sábado, 26 de fevereiro de 2011

Chinchilpos e Gamonales, arte e diferenças sociais no Peru




Por Júlia Nassif de Souza na Caros Amigos

Huancayo é um distrito localizado na região central do Peru, no sul do Valle del Mantaro, no estado de Junín. A zona foi originalmente habitada pelos huancas, povo que sofreu com a dominação inca e novamente com espanhóis, recebendo posteriormente seu apoio e o nome de Santíssima Trindade de Huancayo, desgastados pelo Império Inca de Cuzco.
Huancayo está nos pés da perpetuada Cordilheira dos Andes, nutrida de terras férteis e clima temperado, a 3244 metros sobre o nível do mar. Seu nome significa “o lugar da rocha”, que parece representar uma pedra de grandes extensões antigamente encontrada no trajeto do Caminho Real dos Incas que cortava a cidade.
No alto e marcando presença igualmente em todas as estações climáticas, está a Huaytapallana, a montanha nevada e grande responsável pelas chuvas que alimentam as terras e lagoas de Huancayo. Não é atoa que a montanha nevada representa a personificação do deus huanca, Huallallo-Carhuancho, ao qual lhe é oferecido oferendas e rituais, assim como à Pachamama (Mae Terra).
Huancayo historicamente é uma das importantes cidades responsáveis por grande parte da produção alimentícia e artesanal, que abastece Lima, a capital peruana. Está localizada a nada mais que 310 quilômetros da capital, mas esse trajeto pode durar de 5 a 9 horas, dependendo das condições das estradas e por consequência do tempo. É também uma das principais cidades da serra peruana e do centro do país.
A população do distrito de Huancayo, além do espanhol, fala quéchua wanka, uma língua pré-incaica, viva até hoje e importante para a manutenção e preservação da cultura ancestral na região, que abunda em músicas e danças.
A disputa entre Chinchilpos e Gamonales é uma das diversas festas do distrito de Huancayo. Ao final de janeiro, a população fantasiada de brancos e negros representam a disputa entre Chinchilpos, os camponeses, oprimidos; e os Gamonales, os comerciantes, patrões, a burguesia aristocrática; em três dias de festas que terminam em uma grande batalha, onde um deles é derrotado, caso seja o patrão, haverá colheita o ano inteiro, caso seja o camponês, virá adiante um ano de seca e escassez.
O Bando dos Chinchilpos são os negros dançarinos e trajam uniformes com detalhes vermelhos, o Bando dos Gamonales, estão protegidos pela cor azul, estes são os celestiais patrões, e ambas as vestimentas levam luvas grossas, uma espécie de capacete, botas, paletó e calcas bem abrigadas.
As festas se dividem pelos povoados do distrito e é Huaycachi que recebe a disputa final que tem importância em toda a região, já que é dela que sairá a previsão de escassez ou abundancia na produção agrícola anual, por isso é representada no mês de janeiro, a princípio de cada ano.
De caráter religioso a celebração de três dias dá início com diversas festas de negros bailarinos e todas acontecem em homenagem a Tayta Niño, patrono de Huayucachi, que representa o menino Jesus considerado o menino Sábio, que aos 12 anos foi encontrado no Templo de Jerusalém, e a ele são oferecidas todas as danças e festejos.
Os Caporales são os grupos de bailarinos que, divididos entre os dois bandos (Gamonal e Chinchilpo), integram a comunidade à festividade, onde todos participam, mas somente jovens rapazes usam as vestimentas representativas de cada bando.
O espetáculo da região de Huancayo demonstra a religiosidade adquirida em épocas coloniais e assimiladas pelos costumes, tradições e até mesmo pela língua originária dos huancas, que permite manter vivos elementos importantes da cultura ancestral.
As contradições das classes sociais na sociedade peruana aparecem na representação do patrão e do camponês, uma questão sócio-política igualmente posicionada e relacionada à questões da natureza e aos resultados a serem obtidos na agricultura do ano inteiro.
Zumbanacuy, a luta final que definirá a situação da colheita anual, acontece no Estádio de Huayucachi, com a utilização da Zumba, uma espécie de espada feita de couro e madeira, manuseada somente pelos homens mais habilidosos, onde aquele que mais acerta o adversário, de forma honesta, mais pontos soma para seu bando.
Em Huancayo o religioso, as questões sociais e o poder estão diretamente vinculados à natureza e a sua capacidade produtiva, atuando como castigo aos camponeses ou premio para trabalhadores e patrões.
Esse ano a batalha foi vencida pelos Chinchilpos, ou seja, os camponeses derrotaram o patrão, e o ano de 2011 promete fartura e boa colheita, para alegria de Tayta Niño e de toda a população.
Julia Nassif de Souza é antropóloga e comunicadora.

>> Assista o vídeo do Grupo de Negritos Corazón Africano, residentes na cidade de Huancayo, durante parte da celebração em homenagem a Tayta Niño, realizado nos dias 28, 29 e 30 de janeiro de 2011.

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