Durante 605 dias, o Velho Mário, nome verdadeiro Maurício
Grabois, dirigente histórico do PCdoB e líder da Guerrilha do Araguaia,
registrou em diário a saga dos 68 combatentes que se isolaram na
Amazônia com o propósito de tomar o poder dos militares. Entre registros
factuais e impressões pessoais, o comandante escreveu mais de 86 mil
palavras até ser executado pelos militares em 25 de dezembro de 1973. O
diário foi recolhido pelos seus algozes e, posteriormente, copiado em
forma de documento digitado e guardado na grande gaveta de papéis
secretos do Exército.
O mistério acabou. CartaCapital obteve uma cópia integral do
diário. Trata-se de uma visão particular de Grabois, quase sempre
sozinho a anotar os momentos de angústia e tensão na mata. Em
entrevista, o jornalista Lucas Figueiredo, autor da reportagem de capa
da edição que chega às bancas a partir desta quinta-feira 21, fala sobre
o diário, cuja íntegra original pode ser lida aqui e uma versão explicativa, aqui.
CartaCapital: O que mais chamou a sua atenção no diário de Grabois?
Lucas Figueiredo: Esse diário é o registro histórico
mais aprofundado da Guerrilha do Araguaia. O documento possui mais de
86 mil palavras. Para se ter uma ideia, o texto digitalizado completou
150 páginas de tamanho A4, que cobrem 605 dias de conflito. Além de
lançar luzes sobre esse episódio nebuloso da ditadura, o documento é uma
peça valiosa por incluir o relato pessoal de Grabois. Toda a sua dor,
angústia, solidão, saudades da família estão contempladas no texto, que
revela o lado humano do guerrilheiro.
CC: O que esse material acrescenta para a compreensão da guerrilha?
LF: Pela primeira vez temos acesso a um relato mais
profundo por parte dos guerrilheiros do período mais sangrento da
Guerrilha do Araguaia. Grabois foi executado em 25 de dezembro de 1973.
Foi um dos últimos insurgentes a morrer. Na prática, houve três grandes
campanhas dos militares contra a guerrilha. Na última, não houve
preocupação de efetuar prisões, e sim de eliminar os combatentes. Como o
diário vai de abril de 1972 a dezembro de 1973, temos mais informações
sobre essa fase final. Os poucos sobreviventes, não mais do que meia
dúzia, não deixaram relatos consistentes. Um deles, Ângelo Arroyo,
morreria em 1976 na chacina da Lapa, no Rio de Janeiro. Os demais eram
desertores, não quiseram falar muito sobre o que aconteceu. Esse diário
está nos arquivos sigilosos das Forças Armadas desde então. Só foi
revelado agora por CartaCapital.
CC: Como você definiria a liderança exercida por Grabois?
LF: Ele era muito mais rígido com os outros do que
com ele mesmo ou com o seu partido, o PCdoB. Grabois tinha sob o seu
comando 68 combatentes, em sua maioria jovens na faixa dos 25 anos,
estudantes universitários ou profissionais liberais. Gente que nunca
pegou em armas antes, que nunca teve treinamento militar. Ele esperava
que esses 68 neófitos, como costumava dizer, fossem capazes de enfrentar
soldados profissionais das três Forças Armadas, agentes da Polícia
Federal e policiais de três estados diferentes. Exigia rigor absoluto,
erro zero. Como se esse pequeno grupo pudesse atuar como rambos no
Araguaia. Além disso, Grabois teve graves erros de avaliação. Imaginava
que, com o tempo, as massas iriam aderir à guerrilha. Mas a população
local oferecia apenas apoio pontual, doava comida e oferecia abrigo para
os combatentes pernoitarem em algumas ocasiões. Jamais os campesinos se
dispuseram a engrossar as fileiras da insurgência. Grabois também
costuma ouvir muito a Rádio Tirana, da Albânia, que pregava
propaganda comunista e alardeava um grande movimento insurrecional no
Araguaia. Ele passou a acreditar no que escutava. A rádio passava
propaganda e ele tomava como verdade. Trata-se de um erro de avaliação
indesculpável para um líder revolucionário.
A reportagem completa sobre o diário de Grabois está na edição impressa de CartaCapital que chega às bancas em São Paulo na quinta-feira 21 e no resto do País na sexta-feira 22.
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