em cima do mudo e deixa a decisão nas mãos dos tribunais. Um
governo responsável deveria permitir a legalização e, caso veja indícios
de que se trata de uma enganação – o que não é o caso, estou convencido
-, então pode pôr em marcha outro processo de ilegalização, como já
fizeram no passado. Quanto ao PP e ao UPyD (oposição de direita), eles
propõem diretamente vulnerabilizar o Estado de Direito. O respeito às
leis é fundamental e se Sortu, o novo partido, as cumpre, não se pode
propor ignorar a lei e inventar novos requisitos para a legalização,
como estão fazendo estes partidos.
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