Igor Natusch *no Sul21
As atenções do mundo seguem voltadas para a Líbia,
onde os protestos contra o governo ditatorial de Muammar Kadafi ganham
contornos de guerra civil. Mas vários países árabes continuam em
ebulição. Iêmen e Bahrein são os países em que as coisas estão mais
complicadas para o poder estabelecido e onde os protestos ganham mais
força. Mas mesmo na Tunísia e no Egito, que já derrubaram seus
ditadores, os protestos continuam. Manifestantes pedem que as
transformações ocorram de fato, e pedem a saída de membros dos regimes
derrubados que permanecem no poder durante a transição.
Acompanhe os últimos acontecimentos, país por país:
Manifestantes concentram-se na Praça da Pérola, no Bahrein
Neste sábado (26) ocorreu o 13º dia de protestos no país, que é
governado desde 1999 pelo rei Hamad Ben Isa al-Khalifa. As manifestações
se concentram na Praça da Pérola, região central de Manama.
Paralelamente aos protestos, religiosos da maioria xiita decretaram luto
no país, em memória de sete manifestantes mortos nos primeiros dias dos
acontecimentos. Os protestos ocasionaram tímidas mudanças anunciadas
neste sábado pelo rei. Ele apenas trocou de função cinco ministros,
mantendo-os no governo.
Embora parte dos manifestantes exija a mudança completa do regime, as
lideranças xiitas parecem não querer a queda de al-Khalifa, pedindo
apenas “reformas profundas” no sistema político do país. A posição xiita
coincide com sinalizações do governo dos EUA, que defende a permanência
de al-Khalifa e o estabelecimento de um diálogo com a oposição. O chefe
de Estado-maior das Forças Armadas dos Estados Unidos, almirante Mike
Mullen, desembarcou no Bahrein nesta quinta-feira (24) para reunir-se
com representantes do governo do país. O rei al-Khalifa garante que está
disposto a negociar com “todas as partes”, permitindo inclusive o
retorno de Hassan Mushaimaa, líder do movimento xiita Haq, que
desembarcou em Manama nesta sábado, sem sofrer restrições por parte do
governo do Bahrein.
Líderes tribais aderem a protestos no Iêmen
A pressão sobre o presidente do Iêmen aumentou depois que líderes de
duas das principais tribos do país (Hashid e Baqil) passaram a apoiar os
manifestantes. Especialistas apontam que o apoio dos Hashid, tribo mais
importante do país, aos manifestantes deve ser uma pressão insuportável
para Ali Abdallah Saleh, que se mantém há trinta anos no poder.
No Iêmen, a concentração de manifestantes alcançou na sexta-feira o
número mais alto desde o começo dos protestos contra o regime de Ali
Abdallah Saleh. As estimativas são de que mais de 150 mil pessoas
participaram de protestos em todo o Iêmen, na que já é a maior
manifestação pública da história do país. Segundo agências
internacionais, cerca de 30 mil pessoas estão acampadas na frente de uma
universidade da capital Sanaa, em uma manifestação pacífica e sem
confrontos com forças governamentais. “Olhe ao redor. Não são apenas
jovens, apenas estudantes que estão protestando”, disse o ativista
iemenita Khaled Anesi, em entrevista para o Los Angeles Times. “Todos
estão aqui. Juntos, nós derrubaremos o regime”.
Em resposta aos protestos contra Ali Abdallah Saleh, que ocupa o
poder há 32 anos, o governo iemenita incentiva apoiadores a irem às ruas
para defender o regime. Os manifestantes pró-Saleh teriam recebido
material diretamente do governo, como cartazes com o rosto do governante
iemenita, e entoam cânticos nos quais dizem que Ali Abdallah Saleh
trouxe paz e prosperidade ao país. Vinte e quatro mortes ocorreram nos
últimos nove dias de protestos no Iêmen.
Governo de transição não cumpre promessas, dizem manifestantes do Egito
O Egito, que recentemente testemunhou a queda do ditador Hosni
Mubarak, continua às voltas com protestos. Manifestantes voltaram a se
reunir na praça Tahrir, no Cairo, pedindo a formação de um novo governo e
que Hosni Mubarak seja levado a julgamento. Mesmo que o regime tenha
dado sinais de abertura após a queda de Mubarak, o gabinete de transição
é formado, em sua maioria, por nomes que participaram em algum momento
do antigo governo. Neste sábado (26), manifestantes que pediam a saída
do governo de integrantes leais a Mubarak foram retirados à força da
Praça Tahrir.
Segundo pessoas que participaram dos protestos que derrubaram
Mubarak, o governo de transição não está cumprindo várias de suas
promessas, como a libertação de presos políticos. Os manifestantes
exigem também o fim do estado de emergência, que limita a circulação de
pessoas no país, além de uma anistia geral. Parte da população pede a
renúncia do atual primeiro-ministro Ahmed Shafiq e a criação de um novo
gabinete, com representantes escolhidos por critérios técnicos e não por
indicações.
Opositores do rei criticam “lentidão” das reformas na Jordânia
Na Jordânia, milhares de pessoas foram às ruas da capital Amã, nesta
sexta-feira (25), na maior manifestação popular registrada nos últimos
dois meses no país. A concentração aconteceu logo após as preces do meio
dia, e coincide com declarações de Hamza Mansour, líder do grupo de
oposição Frente de Ação Islâmica, dizendo que o povo está “impaciente”
com a “lentidão” das reformas propostas pelo rei Abdullah II. “O povo
quer democracia de verdade, mudanças reais. Andem logo com isso”,
discursou Mansour em Amã, diante de cerca de 4 mil pessoas.
Os manifestantes pedem o congelamento de preços, a adoção de reformas
políticas e um novo parlamento – já que, segundo eles, o atual foi
formado a partir de uma fraude eleitoral. No regime de governo da
Jordânia, apenas os parlamentares são eleitos por voto direto, cabendo
ao rei indicar os ocupantes do executivo. Parte dos revoltosos pede uma
mudança constitucional, que permita eleições diretas também para o cargo
de primeiro-ministro.
Depois de 19 anos, governo da Argélia suspende regime de emergência
O governo da Argélia confirmou na quinta-feira (24) o fim do regime
de emergência no país, que já durava 19 anos. A medida, que vinha sendo
sinalizada há semanas, atende uma das principais exigências dos
opositores de Abdelaziz Bouteflika, no poder desde 1999. No entanto, as
manifestações populares devem ser submetidas a uma série de exigências e
aprovadas pelo governo com três dias de antecedência – o que, na
prática, faz com que as concentrações populares sejam ilegais no país.
“A suspensão do estado de emergência é positiva, mas não é o
suficiente”, disse o líder oposicionista Mustafa Bouchachi, que dirige a
Liga Argelina pelos Direitos Humanos. O governo dos EUA, por sua vez,
considerou a decisão de Bouteflika como um “sinal positivo”, que mostra
que o atual governo argelino está disposto a “escutar as preocupações e
responder às aspirações do seu povo”. O regime de Abdelaziz Bouteflika é
tratado como “corrupto” pela oposição, que alega que as eleições que
reelegeram o presidente em 2009 foram fraudadas. Além disso, os
protestos pedem medidas para conter a miséria, o aumento de preços e o
desemprego.
Sexta-feira foi “dia de fúria” no Iraque
Na sexta-feira (25), milhares de iraquianos protestaram contra o
governo, em manifestações que tomaram conta de vários pontos do país. Os
manifestantes chamaram os protestos de “dia de fúria”. Os relatos são
de que a repressão está cada vez mais violenta, em especial na praça
Tahrir em Bagdá, onde cerca de 5 mil revoltosos se reuniram. A repressão
aos revoltosos teria provocado ao menos 14 mortes, segundo agências
internacionais. Em cidades como Hawija e Mosul, há relatos de que forças
policiais dispararam munição letal contra manifestantes, que tentavam
invadir prédios governamentais. No momento, está em vigor decreto que
proíbe a circulação de veículos e a concentração de grupos de pessoas
nas ruas das principais áreas do país.
O primeiro-ministro ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, garante que
não ignorará os pedidos dos manifestantes, mas advertiu que militantes
do grupo Al-Qaeda podem tentar “interromper” alguns protestos. Em
declarações anteriores, Maliki foi mais explícito, associando os
manifestantes com terroristas e com partidários do ex-ditador Saddam
Hussein. Os manifestantes, que de modo geral dizem não querer a queda do
regime, pedem controle de preços e profundas mudanças no corpo
político, como forma de diminuir a corrupção estatal.
Neste sábado, a maior refinaria de petróleo do Iraque parou suas
operações, depois de ser atacada. Homens detonaram bombas que provocaram
incêndio na refinaria.
Tunísia terá eleições em julho, diz governo provisório
A Tunísia, primeiro país árabe a registrar protestos contra o
governo, deve ser também o primeiro país a concretizar os objetivos de
sua revolução. Em comunicado divulgado pela rede oficial de notícias
TAP, o governo provisório anunciou que as eleições no país devem ocorrer
até a metade do mês de julho. Segundo o gabinete de transição, que
comanda o país desde a queda de Zine El Abidine Ben Ali, o período de
diálogo com os diferentes grupos políticos irá até março, quando deve
ser definida a data exata das eleições.
Ainda que a maior parte dos protestos tenha diminuído na Tunísia,
numerosos grupos seguem nas ruas, insatisfeitos com a presença de
Mohamed Ghannouchi como primeiro ministro do país. Ghannouchi atuou
durante mais de uma década no governo de Zine El Abidine Ben Ali, o que
leva manifestantes a pedirem sua saída e a instauração de um governo
totalmente desligado do antigo regime. Além disso, muitos julgam que a
situação de vida da população melhorou pouco depois da queda de Ben Ali
Protestos ocorridos durante a semana chegaram a concentrar 4.000
pessoas nas ruas da capital Túnis. “Revolução até o fim”, gritam os
revoltosos, que teriam entrado em confronto com forças de segurança e
até mesmo ateado fogo a prédios públicos, segundo testemunhas. Se o
antigo governante foi deposto, parece que isso não é suficiente para boa
parte do povo tunisiano – e o novo aumento na intensidade das
manifestações dá a entender que o processo que varre o mundo árabe está
bem longe do final.
* Colaborou Felipe Prestes
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