A atualidade do
pensamento do escritor peruano, que desafiou a estética europeia,
estimula a reflexão sobre as questões culturais da América Latina
indígena.
Por Julia Nassif de Souza na Caros Amigos
Comemora-se em 2011 o centenário de
nascimento de um dos escritores mais representativos da literatura
peruana. Detentor de obras literárias, linguísticas, antropológicas e
etnológicas, José María Arguedas desafiou, através de sua consciência
crítica, a estética peruano-européia, convidando a repensar a
representação da cultura no Peru.
Arguedas nasceu no dia 18 de janeiro de
1911, em Andahuaylas, estado de Apurimac, ao oeste de Cuzco, e aos 3
anos de idade perde sua mãe. Seu pai se casa novamente, mas passa a ter
uma vida agitada trabalhando como advogado itinerante. Longe de cuidados
familiares, ainda criança é posto por sua madrasta, fazendeira, sobre
os cuidados dos empregados da casa, com quem teve sua primeira fase de
criação, na região de Puquio.
Maltratados pela madrasta, José María e
seu irmão Arístedes fogem de casa e vivem refugiados junto a indígenas,
que lhes recebem e ensinam seus costumes e principalmente seu idioma, o
quéchua, que posteriormente é utilizado pelo escritor, através de
traduções e escritos fundamentais para a revalorização da língua no
país, tornando-se um dos mais importantes tradutores de quéchua do Peru.
Desde sua infância, por mais que as
condições sociais lhe permitissem outra posição, Arguedas se nutriu da
terra e do povo peruano, a princípio por desdém familiar, mas que logo
se transforma em opção pessoal.
Resgatado por seu pai dois anos depois
de sua fuga, Arguedas consegue aproveitar as viagens que fazia para
acompanhá-lo pelo interior do país, para conhecer as essências da
tradição popular peruana, raízes nas quais escolheu ser criado e onde
passou a maior parte do tempo, aproveitando os ensinamentos de
camponeses e artistas populares do Peru profundo.
Estabelece-se em Abancay e mais tarde se
desloca a Ica e logo Lima, onde desenvolve estudos na faculdade de
Letras, chegando a formar-se doutor, em 1963.
Exerce como professor em diversas
oportunidades; colabora com o Ministério de Educação; e em algum momento
chega a ser cassado por ser considerado comunista. Casa-se, divorcia e
casa, novamente, sempre acompanhado pela tristeza com que levava a vida,
marcada de episódios de depressão e crises de angústia que lhe alçavam
para cima e para baixo entre uma publicação e outra, resultando em um
suicídio bem sucedido, aos 58 anos.
Como escritor Arguedas era literato,
antropólogo, linguista e indigenista, permitindo aprofundar a visão
sobre os temas vivos e marginalizados da cultura popular peruana, de
maneira envolvente, refletidos pelo fato de haver pertencido de alguma
forma à realidade que descreve.
Seus estudos e histórias são alimentados
pelo folclore, particularmente apoiado à cultura dos Andes peruano, em
seus costumes, suas músicas e danças, principalmente adquiridos pela
tradição oral, no qual puderam encontrar um cúmplice e tradutor, que se
identificava e entendia a complexa realidade indígena.
Era entre esses dois polos que se
dividia sua vida, e Arguedas conseguiu, através de suas vivências reais,
analisar a integração conflitiva entre a cultura européia, urbana, e a
cultura quéchua, andina, sem deixar, é claro, de tomar partido nessa
relação.
A atualidade de seu pensamento e a
urgência de repensar questões culturais na sociedade peruana, colocadas
por seus livros, hoje são reconhecidas e aclamadas em todo o Peru, em um
ano de comemorações, debates, encontros, festas e reflexões com
respeito a um dos mais importantes, escritores e personagens da história
peruana.
Seus livros publicados são: Agua (1935),
Diamantes y pedernales (1945), Los ríos profundos (1958), El sexto
(1961), Todas las sangres (1964), Amor mundo y todos los cuentos (1967),
El zorro de arriba y el zorro de abajo (1971) e Katatay (1972). No
Brasil é possível encontrar em português o livro Os Rios Profundos.
Júlia Nassif de Souza é antropóloga e comunicadora social.
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