por Heloisa Villela, de Washington no Viomundo
Os Estados Unidos têm uma longa lista de massacres e incidentes com
armas de fogo em escolas. Columbine, no Colorado, ou a Politécnica, da
Virgínia, são alguns dos exemplos mais conhecidos e dramáticos com
grande número de mortos. A necessidade de evitar que novas mortes
aconteçam no lugar que as crianças têm que frequentar todos os dias, e
onde devem estar seguras, provocou uma parceria entre o Serviço Secreto e
a Secretaria de Educação. Um estudo aprofundado e feito longe do calor
do momento.
William Modzeleski, Sub-Secretário de Educação para a Segurança das
Escolas, participou do grupo que elaborou o estudo entitulado
“Implicações para a prevenção de ataques em escolas dos Estados Unidos”.
Ele é taxativo: não existe um perfil padrão dos atiradores e diz que é
fundamental ouvir os jovens e crianças. Ele também afirmou que as
primeiras avaliações e os relatos da imprensa, no momento da tragédia,
sempre contém muitos erros.
O estudo, do qual ele é coautor, se concentrou em incidentes
registrados em escolas do Jardim da Infância, de Ensino Fundamental e
Ensino Médio. Entrevistei William Modzeleski no dia em que aconteceu o
massacre na escola de Realengo, no Rio. Um pequeno trecho da entrevista
foi ao ar no Jornal da Record, no mesmo dia. Aqui, a entrevista completa para o Viomundo:
Heloisa Villela:Quando e por que foi feito esse estudo?
William Modzeleski: O estudo foi feito depois de
1999, depois do que aconteceu em Columbine, no Colorado, como um
desdobramento. O Serviço Secreto tinha terminado um estudo sobre
tentativas de assassinato das pessoas que eles tem que proteger – o
Presidente e o Vice-Presidente. Então, o diretor do Serviço Secreto
procurou o Secretário de Educação na época, Richar Riley, e disse que
podia nos emprestar o pessoal dele para nos ajudar a fazer um estudo
sobre as pessoas que estavam indo às escolas matar crianças. Naquele
momento, em 99, tínhamos passado por vários incidentes. Columbine não
foi o primeiro nem o último. O Departamento de Educação aprovou a idéia.
Então, analisamos 37 casos, 41 indivíduos que entraram em escolas entre
1974 e 1999 e fizeram o que chamamos de ataques que tinham as escolas
como alvo. São incidentes em que o indivíduo seleciona a escola alvo. De
antemão, quer fazer algo, entrar na escola, atirar ou detonar bombas.
Não olhamos apenas os arquivos dos casos mas também entrevistamos 10 das
pessoas que participaram desses ataques.E o que aconteceu no seu país,
agora, é comum aqui: a pessoa que ataca acaba cometendo suicídio logo
depois ou durante o incidente.
Heloisa Villela: Quais foram as conclusões do estudo?
William Modzeleski: Uma das nossas conclusões foi
que esses ataques não são impulsivos. Não acontecem num momento de
explosão. Começam com um pensamento, depois o atirador desenvolve um
plano, o meio de levar ele a cabo: comprar uma arma, ou o que quer que
seja que precise. Em geral, existe um prazo de planejamento que pode ser
de algumas semanas, alguns meses e, como no caso de Columbine, pode
levar mais de um ano. O que nós percebemos é que existe um período de
tempo em que podemos interferir e agir.
Heloisa Villela: E o que mais?
William Modzeleski: A segunda
descoberta foi que, em sua maioria, os agressores não eram pessoas
isoladas que ninguém conhecia. Eram pessoas conhecidas na comunidade,
que os professores sabiam que tinham problemas e que ninguém fez nada. E
mais: quase todos contaram a outras pessoas o que íam fazer. Não
guardaram segredo. Quase todos os agressores estavam na faixa dos 13 aos
19 anos. E a maioria dos adolescentes têm dificuldade de manter
segredo. Eles falam com outras pessoas. Também descobrimos que, mesmo
depois de contarem a outras pessoas que íam atirar e matar na escola,
essas pessoas não contaram para mais ninguém e simplesmente não
acreditaram.
Heloisa Villela: O que existe de comum entre esses jovens?
William Modzeleski:Vimos que quase todos passaram
por algum evento traumático. E não se pode pensar nisso com a cabeça de
um adulto e sim com a mentalidade de um jovem porque o que afeta os
adolescentes é muito diferente. Alguns perderam a namorada, outros não
conseguiram vaga na universidade, tiveram notas baixas. ¾ das crianças
atravessaram situações constantes de agressão na escola. Como vítimas
e/ou como agressoras. É mais um sinal que deve ser observado. Agora, o
que nós descobrimos e surpreende muita gente é que não existe perfil
padrão do jovem que faz isso. Muita gente gostaria que disséssemos:
“esses assassinos são todos homens, tem uma determinada idade, se
parecem com este ou aquele perfil, se vestem assim ou assado”. Mas
descobrimos que são todos diferentes. Alguns tem boas notas outros não.
Alguns tem problemas de comportamento na escola e outros não.
Heloisa Villela:E são todos homens?
William Modzeleski:Até o momento em que terminamos o
estudo, sim. Mas depois que concluímos, houve um caso de uma mulher, na
Pensilvânia, e descobrimos, depois, casos envolvendo alunas do sexo
feminino que tentaram matar colegas, na escola, em 1970, na Califórnia.
Então, não existe perfil. É mais um problema de comportamento do que de
aparência e características. Como agem, o que falam, o que fazem? Muitas
dessas crianças fizeram ameaças, falaram em atirar, desenharam cenas,
tiveram atitudes violentas. Deram vários sinais e nós ignoramos.
Heloisa Villela: Sexo, raça, religião,
doenças mentais, nada disso é luz vermelha que dever ser observada? O
rapaz da Virgínia Tech, dizem que tinham problemas mentais, por exemplo.
William Modzeleski: É bem mais complexo… Quando
falamos de doenças mentais, por exemplo, é preciso ter outros fatores
associados a elas. Doença mental é um termo muito genério e existem
vários tipos de necessidades na área de saúde mental. Milhões de pessoas
têm necessidades na área de saúde mental nesse país. Não é nisso que
devemos prestar atenção e sim nos comportamentos relacionados com
atitudes violentas: a pessoa tem armas? Tem problemas com álcool e
drogas? Têm feito ameaças? E vimos que os atiradores apresentam esses
comportamento tenham necessidades na área de saúde mental ou não.
Heloisa Villela: O senhor disse que existe,
normalmente, uma janela, um espaço de tempo em que é possível fazer
algo. O que pode ser feito para evitar problemas como esse?
William Modzeleski: O primeiro passo é identificar
as pessoas que têm esses problemas de comportamento e entender o que são
e trabalhar dentro da comunidade para oferecer os serviços necessários.
Acompanhar o indivíduo. Acima de tudo, descobrimos que muitas dessas
crianças não têm um adulto na vida delas. Alguém com quem possam
conversar sobre os problemas que estão enfrentando. Parte do que estamos
dizendo no estudo não é apenas identificar as crianças que apresentam
esses comportamentos mas também perguntar: existe um adulto ao qual
possamos associar essa criança? Pode ser um irmão mais velho… Alguém em
quem possam confiar. Isso faz muita diferença.
Heloisa Villela: Além de encontrar um
interlocutor adulto para que essas crianças sejam ouvidas, dificultar o
acesso a armas não seria importante também?
William Modzeleski:No nosso estudo, a maioria das
pessoas que matou nas escolas, usou armas comuns, vendidas em muitos
lugares do país. Muitas dessas armas foram obtidas ilegalmente. Foram
roubadas de casa, ou da casa do vizinho. Então, é importante descobrir
como evitar que as armas caiam nas mãos dos que, legalmente, não
deveriam ter armas.
Heloisa Villela: E como fazer para facilitar o contato desses jovens com adultos que os ouçam?
William Modzeleski: Os primeiros adultos na vida das
crianças são os pais. É preciso ver se eles estão presentes e se se
comunicam. Como acontece em muitos outros países, aqui também, em muitas
famílias não existe uma mãe ou um pai que se comunique com os filhos. E
quando isso acontece, temos que criar oportunidades. Grupos e
organizações civis que estão disponíveis. Se não houver pai ou mãe, é
preciso que haja um adulto responsável.
Heloisa Villela: Pode ser um professor?
William Modzeleski:Claro! Em muitos casos, é o
professor que faz um trabalho maravilhoso de conversar com as crianças e
ir muito além das necessidades acadêmicas, tratando também dos
problemas emocionais.
Heloisa Villela: Os Estados Unidos lideram neste tipo de
problema, mas já aconteceram casos na Alemanha, na Finlândia, na Nova
Zelândia…
William Modzeleski: Deixe-me corrigir uma impressão
equivocada de que nossas escolas são lugares perigosos e que esses
incidentes acontecem com frequência… Não é o caso. Apenas 1% dos
homicídos de crianças na faixa de 5 a 18 anos acontece nas escolas.
Então, as escolas são seguras. Mas podem se tornar ainda mais seguras?
Podem. E estamos trabalhando muito para que todas as escolas do país
sejam seguras porque entendemos que as crianças não podem aprender e os
professores não podem ensinar se estiverem em um ambiente no qual sempre
sentem medo. E podemos tornar as escolas mais seguras transformando a
cultura dentro delas para que as crianças não agridam umas às outras,
para que não haja o chamado bullying. Garantindo que toda criança tenha
um adulto ao qual possa recorrer em caso de necessidade. Fazendo com
que as crianças entendam que uma arma não é o meio para resolver
problemas.
Heloisa Villela: Então, não é instalando detectores de metais…
William Modzeleski: Os detectores tem seu lugar em
algumas escolas. Não devem ser a única medida porque as crianças não
podem conversar com detectores de metais. Mas depende muito das
condições e dos problemas que a escola enfrenta. Se é uma escola que
nunca teve problema com armas, por que ter um detector de metais? Mas se
você fez um levantamento e viu que muitos alunos têm problemas com
drogas, você precisa de um programa de drogas. Muitos adolescentes tem
problemas sociais, tem problemas com namorados… É o fator humano!
Heloisa Villela: E por que esses atiradores fazem a escola de alvo?
William Modzeleski:De acordo com as entrevistas que
fizemos, é porque foi na escola que sofreram algo. Onde se sentiram
provocados, agredidos, onde estão as pessoas que, na cabeça deles, os
estavam perseguidos. É uma escolha lógica.
Heloisa Villela: Que medidas estão sendo tomadas para tornar as escolas americanas mais seguras?
William Modzeleski:Antes de mais nada, reconhecer e
entender qual é o problema. Há 20 anos achávamos que as escolas
precisavam de programas e começamos a fazer vários. Prevenção de
violência, de drogas. Mas não tínhamos uma compreensão do problema.
Agora, estamos empurrando as escolas para que tenham um entendimento
melhor dos problemas. Que façam pesquisas, falem com as crianças e
levantem informações porque enquanto não fazem isso, não podem
desenvolver programas. Uma coisa que encorajamos muito é para que
re-examinem suas políticas para ver se são muito punitivas. Você expulsa
a criança por qualquer motivo ou oferece alternativas? Pedimos a todas
as escolas do país que desenvolvam parcerias com a comunidade. Com os
serviços de saúde mental, com a polícia local. Se o principal problema
da escola é bullying, é preciso mudar a cultura da escola.
Heloisa Villela: No caso do Brasil, considerando que cada
país é um país e cada cultura é uma cultura, o que o senhor diria às
autoridades brasileiras, que tipo de alerta ofereceria?
William Modzeleski:Não sei muito sobre o caso do
Brasil. É difícil falar. Mas acho que devem fazer o mesmo que fizemos
aqui: primeiro, tentar entender o que está acontecendo. Depois vai poder
desenhar algum programa. Mas acho que não é por causa de um incidente
que você vai traçar política. Pode ser apenas uma aberração. Antes de
pensar em criar qualquer política, é preciso entender melhor o que
aconteceu.
Nota: Nos casos analisados pelo estudo, 76% dos
atiradores eram brancos, 12% Afro-Americanos, 5% hispânicos, 2%
Native-Alaskans, 2% Native-Americans e 2% Asiáticos.
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