Escrito por Rodrigo de Oliveira Andrade e Samuel Antenor | |
No último dia 24 de janeiro foi entregue ao ministro da Saúde, Alexandre
Padilha, um documento elaborado pelo Grupo de Trabalho Alimentação e
Nutrição em Saúde Coletiva (GT/ANSC), da Associação Nacional de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO), com sugestões de medidas
efetivas para o enfrentamento dos principais problemas alimentares e
nutricionais que, atualmente, acometem a população brasileira. De acordo
com o GT/ANSC, grupo composto por pesquisadores e militantes da área,
provenientes de instituições acadêmicas e de pesquisa de todo o país, a
iniciativa tem como objetivo fortalecer o processo de implementação da
Política Nacional de Alimentação e Nutrição, que faz parte da Política
Nacional de Saúde, a partir do diálogo entre atores sociais
governamentais e não-governamentais, de forma transversal e
inter-setorial. Em suas considerações, o documento ressalta o fato de o
Brasil ainda possuir focos de desnutrição, principalmente em regiões
como Norte e Nordeste, bolsões de pobreza em grandes cidades, como São
Paulo e Rio de Janeiro, e entre povos indígenas e comunidades
tradicionais, mesmo com um declínio favorável do problema nos últimos
vinte anos, ao passo que, por outro lado, verifica-se um aumento
progressivo do excesso de peso em homens e mulheres no país.
De acordo com o médico e professor do Departamento de Nutrição da
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP),
Carlos Augusto Monteiro, duas pesquisas domiciliares, realizadas pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na primeira e
segunda metade da década de 2000, evidenciaram o explosivo aumento da
obesidade no Brasil. "Em apenas seis anos, entre 2003 e 2009, a
freqüência do excesso de peso em adolescentes aumentou 4 pontos
percentuais entre as meninas (de 15% para 19%) e 5 pontos entre os
meninos (de 17% para 22%). No mesmo período, o excesso de peso em
adultos ganhou 7 pontos entre as mulheres (de 41% para 48%) e 9 pontos
entre os homens (de 41% para 50%) ", afirma. O resultado disso, segundo
Monteiro, que também é integrante do GT/ANSC, é que entramos na década
de 2010 com um quinto dos adolescentes e metade dos adultos brasileiros
apresentando excesso de peso.
No entanto, o que fica claro com a leitura deste documento é que tanto a
questão da desnutrição quanto a do excesso de peso precisam ser
tratadas como componentes de um mesmo espectro da alimentação e nutrição
humana. Hoje, todavia, nota-se que há no país uma abordagem polarizada
acerca desta questão, que tende a colocar a fome e a desnutrição como
problemas inerentes à pobreza, e a obesidade como conseqüência oriunda
do poder aquisitivo da população. Para os signatários do documento, esta
abordagem é superficial e precisa ser desconstruída, visto que, do
ponto de vista biológico, estudos comprovam que a desnutrição nos
primeiros anos de vida aumenta o risco de excesso de peso na vida
adulta, enquanto que, do ponto de vista econômico e social, a maior
prevalência de excesso de peso em famílias de menor renda alinha-se a
estratégias de consumo que privilegiam a compra de alimentos que
proporcionem maior quantidade de calorias pelo menor preço – estes são
os alimentos com pior qualidade nutricional, pois possuem grandes
quantidades de sal, gordura e açúcar.
Medidas efetivas
As recomendações do GT/ANSC frente a este problema caminham no sentido
de se reposicionar radicalmente a Nutrição no espaço institucional e
político do Setor Saúde no Brasil, de modo a fortalecer a Coordenação
Geral de Alimentação e Nutrição do Departamento de Atenção Básica. Além
disso, segundo o documento, a Agenda Nutrição no Sistema Único de Saúde
(SUS) para o período de 2011 a 2014, além de revigorada, precisa ser
anexada aos principais programas de atenção à saúde. Na visão do
GT/ANSC, o atual contexto alimentar-nutricional do país exige uma maior
atenção político-programático do Estado à área de Nutrição, com vistas à
ampliação e intensificação das ações nutricionais previstas na Política
Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), instituída em 1999. Para
isso, os signatários do documento propõem a organização da atenção
nutricional em uma rede integrada de cuidado s de base territorial,
articulada de forma transversal com políticas e ações específicas em
todos os níveis de complexidade do SUS.
Outro ponto importante a ser destacado: para que seja assegurada a
universalidade do acesso e a qualificação da atenção nutricional no
sistema público de saúde, enfatiza o documento, é preciso fortalecer a
área no Ministério da Saúde e nas Secretarias de Saúde dos estados, de
modo a ampliar o número de Núcleos de Apoio à Saúde da Família, que, por
sua vez, apóiam as Equipes da Estratégia Saúde da Família; expandir as
ações de atenção nutricional, principalmente para os povos indígenas e
para as populações de menor poder aquisitivo, por meio de ações
inter-setoriais no território; assegurar o orçamento para a Nutrição no
SUS, a fim de ampliar e qualificar a gestão e a oferta de ações e
serviços de Nutrição na rede pública de saúde; e implementar um programa
integrado para a atenção nutricional no SUS. Uma primeira ação, urgente
e estrutural, orientada pela Atenção Primária à Saúde, bem como por
referências e contra-referências dos agravos relacionados à má
alimentação.
Resolução segue pendente
Apesar de não ser citada no relatório do GT/ANSC, vale destacar que,
graças a uma liminar da Justiça Federal, solicitada pela Associação
Brasileira de Indústrias da Alimentação, a Resolução 24, de 15 de junho
de 2010, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), foi
suspensa. A resolução dispunha sobre a oferta, propaganda, publicidade,
informação e outras práticas correlatas cujo objetivo fosse a divulgação
e a promoção comercial de alimentos considerados com quantidades
elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio, e
de bebidas com baixo teor nutricional, e proibia o uso símbolos, figuras
e/ou desenhos que pudessem causar falsa interpretação, erro ou confusão
por parte do consumidor quanto à origem, qualidade e composição dos
alimentos – prática freqüentemente utilizada para atribuir
características superiores às que o produto possui, como sugerir que o
alimento é nutricionalmente completo ou que seu consumo garante uma boa
saúde. Para Monteiro, essa seria uma ótima oportunidade para, de forma
modesta, regular a publicidade em torno de produtos ultraprocessados no
Brasil, haja vista que a Resolução asseguraria informações indisponíveis
à preservação da saúde de todos aqueles expostos à oferta, propaganda e
publicidade de alimentos com baixo teor nutricinal.
Segundo Monteiro, "campanhas publicitárias milionárias e extremamente
eficazes cuidam para ampliar as ‘vantagens’ dos produtos
ultraprocessados, promovendo sua hiperpalatabilidade e sua conveniência,
isso quando o indivíduo não é estimulando diretamente a comer
compulsivamente. Além disso, a não regulação do marketing desses
produtos no Brasil permite sua oferta e propaganda em todos os
ambientes, incluindo escolas, hospitais e farmácias, por meio de tantas
outras técnicas de marketing já proibidas em vários países". Logo, ao
suspender a Resolução 24, a Justiça Federal nada mais fez do que
evidenciar o desequilíbrio entre as ações governamentais de saúde e de
interesse público e os interesses do setor empresarial, que visa apenas o
lucro.
Rodrigo de Oliveira Andrade e Samuel Antenor são jornalistas – Páginas na web: http://www.poterkin.blogspot.com/ ; http://www.espacocult.wordpress.com/
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
Obesidade versus Desnutrição: duas faces do mesmo problema
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário