Miguel do Rosário
O príncipe surtou de vez. Depois de ser ridicularizado até entre seus
pares por uma visão partidária absurdamente classista, o ex-presidente,
em vez de dar uma resposta geral a todos os que criticaram o teor de seu
artigo, dá uma resposta ad hominem, inflada de inveja, aquele que é o novo sucesso do circuito internacional de palestras.
Não comento os pitis de inveja, visto que estes são, a meu ver,
autodesmoralizantes. Ressalto, porém, algumas pérolas do pensamento
fernadista acerca do que seja uma democracia, as quais ilustram bem a
esquizofrenia a que chegaram setores da oposição, ao trocarem a ciência
política clássica, e o pensamento lógico, por uma visão sectária,
tacanha, medíocre, submissa aos preconceitos mais vulgares da imprensa
conservadora:
Sou contra o que ele fez com o povo: cooptar movimentos sociais; enganar os mais carentes e menos informados trocando votos por benefícios de governo; transformar direitos do cidadão em moeda clientelista. Quero que o PSDB, sem esquecer nem excluir ninguém, se aproxime das pessoas que não caíram na rede do neoclientelismo petista.
Cooptar movimentos sociais? Claro, ao dar-lhes voz, ao lhes respeitar,
ao ouvi-los e recebê-los no Palácio do Planalto, Lula estimulou os
movimentos sociais a encaminharem suas propostas por vias democráticas,
pacíficas, institucionais. Já FHC preferiu criminalizar os movimentos
sociais, levando-os a se radicalizarem.
Enganar os mais carentes trocando votos por benefícios do governo? Aí
FHC, como se dizia antigamente, peidou na farofa. Se um eleitor da
classe média votar no PSDB por querer pagar menos imposto, não estará da
mesma forma trocando seu voto por um benefício do governo? O pobre
agora tem que votar pensando em quê? Nas Olimpíadas? No Conselho de
Segurança da ONU? Nos direitos humanos do Irã? Nas xaropadas
pseudo-libertárias dos estrupícios do Instituto Millenium? Bem, poderiam
votar pensando simplesmente num país melhor... mas não seremos um país
melhor se os pobres tiverem mais benefícios, de maneira que ganhem
fôlego para lutarem contra a pobreza?
FHC, e a direita brasileira, desenvolveram um ideário tão absolutamente
antipobre que se tornou uma muralha de estupidez e insensibilidade que
os impedem de compreender, ou sequer imaginar, as terríveis difículdades
em que vive a maior parte da população brasileira. O pobre, mesmo o
remediado, que tem emprego, está sempre a beira de uma tragédia, pois
sua vida só dá certo na medida em que não acontece nenhum acidente. Uma
doença, uma dívida, um deslize, uma crise de depressão, um filho com
problemas com drogas, um acidente climático, qualquer coisa pode botar
tudo a perder. Todas suas modestas conquistas podem se esvair ao menor
soluço negativo da fortuna. Esta é a classe média que FHC pretende
tratar como se lidasse com parentes empobrecidos dos Matarazzo.
Denegrir o pobre que vota em prol de sua classe é mais do que estupidez,
é um tipo de fascismo que, na boca de um sociólogo, apenas se explica
como doença provocada pela leitura sistemática e acrítica de editoriais
de jornal.
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