Marcio Pochmann
A temática da qualificação da mão de obra não é desprezível no atual
momento pois corre o sério risco de se tornar um verdadeiro entrave ao
curso do desenvolvimento nacional, quando não um constrangimento
adicional ao avanço adequado dos grandes eventos esportivos para 2014
(Copa do Mundo de Futebol) e 2016 (Jogos Olímpicos). Na crise
internacional transcorrida no fim de 2008, o ciclo de expansão produtiva
com forte emprego assalariado formal iniciado três anos antes foi
arrefecido, o que permitiu postergar resoluções necessárias em torno da
temática da qualificação da força de trabalho no país.
Desde o segundo trimestre de 2009, contudo, a produção nacional voltou a
se recuperar, fruto das positivas políticas anticíclicas adotadas pelo
governo federal. Tanto assim que, no ano de 2010, a economia registrou
forte expansão do Produto Interno Bruto (PIB), com impactos
significativos na geração de mais de 2 milhões de empregos formais. Por
força disso, algumas regiões e setores de atividade econômica
apresentaram, inclusive, alguns sinais de escassez relativa da mão de
obra qualificada. Em geral, é possível assumir que o emprego de
profissionais das engenharias pode ajudar a observar - ainda que
sinteticamente - o impacto da expansão econômica sobre a determinação do
nível de ocupação do trabalho qualificado.
No contexto de expansão das atividades econômicas que demandam
crescentemente força do trabalho mais qualificada, devem ser
considerados primordialmente os elementos determinantes da oferta
laboral, sobretudo aquela derivada das engenharias, frente às suas
interligações com outras categorias profissionais. Assim, não há com
deixar de relacionar o processo de formação superior nas engenharias,
uma vez que o ensino superior no Brasil é constituído por duas centenas
de universidades, 127 centros universitários e quase 2 mil faculdades e
institutos de educação tecnológica, responsáveis pela absorção de quase 6
milhões de alunos.
Nos dias de hoje, são cerca de 830 mil pessoas que se graduam
anualmente, equivalendo a menos de 26% do total de vagas ofertadas a
cada ano pelo ensino superior. Das 3,2 milhões de vagas disponíveis pelo
conjunto dos cursos de graduação, 322 mil são de responsabilidade da
área das engenharias (engenharia, produção e construção), ou seja, 10,2%
do total de vagas abertas no país por ano. Para esse contingente de
vagas, registram-se mais 770 mil candidatos (12,5% do total de
candidatos aos cursos de ensino superior), o que resulta em 2,4
candidatos por vaga em todo o Brasil (para mais detalhes, ver a
publicação Radar nº 12, do Ipea, de fevereiro de 2011).
No ano de 2009, houve a graduação de 47,1 mil engenheiros, que
equivaleram a apenas um pouco menos de 15% do total de alunos que
ingressam nos cursos de engenharia. Isso significa que as engenharias
registraram elevados índices de evasão, impondo baixa quantidade de
concluintes nos cursos de graduação e certo desperdício de recursos
humanos e financeiros para vagas não ocupadas ou ocupadas por período
demasiadamente longo. Além disso, assinala-se também o problema
associado à qualidade formativa dos engenheiros, uma vez que 42,3% dos
concluintes das engenharias que se formaram em 2008 são oriundos de
instituições de nível superior que detêm baixo desempenho na
proficiência acadêmica, segundo informações do Ministério da Educação
(MEC). Ainda para o MEC, somente um em cada grupo de quatro graduados
provém de instituições com nível superior de alto desempenho
educacional.
Adicionalmente, ressalta-se que a oferta total de engenheiros formados
no Brasil não se encontra ainda plenamente absorvida pelas atividades
tradicionais das engenharias. Em plena década de 2000, por exemplo,
constatou-se que, do total da mão de obra qualificada nas engenharias,
estimada em 550 mil profissionais, havia menos de 1/3 exercendo
atividades finalísticas da profissão. Esse desvio na alocação dos
profissionais das engenharias em relação ao emprego final resulta de
duas décadas anteriores de baixa demanda de engenheiros devido ao
contido dinamismo econômico e quase ausência de investimentos em
infraestrutura nacional.
Da situação atual de disponibilidade nacional de engenheiros, deve-se
considerar o ingresso do contingente de graduandos a cada ano e o desvio
de profissionais para outras áreas de ocupação, o que pode permitir
antever alguns dos possíveis constrangimentos à demanda de pessoal
qualificado a serem atenuados. Em 2009, por exemplo, 323 mil engenheiros
foram contratados em todo o país, o que significou duas vezes mais a
abertura de vagas que o verificado no ano 2000. Se a economia brasileira
vier a crescer 6% em média nos próximos quatro anos, por exemplo, a
demanda por engenheiros em 2014 pode chegar a quase 650 mil novos
profissionais.
É em função disso que a formação de mão de obra qualificada no Brasil
requer atenção, seja no processo formativo, seja no ambiente de
contratação por parte das empresas. A ampliação das vagas no ensino
superior pressupõe enfrentar simultaneamente tanto a qualidade dos
cursos ofertados como a enorme evasão dos estudantes. Ao mesmo tempo,
cabe mencionar a necessidade da oferta de cursos de readaptação ao
ambiente de trabalho nas engenharias para aqueles profissionais que se
encontram desviados e podem retornar às atividades finalísticas
tradicionais. Considera-se que, do ponto de vista da demanda de mão de
obra qualificada, há espaço para avançar nas relações de trabalho,
especialmente naqueles setores mais dinâmicos em termos de contratação
de trabalhadores.
O processo de formação no próprio local de trabalho pode ser uma
oportunidade desenvolvida com apoio das instituições de representação
dos trabalhadores e do governo federal, o que inibiria o veto à
contratação de profissionais sem prévia experiência profissional. Também
a restrição à elevadíssima rotatividade contratual permitiria que os
investimentos na qualificação da força de trabalho pelas empresas se
convertessem em maior segurança na própria ocupação por maior tempo.
Isso implica planejamento democrático e participativo, sobretudo dos
diretamente interessados em impedir que a escassez de mão de obra seja
mais um obstáculo ao curso do desenvolvimento nacional.
Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do
Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
domingo, 17 de abril de 2011
Escassez de mão de obra?
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